Quarta-feira, 28.04.10
A conversa de hoje possui uma forte tendência a se tornar polêmica, a partir do título deste artigo. Peço a (o) caro (a) leitor (a) que tenha calma e tente ler até o final.
Em nossa cultura, a violência contra a mulher é aceita; e normas não escritas sugerem que a mulher é a própria culpada da violência por ela sofrida, apenas pelo fato de ser mulher.
A origem, o pecado original, é a idéia falsa de que a mulher deve ser, porque sempre foi um ser inferior, uma subespécie humana, incapaz por natureza, pouco afeita aos fazeres públicos e intelectuais.
Lamentavelmente, este (pré) conceito cultural, construído historicamente, de que a mulher é um ser submisso, paradoxalmente, é assimilado, aceito e reproduzido também pela maioria das pessoas do sexo feminino.
Aliás, ele somente se tornou de difícil superação porque a maioria esmagadora das mulheres não possui condições de compreender esta contradição. Agem como seres submissos.
O outro lado da moeda, o machismo, igualmente é reproduzido - e até fortalecido - pela maioria das mães, tias, vizinhas e professoras; ou seja, aqueles segmentos sociais responsáveis pela educação lato sensu das nossas crianças em seus primeiros anos de vida.
A reprodução do preconceito começa na escolha das roupinhas do bebê, com ele ainda na barriga da mãe: rosa para as meninas e azul para os novos machinhos.
Logo que nascem, seguem as regras para brinquedos e brincadeiras: os meninos jogam futebol, aprendem lutas marciais, ganham carros, armas e roupas de super-heróis para brincar, coisas de machos que se preparam para dar porrada e impor suas vontades numa vida de aventuras, nas ruas. As mocinhas, ao contrário, são orientadas para o recato do lar, e ganham presentes de bonecas, produtos de beleza e cozinha, coisas de quem se prepara para uma vida dentro de casa, seguindo as normas vigentes, e pautadas pela opinião da vizinhança.
Ou seja, a violência exercida pelos homens contra as mulheres, no Brasil como em qualquer parte do mundo, é autorizada, sancionada, pela sociedade patriarcal.
Sociedade reforçada pelas religiões judaico-cristãs, nas quais a figura feminina é sempre uma figura subalterna ou de menor poder, a partir da própria idéia do Pai Salvador (Nossa Senhora não faz, apenas intercede junto ao seu Filho); mesma lógica estende-se a sua hierarquia dominada pelo sexo masculino (o Papa, Cardeais, Pastores, Rabinos, Sacerdotes, todos do sexo masculino). Aqui no patropi, exceção se faça, em respeito à verdade, aos orixás da Umbanda, os quais incorporam divindades dos dois gêneros.
Como livre pensadora, ouso achar que a Lei de Deus deveria permitir que o ser humano estivesse sempre em condições de exercer seu livre arbítrio. Todavia, sou voto vencido.
Lamentavelmente, o espancamento de namoradas, esposas e amantes por seus companheiros é uma questão da vida privada, na qual a sociedade (patriarcal) "não deve intervir".
Diante de casos de violência contra mulheres, é comum que os comentários machistas predominem até mesmo sobre a natural rejeição ao ato de agressão. "Alguma ela fez" ou, na melhor das hipóteses, "melhor não tomar partido". Sem falar nos casos de estupro, quando, freqüentemente, se critica a sensualidade excessiva dos trajes das mulheres, responsabilizando-as e justificando o estuprador. Como propriedade do macho, "a mulher é a culpada".
Essas atitudes preconceituosas são exercidas também por profissionais de saúde e policiais, resultando algumas vezes em tratamento inadequado.
Ainda bem que, como diria Mahatma Gandhi, "Deus não tem religião".
Entendo Deus como um ser cuja única definição é que ele está além do poder do entendimento humano.
Resumo da ópera: a mulher, premida por circunstâncias que ela própria não compreende, na maioria das vezes, retira a queixa-crime contra o seu agressor, perdoa-o, e continua a viver com o mesmo e a conviver com sua dor. E quando essa mulher-mãe tem apenas nove anos de vida? Seria também a culpada?
Como diz o Chico em "Umas e Outras", "o acaso faz com que se cruzem pela mesma rua olhando-se com a mesma dor". Até quando?
POSTADO POR UMA MULHER
Terça-feira, 13.04.10
A idéia da família como uma entidade inviolável, protegida da interferência até da Justiça, faz com que a violência se torne invisível.
A violência é protegida pelo segredo; agressor e agredida fazem um pacto de silêncio, que o livra da punição. Estabelece-se um verdadeiro ciclo, a mulher não se sente vítima, o que faz desaparecer a figura do agressor. Mas o silêncio não gera nenhuma barreira. A falta de um limite faz com que a violência se exacerbe. O homem testa seus limites de dominação. Quando a agressão não gera reação, aumenta a agressividade. O vitimizador, para conseguir dominar, para manter a submissão, exacerba na agressão.
A ferida sara, os ossos quebrados se recuperam, o sangue seca, mas a perda da autoconfiança, a visão pessimista, a depressão, essas são feridas que não curam.
Por isso, é preciso romper o pacto de silêncio, não aceitar sequer um grito, denunciar a primeira agressão. É a única forma de estancar o ciclo da violência da qual a mulher é a grande vítima.
As relações familiares, em sua grande maioria, têm origem em um elo de afetividade. Surgem de um enlaçamento amoroso. A essa realidade evidente por si só cabe questionar, afinal, por que as relações afetivas migram para a violência em números tão chocantes e surpreendentes? O mais intrigante é que nem sempre é por necessidade de sustento ou por não terem condições de prover sozinhas a própria existência que as mulheres se submetem, calam e não denunciam as agressões de que são vítimas.
O desejo do agressor é submeter à mulher à vontade própria, é dominar a vítima, daí a necessidade de controlá-la. Para isso, busca destruir sua auto-estima. As críticas constantes a fazem acreditar que tudo que faz é errado, de nada entende, não sabe se vestir nem se comportar socialmente. É induzida a acreditar que não sabe administrar a casa nem cuidar dos filhos. A alegação de não ter um bom desempenho sexual leva ao afastamento da intimidade e à ameaça de abandono.
O silêncio passa à indiferença e às reclamações, reprimendas, reprovações. Depois vêm os castigos, as punições. Os gritos transformam-se em empurrões, tapas, socos, pontapés, num crescer sem fim. As agressões não se cingem à pessoa da vítima. O varão destrói seus objetos de estimação, a envergonha em público, a humilha diante dos filhos. Sabe que eles são o seu ponto fraco e os usa como massa de manobra, ameaçando maltratá-los.
Para dominar a mulher, procura isolá-la do mundo exterior, afastando-a da família. Proíbe as amizades, denigre a imagem dos amigos. No entanto, socialmente, o agressor é agradável, encantador. Em público se mostra um belo companheiro, a não permitir que alguma referência a atitudes agressivas mereça credibilidade.
Muitas vezes impede a esposa ou companheira de trabalhar, levando-a a se afastar de pessoas junto às quais poderia buscar apoio. Subtrai a possibilidade de ela ter contato com a sanidade e buscar ajuda. O medo da solidão a faz dependente e sua segurança resta abalada. A mulher não resiste e se torna prisioneira da vontade do par, o que gera uma situação propícia a uma verdadeira lavagem cerebral, campo fértil para o surgimento do abuso psicológico.
Assim, facilmente a vítima encontra explicações, justificativas para o comportamento do parceiro. Acredita que é uma fase, que vai passar, que ele anda estressado, trabalhando muito, com pouco dinheiro. Procura agradá-lo, ser mais compreensiva, boa parceira. Para evitar problemas, afasta-se dos amigos, submete-se à vontade do agressor, só usa as roupas que ele gosta, deixa de se maquiar para não desagradá-lo. Está constantemente assustada, pois não sabe quando será a próxima explosão, e tenta não fazer nada errado. Fica insegura e, para não zangar o companheiro, começa a perguntar a ele o que e como fazer, torna-se sua dependente. Anula a si própria, seus desejos, sonhos de realização pessoal, objetivos próprios.
O vitimizador sempre atribui a culpa à mulher, tenta justificar seu descontrole na conduta dela, suas exigências constantes de dinheiro, seu desleixo para com a casa e os filhos. Alega que foi ela quem começou, pois não faz nada certo, não faz o que ele manda. Ela acaba reconhecendo que ele tem razão, que em parte a culpa é sua. Assim o perdoa. Para evitar nova agressão, recua, deixando mais espaço para a agressão.
Nesse momento a mulher vira um alvo fácil. A angústia do fracasso passa a ser seu cotidiano, questiona o que fez de errado, sem se dar conta de que para o agressor não existe nada certo. Não há como satisfazer o que nada mais é do que desejo de dominação, de mando, fruto de um comportamento controlador.
Depois... Vem o arrependimento, pedidos de perdão, choro, flores, promessas. A vítima acredita que ele vai mudar e se sente protegida, amada, querida. As cenas de ciúmes são recebidas como prova de amor, e ela fica lisonjeada.
Tudo fica bom até a próxima cobrança, ameaça grito, tapa...
Forma-se um ciclo em espiral ascendente que não tem mais limite.
O homem não odeia a mulher, ele odeia a si mesmo. Muitas vezes ele foi vítima de abuso ou agressão e tem medo, precisa ter o controle da situação para se sentir seguro. A forma de se compensar é agredir.
A sociedade protege a agressividade masculina, constrói a imagem da superioridade do homem. Afetividade e sensibilidade não são expressões da masculinidade. O homem é retratado pela virilidade. Desde o nascimento, é encorajado a ser forte, não chorar, não levar desaforo para casa, não ser “maricas”. Os homens precisam ser super-homens, não lhes é permitido ser apenas humanos.