Segunda-feira, 01.02.10
Há uma frase atribuída a Lênin, segundo a qual não há
revolução sem teoria
Esse referencial teórico é encontrado nos textos de Alessandro Baratta, Vera Regina Andrade, Marie-France Hirigoyen, Heleieti Saffioti, Lourdes Bandeira e tantos outros que se dedicam a pensar criticamente o assunto. Pensar criticamente é não aceitar o que nos foi dado como algo definitivo, certo, imutável. É não se acomodar diante do fácil, do que está funcionando regularmente, é buscar alternativas para o que não funciona, ainda que para isso seja preciso romper com um paradigma, um modelo, um padrão.
Mas que paradigma é esse com o qual precisamos romper? O paradigma da ciência moderna assegura dominação masculina (ver Pierre Bourdieu – A dominação masculina) e ao mesmo tempo a esconde, recusando qualquer discussão sobre o gênero. O paradigma positivista é androcêntrico e opõe sujeito e objeto, razão e emoção, espírito e corpo, associando os primeiros vocábulos ao masculino e os segundos ao feminino. Tudo de forma subliminar, não dita, razão pela qual Bourdieu cunhou a violência simbólica de violência doce. Assim, o pensamento abstrato é atribuído ao homem, enquanto para mulher estão os sentimentos dirigidos às situações concretas. O paradigma positivista androcêntrico é calcado num ideal de objetividade e neutralidade, aceitos como verdade universal. O direito é masculino. O direito penal falhou porque não cumpriu suas promessas de proteção de bens jurídicos de interesse geral, de combate a criminalidade mediante a retribuição e prevenção geral/especial, de promessa de uma aplicação igualitária das penas (abuso de autoridade/furto qualificado).
O paradigma com a qual precisamos romper é o paradigma do monismo jurídico (Direito = Lei), que acredita que quando um fenômeno passa a ser chamado de crime, ele finalmente adquire o status necessário para ser enxergado pela sociedade e pelas instituições. É um paradigma que menospreza uma questão social diante de uma chamada questão criminal. É falsa a impressão de que todo crime – enquanto realidade social – é mais importante ou mais grave que um “problema” social. Vou dar dois exemplos que ilustram bem a questão social. A situação em que vivem os meninos e meninas de rua é significada como uma questão social. Um latrocínio cometido por um adolescente é crime que justifica a redução da idade penal. Sabendo como são construídas as figuras formais dos crimes podemos, com um mínimo de espírito crítico, afirmar que os problemas sociais são às vezes muito mais graves que muitas figuras penais. O crime não existe enquanto realidade ontológica (como a chuva, por exemplo), sendo uma construção social. Dentro do mundo ideal (deve ser = mundo do direito), as condutas definitivas pela sociedade são reunidas no código penal ou em leis penais especiais e com base nisso são considerados criminosos aqueles que as violam. Sob essa ótica, quem faz nascer o criminoso é o estado-legislador, já que antes dele dizer o que é crime não há criminoso. Quem é criminoso hoje, amanhã pode acordar não sendo, como aconteceu recentemente com o (a) adúltero (a). Dentro do mundo real, na prática, verifica-se que a maioria das condutas criminosas são definidas baseando-se nos decisões e dos interesses de elite política, econômica e intelectual. Assim é que no crime de furto qualificado (em não há violência, nem ameaça contra pessoa) a pena de prisão pode chegar a 8 anos, enquanto no crime de abuso de autoridade (que pode configurar espancamentos terríveis) a pena varia de 10 dias a 6 meses ou multa. O senso comum, que exerce influência e dialoga com os demais saberes, associa crime com prisão e castigo.
Assim, a importância de um crime varia conforme o castigo masculina, recusando o paradigma de gênero. O §2°, do artigo 3°, diz que cabe à família, à sociedade e ao poder publico criar as condições para efetivação dos direitos da mulher em situação de violência doméstica. O parágrafo único
do artigo 5° reconhece a relação homo afetiva como uma realidade social, e como tal sujeita à reprodução da violência doméstica, quando diz que as relações pessoais enunciadas independem de orientação sexual. Maria da Penha rompe com paradigmas quando propõe integração multidisciplinar, ao invés de especialização, de atuação desarticulada, como por exemplo no artigo 8°, I, recusando a forma hierarquizada e estanque com que as instituições atuam no paradigma vigente. Reconhece à mulher a categoria de sujeito, recusando a postura de vítima alienada, mero objeto do processo penal, apostando no fortalecimento de sua autonomia ao valorizar sua manifestação de vontade, mediante o instituto da representação (artigo 16). O artigo 4° é especialmente inovador ao reconhecer as condições peculiares das mulheres em situação de violência doméstica, o que implica deixar para trás idéias preconcebidas, como por exemplo, “se desistiu do processo é porque gosta de
apanhar”. Nenhuma mulher gosta de apanhar. LEMBRE-SE SEMPRE:
NÃO EXISTE MULHER QUE GOSTA DE APANHAR, O QUE EXISTE É MULHER HUMILHADA DEMAIS PARA DENUNCIAR, MACHUCADA DEMAIS PARA REAGIR E POBRE DEMAIS PARA IR EMBORA.
É inovador quando manda o intérprete se nortear pelos fins sociais a que Maria da Penha se destina. Isso significa que, enquanto no paradigma tradicional o Direito manda olhar para o crime, para o fato ocorrido, no novo paradigma o fato é o ponto de partida para a construção de uma relação livre de violência, porque esse homem e essa mulher, ainda que se separem, irão constituir novos relacionamentos. Assim, o foco do novo paradigma não é mera punição do parceiro/parceira violento/a, mas também a restauração dos laços familiares e sociais abalados (filhos, vizinhos, comunidade, etc), bastante explicitado no artigo 30 que prevê medidas que atendam a ofendida, o agressor e os familiares, com atenção especial às crianças e adolescentes. Maria da Penha é inovadora ao valorizar a pesquisa como base para elaborações de políticas públicas sérias no enfrentamento da violência doméstica (art. 38). Se não há revolução sem teoria, também não há teoria sem pesquisa calcada na realidade. Não podemos continuar a elaborar políticas para o tema sem conhecer as realidades dos envolvidos. Descobrir o que as mulheres agredidas realmente pretendem quando buscam o Judiciário, investigando novas formas de enfrentamento do fenômeno que não as respostas tradicionais são medidas imprescindíveis. E é essa realidade que trazemos até vocês, por meio dos dados estatísticos que passamos a apresentar. Sabendo da realidade que os guarda, amparados pelos referenciais teóricos que rompem com os paradigmas vigentes, vocês estarão prontos para ir a campo para garantir a efetiva proteção integral que é a alma da Maria da Penha. Ao contrário de ser negada, a desigualdade entre homens e mulheres precisa ser explicada e compreendida como algo que não impeça o convívio respeitoso e dialógico. Vamos experimentar um olhar diferente, um paradigma diferente.


publicado por araretamaumamulher às 12:40 | link do post | comentar | ver comentários (1) | favorito

Quinta-feira, 31.12.09
“Quando a mulher denuncia, ela está rompendo não só com a relação de violência, e sim com toda a sociedade. A mulher precisa acreditar que é um sujeito de poder e que através das políticas públicas pode minimizar a violência”.
“Vivemos numa sociedade patriarcal que naturaliza a dominação masculina e a violência contra a mulher. Isso é um fenômeno social milenar, desde o surgimento das primeiras polis, com a divisão social do trabalho, e depois com a consolidação do capitalismo, sistema no quais as diferenças entre homens e mulheres se tornaram desigualdades”, explicou Maria Elisa.
A sociedade está acostumada com essa formação patriarcal e machista. “O grande problema é como são construídas as relações sociais a partir das relações de gênero. Quando nasce um menino, por exemplo, dizemos ‘meu garotão’, ‘pegador’. Já com as meninas, ‘minha princesa’. Quando um filho apanha dos colegas, o pai incentiva a violência, dizendo: ‘retruca, vai lá e acaba com ele’. Com as meninas: ‘papai vai tomar alguma providência’. Quando a mulher se separa do marido, é chamada de ex-mulher. E quando briga com ele e procura as amigas elas dizem ‘ruim com ele, pior sem’ ou ‘faz uma comidinha que ele gosta que fica tudo bem’.”
Muitas mulheres sentem vergonha de denunciar a violência, primeiro por medo, depois pelo atendimento que elas recebem em delegacias comuns, onde os funcionários não estão preparados para atender esse tipo de denúncia.
Criada em agosto de 2006, a lei Maria da Penha, combate os crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher, mas ainda encontra diversos entraves no Poder Judiciário e entre os agentes de segurança pública brasileiros para ser plenamente implementada.
“A Lei Maria da Penha foi fruto dos movimentos feministas para a contenção do sistema patriarcal e da cultura machista. O objetivo é a desconstrução da sociedade e mostrar para a mulher o poder de transformação”, disse a defensora pública Amanda Schaefer, que também participou do debate.
De acordo com o balanço de dois anos da Lei Maria da Penha, divulgado no começo deste ano, existem 150.532 processos referentes à lei em tramitação nos tribunais brasileiros. Cerca de 2% deles resultaram em condenação de prisão, 41,9 mil processos geraram ações penais e 19,8 mil resultaram em ações cíveis.
A maior parte das ações protocoladas na Justiça trata de pedidos de proteção. Quase 20 mil mulheres conseguiram esse direito. Em pelo menos 85% dos tribunais brasileiros já foi instalada Vara ou Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.
“Para que a lei seja cumprida, é preciso que as mulheres tenham conhecimento de onde podem ser atendidas e denunciem seus agressores. Muitas não denunciam por não saber como ou por não terem o conhecimento de fato da lei", destacou a defensora pública.
Dados recentes da Organização Mundial da Saúde mostram que 60% das vítimas de violência sexual no mundo são mulheres jovens. Nos EUA, a cada 6 minutos, uma mulher sofre algum tipo de violência. Na América Latina, de 30 a 60% das mulheres foram violentadas por parentes.
No Brasil, pesquisas indicam que 53 a 70% dos casos de violência, excetuando-se o assédio sexual, acontecem em casa, vindas de maridos ou parceiros.

Em 2004, a Anistia Internacional divulgou um relatório onde estimava que um bilhão de mulheres, uma em cada três do planeta, já foram estupradas, espancadas ou sofreram algum outro tipo de violência. E ainda que 20% das mulheres, ou uma em cada cinco, será vítima ou sofrerá pelo menos uma tentativa de estupro durante a sua vida.

A verdadeira tolerância e o total descaso com que são tratadas essas situações, apesar de serem cotidianas e de atingirem metade da população mundial, cerca de três bilhões de pessoas, são completos, não apenas no Brasil, mas no mundo.

O que mostra claramente que a violência contra a mulher ultrapassa os limites culturais, como muitos costumam alegar na tentativa de mascarar o problema. Ela é parte da opressão do Estado sobre as diferentes camadas de explorados.


A violência contra a mulher é parte fundamental para a manutenção desse regime de dominação e exploração. Um exemplo disso é que os EUA estão no topo da lista de violência. Não por acaso, estão também entre os países mais repressivos do mundo, em todos os sentidos: perseguição a minorias raciais, maior população carcerária do planeta, repressão aos imigrantes, à esquerda, às organizações religiosas etc., tudo isso sob a cobertura da maior democrática do planeta.

Para uma luta vitoriosa contra a violência às mulheres, é necessário entender que o fundamento da opressão da mulher é a sociedade capitalista e o Estado burguês, que oprime a todas as camadas sociais, a começar pela classe operária para garantir a exploração do homem pelo homem, alimentar a fé na propriedade privada, e em última escala, na mulher como propriedade do homem.

Nesse esquema, em escala decrescente se incluem todos os setores oprimidos, jovens, negros, mulheres, até chegar à principal vítima de todo esse sistema, que são as mulheres negras jovens. Ainda mais humilhadas e inferiorizadas, por sua condição, submetidas ao desemprego ou subemprego; a dependência econômica do marido, o controle do Estado, do casamento e da religião – que procura controlar até mesmo o seu corpo – que lucra com a prostituição e a exploração sexual.

É por tudo isso que a luta contra a opressão, contra a violência à mulher, apenas através da transformação dos hábitos culturais e da legislação parcial não será nunca capaz de reverter o problema.

É necessário entender essa luta, como uma reivindicação específica das mulheres, mas respaldada por uma realidade mais ampla, de classe. Portanto, deve estar aliada e fazer parte da luta de toda a classe trabalhadora, por um novo tipo de Estado, com um governo que expresse e seja o resultado da luta e da derrota do capitalismo e do regime burguês: o governo operário. Este é o único tipo de governo capaz de garantir a mudança real da situação da mulher na sociedade.


publicado por araretamaumamulher às 12:26 | link do post | comentar | favorito

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