A idéia da família como uma entidade inviolável, protegida da interferência até da Justiça, faz com que a violência se torne invisível.
A violência é protegida pelo segredo; agressor e agredida fazem um pacto de silêncio, que o livra da punição. Estabelece-se um verdadeiro ciclo, a mulher não se sente vítima, o que faz desaparecer a figura do agressor. Mas o silêncio não gera nenhuma barreira. A falta de um limite faz com que a violência se exacerbe. O homem testa seus limites de dominação. Quando a agressão não gera reação, aumenta a agressividade. O vitimizador, para conseguir dominar, para manter a submissão, exacerba na agressão.
A ferida sara, os ossos quebrados se recuperam, o sangue seca, mas a perda da autoconfiança, a visão pessimista, a depressão, essas são feridas que não curam.
Por isso, é preciso romper o pacto de silêncio, não aceitar sequer um grito, denunciar a primeira agressão. É a única forma de estancar o ciclo da violência da qual a mulher é a grande vítima.
As relações familiares, em sua grande maioria, têm origem em um elo de afetividade. Surgem de um enlaçamento amoroso. A essa realidade evidente por si só cabe questionar, afinal, por que as relações afetivas migram para a violência em números tão chocantes e surpreendentes? O mais intrigante é que nem sempre é por necessidade de sustento ou por não terem condições de prover sozinhas a própria existência que as mulheres se submetem, calam e não denunciam as agressões de que são vítimas.
O desejo do agressor é submeter à mulher à vontade própria, é dominar a vítima, daí a necessidade de controlá-la. Para isso, busca destruir sua auto-estima. As críticas constantes a fazem acreditar que tudo que faz é errado, de nada entende, não sabe se vestir nem se comportar socialmente. É induzida a acreditar que não sabe administrar a casa nem cuidar dos filhos. A alegação de não ter um bom desempenho sexual leva ao afastamento da intimidade e à ameaça de abandono.
O silêncio passa à indiferença e às reclamações, reprimendas, reprovações. Depois vêm os castigos, as punições. Os gritos transformam-se em empurrões, tapas, socos, pontapés, num crescer sem fim. As agressões não se cingem à pessoa da vítima. O varão destrói seus objetos de estimação, a envergonha em público, a humilha diante dos filhos. Sabe que eles são o seu ponto fraco e os usa como massa de manobra, ameaçando maltratá-los.
Para dominar a mulher, procura isolá-la do mundo exterior, afastando-a da família. Proíbe as amizades, denigre a imagem dos amigos. No entanto, socialmente, o agressor é agradável, encantador. Em público se mostra um belo companheiro, a não permitir que alguma referência a atitudes agressivas mereça credibilidade.
Muitas vezes impede a esposa ou companheira de trabalhar, levando-a a se afastar de pessoas junto às quais poderia buscar apoio. Subtrai a possibilidade de ela ter contato com a sanidade e buscar ajuda. O medo da solidão a faz dependente e sua segurança resta abalada. A mulher não resiste e se torna prisioneira da vontade do par, o que gera uma situação propícia a uma verdadeira lavagem cerebral, campo fértil para o surgimento do abuso psicológico.
Assim, facilmente a vítima encontra explicações, justificativas para o comportamento do parceiro. Acredita que é uma fase, que vai passar, que ele anda estressado, trabalhando muito, com pouco dinheiro. Procura agradá-lo, ser mais compreensiva, boa parceira. Para evitar problemas, afasta-se dos amigos, submete-se à vontade do agressor, só usa as roupas que ele gosta, deixa de se maquiar para não desagradá-lo. Está constantemente assustada, pois não sabe quando será a próxima explosão, e tenta não fazer nada errado. Fica insegura e, para não zangar o companheiro, começa a perguntar a ele o que e como fazer, torna-se sua dependente. Anula a si própria, seus desejos, sonhos de realização pessoal, objetivos próprios.
O vitimizador sempre atribui a culpa à mulher, tenta justificar seu descontrole na conduta dela, suas exigências constantes de dinheiro, seu desleixo para com a casa e os filhos. Alega que foi ela quem começou, pois não faz nada certo, não faz o que ele manda. Ela acaba reconhecendo que ele tem razão, que em parte a culpa é sua. Assim o perdoa. Para evitar nova agressão, recua, deixando mais espaço para a agressão.
Nesse momento a mulher vira um alvo fácil. A angústia do fracasso passa a ser seu cotidiano, questiona o que fez de errado, sem se dar conta de que para o agressor não existe nada certo. Não há como satisfazer o que nada mais é do que desejo de dominação, de mando, fruto de um comportamento controlador.
Depois... Vem o arrependimento, pedidos de perdão, choro, flores, promessas. A vítima acredita que ele vai mudar e se sente protegida, amada, querida. As cenas de ciúmes são recebidas como prova de amor, e ela fica lisonjeada.
Tudo fica bom até a próxima cobrança, ameaça grito, tapa...
Forma-se um ciclo em espiral ascendente que não tem mais limite.
O homem não odeia a mulher, ele odeia a si mesmo. Muitas vezes ele foi vítima de abuso ou agressão e tem medo, precisa ter o controle da situação para se sentir seguro. A forma de se compensar é agredir.
A sociedade protege a agressividade masculina, constrói a imagem da superioridade do homem. Afetividade e sensibilidade não são expressões da masculinidade. O homem é retratado pela virilidade. Desde o nascimento, é encorajado a ser forte, não chorar, não levar desaforo para casa, não ser “maricas”. Os homens precisam ser super-homens, não lhes é permitido ser apenas humanos.
As raízes da violência, de natureza social, cultural e psicológica, são numerosas, tais como: os estereótipos sexuais, o desequilíbrio de poder entre mulheres e homens, a socialização e os comportamentos aprendidos, a violência como forma socialmente aprovada de solução de conflitos, os desequilíbrios socioeconômicos, as lacunas na lei e no sistema de justiça penal.
A violência contra as mulheres é uma manifestação do desequilíbrio histórico das relações de poder entre mulheres e homens. A violência faz parte de um processo, não é natural nem resulta de um determinismo biológico: a violência aprende-se. O sistema de domínio masculino tem raízes históricas e a sua função e suas manifestações tem variado ao longo dos tempos.
O estado é o primeiro responsável, no sentido não só de sensibilizar para a não violência, como de prevenir a sua efetivação e punir os infratores. É igualmente o principal instrumento na mudança de práticas legais, administrativas e judiciais que dão possibilidade às mulheres de reivindicar os seus direitos. A negligência do estado em agir pode ser a causa de aumento de violência contra as mulheres; por outro lado, a sua intervenção ativa pode ser o catalisador na reforma das relações de poder na sociedade.
A sexualidade feminina é outra fonte de grande violência contra as mulheres.
Para a controlarem, os homens, que detêm, tradicionalmente, o poder, têm criado todo o tipo de disposições - legais, religiosas, na área da saúde ou pseudo científicas – que retiram às mulheres o direito ao gozo da sua sexualidade, e a tentam controlar, colocando-a ao serviço dos seus interesses, quer individuais quer da sociedade: mulher esposa, mulher mãe ou mulher prostituta.
A existência de ideologias, nomeadamente filosóficas e religiosas, que tentam justificar a posição subordinada das mulheres é outra causa de violência.
O que caracteriza e distingue este fenômeno de outros comportamentos violentos, é o fato de ser perpetrado majoritariamente por homens contra mulheres, homens esses que mantêm muitas vezes uma relação de grande proximidade com a agredida. Com efeito, a maior parte dos atos de violência cometidos contra as mulheres, são praticados no seio da família e quase sempre pelo marido ou companheiro da mulher.
Existem várias formas de violência não física, tantas quantas a imaginação humana consiga inventar para fazer mal a alguém que, em princípio, não se pode defender.
A violência não física aparece com, pelo menos, três objetivos: assustar, isolar e ofender.
- Na primeira forma (assustar) o agressor recorre de: ameaças (de morte, com armas de fogo e armas brancas, de futuras sevícias, de desaparecer com os filhos); de comportamentos violentos, que podem envolver destruição da propriedade doméstica (móveis, portas, louças, alimentos confeccionados) de bens próprios da mulher (roupa, documentos, recordações, livros);
- Na segunda forma (isolar) o agressor atua de forma a dificultar ou impedir a mulher de conviver com amiga (o)s ou familiares, de ter vida social, dentro e fora de casa, de ter emprego, estudar, sair de casa ou, até, de falar ao telefone.
Em alguns casos o agressor prende a mulher em casa durante períodos mais ou menos longos, não permitindo que ela saia ou comunique com o exterior, sob pena de exercer represálias. Com este isolamento, o agressor, esta exercendo a violência, e está igualmente a tentando que o seu comportamento não seja conhecido de terceiros, para não afetar a sua «imagem», ou para poder continuar a maltratar impunemente. Em determinados meios sociais, são freqüentes os maus tratos cessarem quando passam a ser do domínio público.
- Na terceira forma (ofender), que costumo chamar de violência moral, o agressor utiliza insultos e expressões obscenas e ofensivas dirigindo-se à mulher,impondo comportamentos que a ofendem, compara-a, de forma negativa, com outras mulheres (a aparência física, a competência profissional ou como dona de casa, a sexualidade, o trato em sociedade, a cultura geral), relata encontros sexuais (verdadeiros ou inventados) para humilhar e magoar a mulher.
· violência econômica esta designação é relativamente atual, apesar da sua prática ser antiga: o homem não contribui para a economia do lar ou contribui muito deficientemente, e/ou controla todo o dinheiro do agregado, mantendo escondidas e inacessíveis à mulher, as finanças do casal. A mulher tem que se sujeitar a pedir-lhe constantemente dinheiro, não dispondo de qualquer direito sobre os bens.
Em numerosos casos, a imagem pública do indivíduo que maltrata a família aparece como sendo a de um «cidadão exemplar», uma vez que o terror permanente em que os elementos da família vivem o receio de novas agressões e o isolamento a que são sujeitos os impede de denunciar a violência.
• violência sexual esta forma de violência integra elementos de violência física e não física. Para lá de constituir uma violação da integridade física da vítima, constitui igualmente uma violação da sua integridade moral. A violência sexual, incluindo a violação, existe também dentro do casamento, na união de fato e entre namorados.
A violência sexual pode consistir também na exploração sexual da mulher, obrigada a prostitui-se pelo marido, companheiro ou outra pessoa de família, mediante ameaças ou atos de violência física.
As deficiências de uma lei, comprovadamente inadequada, e as dificuldades de prova, são acrescidas quando a violência sexual se verifica na família, por parte do pai, outro familiar, marido ou companheiro, o que faz que este crime fique largamente impune.
As conseqüências negativas para a saúde física e mental das vítimas, são, por vezes, irreversíveis.
A violência contra as mulheres é um crime grave com conseqüências graves. Mais de metade da população feminina portuguesa experimentou a violência. Milhares de crianças vivem aterradas na sua própria casa, testemunhando ou sofrendo violência.
Apesar da existência de leis e planos oficiais para combater a violência contra as mulheres, esta continua a ser uma constante na vida das mulheres.
Muitas mulheres tem que bater a numerosas portas antes de conseguirem alguma ajuda - quando conseguem. A maneira como são encaminhadas ou apoiadas depende muitas vezes do local onde moram e das pessoas que conhecem: se em alguns locais conseguem obter ajuda ou informação, noutros estão totalmente desamparadas. Esta situação é inaceitável, porque, quando decidem pedir ajuda, quase sempre as mulheres já estão desesperadas.
As mulheres vítimas de violência têm direito a proteção rápida e adequada e a um sistema legal que as proteja e apóie.
A violência contra as mulheres tem que ser vista na perspectiva dos direitos humanos, da igualdade para homens e mulheres e da democracia. Nenhum estado se poderá considerar verdadeiramente democrático enquanto permitir, por ações ou omissões, que a violência, atual ou potencial, seja uma constante na vida das mulheres.
A negação da existência da violência doméstica contra as mulheres foi durante muito tempo à maneira de tratar o assunto.
Desde os tempos em que aos maridos era permitido maltratar, violar e mesmo matar as esposas, passando pelas diversas épocas em que a autorização para tais crimes foi sendo progressivamente limitada, até à época atual em que estes atos são punidos nos termos da lei penal, mulheres têm sido maltratadas por maridos e companheiros, em todos os quadrantes da sociedade. E, malgrado a lei, continuam a ser: espancadas, torturadas, permanentemente aleijadas ou mortas. Várias questões se levantam: porque violenta os homens a mulher que escolheram para partilhar a sua vida?
Porque permanecem as mulheres junto do seu carrasco? Porque se calam tantos dos que assistem, recusando-se a intervir contra um crime tão comum?
Este silêncio generalizado e denso que rodeia a violência doméstica faz-se sentir a diversos níveis: do indivíduo, da comunidade e das instituições.
A nível individual torna-se extremamente visível quando a vítima de violência pretende defender-se: não aparece ninguém disposto a ajudá-la, a servir de testemunha: ninguém viu, ninguém ouviu, ninguém fala.
É o silêncio social, de todos, amigos, familiares, vizinhos, que sabem, mas calam e com o seu silêncio consentem.
A outra vertente não é menos grave, e é simultaneamente causa e efeito do silêncio individual: é o silêncio da comunidade e das instituições.
A violência contra as mulheres tem uma história à qual é deliberadamente negada documentação.
Através das consultas a estatísticas, nomeadamente da justiça, fica-se na total ignorância da incidência de maus tratos a cônjuge ou companheira.
As vítimas pouco falam. Logo, é fácil e cômodo deduzir que o assunto não deve ter importância especial - o que está profundamente errado
E porque não falam as mulheres espancadas?
Apesar de algumas mudanças importantes operadas nos últimos anos, as mulheres são ainda frequentemente educadas com a idéia que o casamento é o seu destino natural: cuidar da casa, ter filhos, criá-los, cuidar do marido, ser mãe e esposa modelo são as suas “funções naturais”. E quando esta ficção idílica não acontece à mulher é levada a sentir que falhou que errou.
A violência de que é alvo é muitas vezes vista como culpa dela: algo fez para merecer, não cumpriu como devia. Em vez de ser vítima passa a ser acusada e culpabilizada. E a reação da mulher, como defesa, é calar-se; ela sabe que a sociedade a julgará e condenará não lhe perdoará ter “falhado”.
Para lá do estigma social, da vergonha, existem outros motivos que levam a calar as agressões:
a) O receio do agressor
Os homens são habitualmente mais fortes que as mulheres e não hesitam em brutalizá-las ainda mais para que não apresentem queixa ou para que retirem a que já interpuseram.
b) A dependência econômica
Os homens têm quase sempre maiores possibilidades materiais e sociais, numa sociedade fortemente marcada pela não igualdade de oportunidades. As mulheres ainda têm menos escolaridade ou formação profissional, têm empregos inferiores, ganham menos, além de que assumem muito mais que os homens, as responsabilidades na criação dos filhos. Assim, num confronto violento em que a sua normal reacção seria fugir, as mulheres constatam que não têm para onde ir nem dispõem de recursos que as ajudem a afastar-se e aos filhos pois raramente as mulheres deixam os filhos para trás. E, sem apoios e com leis que não funcionam, são frequentemente obrigadas a regressar para junto do agressor.
c) 0 alheamento dos que a rodeiam
Um dos grandes obstáculos na abordagem do problema da violência doméstica é a sua aceitação tácita, o esconder deste crime por parte dos que o observam.
Há sempre alguém que ativamente ou pela passiva indiferença, tenta correr uma cortina sobre o caso, escondê-lo do público, decidindo “não lavar roupa suja” – para usar uma expressão corrente - como forma de não ter que se envolver.
E se a vítima não consegue suscitar-nos que com ela convive de perto o impulso cívico de ajudá-la servindo de testemunhas, fica sem possibilidade de apresentar queixa, de procurar defesa e proteção legal.
E, nunca é demais repeti-lo, a impunidade do agressor é o melhor argumento que ele tem para continuar a violência.
d) O silêncio da comunidade e das instituições
«Ninguém faz nada». E, na realidade, a forma como o problema da violência doméstica é abordado, mostra tendencialmente não só uma certa indiferença no tratamento deste crime, como uma tentativa de silenciar a sua existência.
Pode dizer-se que, de uma maneira geral, as comunidades ignoram a extensão do problema, com todas as graves conseqüências que ele traz.
Os meios de comunicação social não se interessam ou usam o tema de forma sensacionalista; os serviços públicos que são colocados em contato com o problema. (como é o caso de hospitais, polícias e serviços de assistência social) têm limitados poderes para abordar publicamente o assunto e, por vezes, não fazem uso do pouco que tem.
Os hospitais por onde passam mulheres espancadas, não dispõem de estruturas que permitam a identificação e encaminhamento destes casos;
No que respeita às polícias, o seu âmbito de intervenção está tão limitado que nem sempre é eficaz.
Os tribunais, extremamente morosos, não oferecem a ajuda rápida de que a vítima precisa e quase nunca fazem justiça. As disposições legais nesta área ou são inadequadas, ou são ineficazes ou, simplesmente, não são aplicadas.
Os meios de comunicação social são um elo importante que une as centenas de mulheres que os vêem, escutam ou lêem e que estão demasiado assustadas para procurar ajuda. Pode prestar um tremendo serviço público difundido informação correta, sensibilizando a opinião pública e encorajando as mulheres maltratadas a procurar ajuda, a divulgar o seu problema, a sair do seu isolamento sem sentir vergonha ou culpa.
Perante este esmagador silêncio do indivíduo, da comunidade, das instituições – este total alheamento, este conformismo egoísta, é de espantar que as mulheres se fechem sobre o seu sofrimento?
Que ajuda podem esperar? Que apoios para poderem mudar a sua vida e dos seus filhos?
A falta de alternativas leva-as muitas vezes, em desespero de causa, a auto convencerem- se que o problema não é assim tão mau, que devem é esforçar-se e agüentar - tudo isto servindo apenas para manter uma situação violenta que, sendo,na aparência, consentida pela vítima, passa a ser tolerada pela comunidade e ignorada pelas instituições.
Através deste pequeno roteiro de silêncios, consegue-se perceber que existe uma cadeia de causa efeito entre os diversos elos: as mulheres não tornam pública a violência de que são alvo, porque não existem apoios que as ajudem a sair da situação violenta; as instituições não criam apoios porque o problema, sendo escondido e calado, é desvalorizado e torna-se oficialmente como que não-existente; a comunidade perante uma vítima que não fala e um conjunto de instituições que não age, fecha-se num silêncio, que não direi indiferente, mas meramente egoísta e não cooperativo. E a mulher agredida, que observa toda esta conspiração de silêncio deliberado, sente-se muito justificadamente só, sem ajuda e continua calada.
Esta negação, este silêncio e aceitação do fato não são uma forma de transmitir às crianças a violência como um valor aceitável? Como uma forma aceitável de resolução de conflitos? Elas, não só, vêem este crime passar impune nos seus lares, como tomam o silêncio geral como forma de aprovação e autorização para repetir e perpetuar.
Que preço estamos todos pagando com o nosso silêncio?
E que preço continuaremos a pagar quando os filhos e filhas de agressores e agredidas forem repetir os padrões de vida familiar que lhes foram ensinados, sem alternativas, na infância e juventude?
As marcas são os hematomas; ou braços e narizes quebrados. São marcas na alma, um sentimento de medo da vida, de uma eterna prisão, um total convencimento de seu próprio sentimento eterno de desvalia.
As coisas começam de forma inocente. O ciúme durante o namoro, que até nos deixa orgulhosas, porque achamos que ele está cuidando de nosso bem estar. E se preocupando com o nosso bem estar. Algumas de nós percebemos o exato momento em que o príncipe vira sapo. E muitas de nós conseguem correr do sapo, mas outras entre nós sentimos mal, mas não conseguimos enxergar que somos vitimas de um abusador emocional, que estamos presas em uma teia de abusos emocionais, que vai destruir todos os nossos sonhos de uma família, vai destruir nossos filhos e até nossa capacidade de ação e reação.
Para nós fica sempre o sentimento de que nunca conseguimos atender a exigência do nosso companheiro. E quando achamos que conseguimos, já existem tantas demandas impossíveis de ser viabilizadas, e uma lista infinita de defeitos e erros nossos que só nos resta tentar não fazer mais uma vez a coisa errada, o que inevitavelmente faremos. É uma tensão constante um pisar em ovos, um viver dentro de uma panela de pressão, temos que ficar escolhendo as palavras e nem isso muitas vezes ajuda muito.
Incidentes insignificantes tornam se motivos de berros, de criticas demolidoras, de xingamentos que nos lembre o quanto insignificantes e inúteis nós somos. Sentimos que somos pouco desejáveis, temos medo até da educação que damos aos nossos filhos. Porque muitas vezes somos humilhadas diante deles.
Uma das “estratégias” usadas é a negação total de contato físico, verbal, e sexual. As formas de abuso emocional podem variar em algumas nuances de acordo com a cultura e classe social do abusador, mas em síntese é tudo a mesma coisa, destrói a nossa auto-estima, destrói a nossa vida.
Mas quem é o abusador emocional? Quem é esse monstro que mora em nossa casa, que dorme ao nosso lado. Quem é esse monstro de duas faces, que na sociedade aparenta ser um bom pai, cheio de virtudes, um homem correto, e na intimidade do lar é esse monstro? Porque essa perversidade com os que lhes são tão íntimos? Os que talvez o ame?
Esse é um homem inseguro, que talvez tenha sofrido violência em sua infância, dentro da sua família ou na sociedade. Inseguros do seu desempenho sexual, que através da humilhação a suas companheiras, eles acham que vão afastar a criança assustada e impotente que existe dentro deles.
A masculinidade é definida muito em função de do domínio e controle sobre os outros. Alivia o estresse e proporciona uma sensação boa, ao abusador. Não importa a um monstro desses que nós nos sintamos culpadas, e inadequadas depois de sofrermos tal abuso.
O abusador tem dificuldades em lidar com o conflito (frustração, medo, perda) Prefere expressar suas frustrações através da raiva. Costuma apresentar uma enorme dependência da vitima, auto-piedade, e não se sente culpado de suas ações. Ao contrario vê a se mesmo como uma vitima, acha que são as outras pessoas que o provocam para agir como age.
Considera-se superior as mulheres. Por ser inseguro tem uma grande necessidade de exercer controle sobre o ambiente e as pessoas que convive, por isso sempre são sedutores de caráter. Percebem que a violência efetivamente funciona, e por isso a mantém.
Impulsivo e com pré disposição para comportamentos compulsivos. Projeta na mulher sentimentos de hostilidade em relação á figura feminina, como uma forma de compensação por sua impotência.
E por que não vamos embora?
São vários os motivos:
Trata-se deu um ciclo, de uma dança mórbida, jogos inconscientes que se compensam. Dificilmente conseguimos sair sozinhas desse jogo doentio. Quando rompemos sem estarmos conscientes, do jogo, tendemos a recolocar alguém no lugar.
Para rompermos com um circulo de abusos, emocionais ou físicos, precisamos de uma rede de apoio poderosa. Porque os abusos surtem efeitos e nos mutilam a capacidade de ação.
Nossos filhos são armas poderosas, assim como sanções financeiras, perda do padrão econômico, medo da censura social e familiar, por romper com alguém que é um “bom marido”, aos olhos de todos. A co-dependencia se confunde com afeto.
E por isso precisamos de uma rede poderosa para rompermos com os abusos. Precisamos de apoio jurídico, psicológico, de uma infra-estrutura que nos garanta a nossa integridade física e moral. E a dos nossos filhos. Precisamos de coragem, e de uma estratégia de ação. Mas antes de tudo precisamos entender que não somos culpadas – que não “fizemos por merecer” como parece crer o nosso companheiro. Precisamos acreditar em outras formas de existir mais saudáveis, e voltarmos a sonhar e a acreditar-me um futuro sem violência, sem coação. Precisamos ouvir nossa própria voz.
A sensação que me da e que vc esta falando comigo, mas infelizmente a maioria das mulheres vivem nesta situação. Denunciar realmente já o fiz,eu queria realmente era me livrar deste sofrimento, queria poder acordar sem sentir dor,medo nojo angustia...
Poderia sim haver uma solução para a violência, já pensei em matar meu marido antes que ele me mate, hoje estou num cárcere sinto que não tenho mais forças para lutar.queria que alguém chegasse ate mim e dissesse vim te ajudar vamos comigo.Não posso denunciar novamente, queria fugir para longe dele somente para seguir vivendo só isso.
ate conseguir a liberdade viverei assim violentada e agredida todo o tempo, ate morrer...
não consigo mais me defender..
Este é um comentário que foi postado aqui no blog, hoje.
Amiga não é a maioria das mulheres que vivem essa situação. Existe outra forma de se ter uma relação baseada no respeito, no amor, na amizade e na cumplicidade.
Sei e como sei que quando se esta em uma situação dessas, tudo parece negro, não conseguimos ver a luz que dizem existir no fim do túnel. Mas ela existe, e está ai, é você que tem que mudar o foco para vê-la.
Vou fazer uma brincadeirinha bem seria: Pare de desejar a morte desse monstro, quanto mais se deseja que eles morram mais saudáveis e cruéis eles ficam...
Existe uma solução para a violência, só não sei se vai te agradar nesse momento. A solução é você parar de ter pena de si mesma, parar de achar que é uma pobre vitima da situação, e reagir, não com violência, mais com atitudes.
O maior medo de uma vitima de violência além do de ser espancada, é o medo de não ter o suficiente para a subsistência dela e dos filhos. Advogados existem para isso minha amiga. Para garantir nossos direitos perante a sociedade.
Na fase que parece que você está não é fácil sair, é complicado, mesmo porque o agressor, se cerca de todo o apoio possível da sociedade em que está inserido, como forma de precaução para não ser “pego”
A primeira coisa que eles fazem, normalmente é que a vitima se passe por uma pessoa mentalmente doente. Alguém que não está em seu juízo perfeito. Isso é quase praxe, entre os agressores contumazes. O que não deixa de ter um fundo de verdade, alguém em situação de risco não esta em seu juízo perfeito, nem poderia. Tem um monstro querendo matá-la e ele está fazendo isso da forma mais cruel que existe, aos poucos diariamente.
Ai começa o inferno: Porque toda a sociedade olha para você com desconfiança, e você esta com auto estima tão abalada que realmente parece louca. O ódio que aflora de uma situação dessas nos deixa realmente loucas, avariadas, sem nenhuma noção do que fazer, em que se apegar.
Matá-lo só irá servir para colocá-lo em um pedestal maior ainda perante a sociedade, não é isso que te interessa. Ou que interessa a qualquer mulher que esta sendo vitima desse tipo de violência. O que nos interessa é a justiça, a verdade. E que sejamos ouvidas e que nos dêem credito de ao menos se investigar o que estamos dizendo. Que nos devolvam nossa dignidade, nosso direito de sermos ouvidas, quanto seres humanos que somos não somos nós as rés, somos as vitimas, então é claro que somos nós que precisamos de apoio, de ajuda, de conforto.
Normalmente não é o que acontece.
Não sei como é sua situação nem financeira, nem social, mas te aconselho a procurar um conselho da mulher. A pensar seriamente em um psicólogo, não que você esteja louca, alias psicólogos não é para loucos. Mas fazer terapia, com toda a certeza ira aumentar e muito sua auto-estima, falar do seu problema, e saber que quem esta te ouvindo não vai te julgar, ira fazer com você veja a situação de outra forma, por outro ângulo, e isso com certeza te levaram a uma saída.
Estou te aconselhando em base do que eu fiz. Não tenho hoje outros parâmetros que não as minhas experiências para te aconselhar, minha amiga.
Sei e com sei o que você está passando. Sei que é desesperador ninguém nos ouvir, ninguém nos amparar. Porque foi assim que me senti nos momentos mais loucos da minha vida.
Fui espancada e humilhada nas minhas três gravidezes, é não podia contar para ninguém, mesmo porque ninguém acreditaria. Tão bom era o monstro em dissimular.
Todo agressor, é um manipulador social, eu ainda me lembro de ouvir aquele monstro, falando para os outros: como uma mulher fica sensível na gravidez.
Em como uma mulher deve ser tratada na gravidez.
Quando meu filho caçula nasceu, eu fiz uma cesariana, ele foi me buscar no hospital, três dias depois do parto. Deixou-me em casa, sem açúcar para adoçar a mamadeira do meu outro filho, sem óleo para fazer uma comida, e foi para Cuiabá (era época de carnaval) e ele foi com um casal de amigos dele se divertir. Não deixou nem um centavo. Voltou dez dias depois, porque a amiga dele havia sofrido um acidente, e não podia tomar sol no braço.
Eu imagino de que tipo de pessoa é essa amiga, ela sabia que eu havia acabado de dar a luz, ela sabia que não tinha ninguém comigo, e mesmo assim não fez nada. Ou melhor, fez, o convidou para irem se divertir.
Não é que as pessoas não sabem a verdade, mais elas preferem agir como se não soubessem, é mais cômodo, mais fácil. E por isso que só a denuncia acaba com uma situação dessas.
Não é que as pessoas não estão vendo o seu sofrimento, elas vêem sim, mais isso as incomoda de uma forma tal, que é melhor fazer de conta que não é verdade. Porque para assumir que é verdade, temos que ter a coragem para olhar, e isso mexe de uma forma absurda com nossa consciência, com o nosso EU, então fica mais fácil brincar de “faz de conta que ta tudo bem.”
E assim passamos a ser excluídas, porque nós somos o que eles não querem ver neles mesmos. Passamos a ser incômodos, a ser um peso para o grupo que freqüentamos.
Nossa sociedade vive muito de faz de conta. As pessoas acham que se fazer de conta o problema vai passar.
Não passa, ele só se agrava! Sinto informar. Sinto informar, também que o fato de fazerem de conta que uma mulher e seus filhos estão vivendo uma situação de risco, não vai de forma alguma melhorar a situação.
Minha situação e dos meus filhos nunca foi melhorada porque pessoas da sociedade, sempre preferiram fazer de conta que estava tudo bem, fingir que o amigo deles, o puxa saco, era um pai amoroso, e eu uma louca, isso nunca trouxe comida para nossa mesa, isso nunca nos trouxe nem uma cadeira para sentarmos, isso nunca nos trouxe uma casa decente para morar, isso nunca nos trouxe dignidade para se viver com um mínimo de decência.
Isso nos trouxe a mim um filho morto, e aos meus filhos a perda de um irmão. Perdas são irreparáveis, por mais que os monstros digam que não são nada, a perda de um filho de um irmão não tem reparação. Não adianta dizer que isso vai passar, não vai, é uma situação absurda, e um absurdo sem graça. Não existe graça em uma criança de dezesseis anos que estava sendo induzida a trabalhar e assumir a responsabilidade do sustento de uma casa, de uma família para que um monstro pudesse ter mais dinheiro para se divertir.
Essa sociedade tem sim consciência do que esta acontecendo com seus membros. Os grandes amigos do pai do meu filho, aqueles inseparáveis, não tiveram nem a coragem de vir nos dar os pêsames. É consciência existe sim, Graças a Deus. Levaram o “grande amigo” para espairecer na praia. Seu filho morre de uma forma absurda e uma semana depois você vai curtir uma praia com seus amigos. Não consigo entender.
Fingir que um problema desses não está acontecendo é leviano, e estúpido, e de uma maldade sem tamanho.
E por isso que é tão difícil parar a agressão, porque a sociedade, nossos políticos ainda não se conscientizaram de verdade da gravidade da situação. Discurso não resolve o que resolve é começar a denunciar. E começar primeiro no circulo em que se vive é obvio, quando um político aceita que uma pessoa faça parte de seu circulo de amizades próximo,bem próximo, mesmo tendo consciência de que essa pessoa faz tudo o que foi dito acima, e faz com sua total conivência e até incentivo, o que nos resta fazer? Rezar?
Eu atualmente estou fazendo cada dia mais do que rezar. Estou denunciando. Já disse e volto a repetir: Meu medo está enterrado desde o dia 11 de janeiro de 2009. Parar-me agora só tem um jeito, e eu quero ver, quem terá coragem.
Fique na luz e na paz.
Fátima Jacinto
Uma Mulher.