Quinta-feira, 08.04.10

Um profundo silêncio, ouvidos que se fecham e olhos que não querem ver rodeiam as milhares de violências cotidianas contra a mulher. A relação entre mulher e violência, na história e contexto atual, é um tema que a sociedade e a mídia quiseram aplacar de muitas maneiras. Ante sua presença se desvia o olhar, não só porque nos devolve uma imagem pouco comercial da mulher, senão porque nos interpela com crueza sobre as bases morais e éticas de nossa cultura. A compreensão de tudo o que impulsiona milhares de casos de violência contra a mulher, implica também o entendimento de traços centrais de nossa cultura.

Quando reconhecemos que o incesto é uma prática estendida, compreendemos que os casos de violência contra a mulher atravessam e marcam profundamente nossa cultura. Esta realidade é brutal, não só no corpo de milhares de meninas e adolescentes violentadas por seus pais, familiares, vizinhos ou estranhos; mas também vendidas, escravizadas sexualmente, maltratadas por seus maridos, assassinadas na rua, empobrecidas até a indignidade. A análise da relação entre mulher e violência deve levar-nos a olhar, desde os estilhaços na pele até a dor da alma ou o dano psicológico; passando pela mentira social e pelo silêncio forçado.
Num país onde a violência é constante nas ruas das cidades e no campo; na televisão, nos jornais e na linguagem; na qual identificam-se múltiplas formas que são estudadas e registradas pelos especialistas de várias disciplinas, escapa com freqüência uma forma de violência, não menos regular e daninha do que as demais. Ela está tão afiançada nos imaginários coletivos que a muitos lhes custa identificá-la, denunciá-la ou recusá-la: A violência contra as mulheres. Este silêncio é violência; a psicanálise mostra claramente que o não dito, é justamente o que gera o trauma em toda sua extensão. Se a palavra é curativa, como efetivamente é o silêncio é daninho. Se por meio da palavra somos mais humanos, designar então as violências contra a mulher hoje, é um passo adiante na visualização e construção de uma cultura na qual a violência e a força não sejam o "método" para resolver os conflitos. E não só os violentólogos e os políticos calam estes fatos senão que, em geral, as autoridades ignoram e não atendem as lesões e as seqüelas médicas e psicológicas geradas por esta violência.
A lei do silêncio não só rege entre a máfia ou nos povos e bairros inundados pela desconfiança; as mulheres sobreviventes da violência sexual enfrentam uma segunda e extenuante batalha, desta vez no seio de suas famílias e comunidades, que com freqüência culpam-nas e isolam-nas. Para muitas, sobreviver à violência sexual significa viver para não contá-la. Com freqüência se vêem forçadas a sair de suas comunidades, sem afastarem de suas vidas o medo a sofrer novos abusos. 
O violento silêncio que transmitem estas experiências tentamos preenchê-lo.
Como testemunhas em primeira mão do sofrimento de milhares de mulheres por causa da violência que persiste sob muitas formas, aspiramos a uma paz sustentável. O pensamento feminista, a partir da compreensão da interdependência entre as violências particulares e públicas, constrói uma conexão com o pacifismo, visto que, para nós, a guerra é a expressão maior do patriarcado, com sua expressão associada que é o autoritarismo de qualquer tipo. O feminismo e o pacifismo retomam isto para dar a conhecer o horror que implica o exercício da violência para eliminar as diferenças, para instaurar a intolerância.
Para a busca da paz, pensamos que às vezes, obvia-se o reconhecimento da condição conflitiva dos indivíduos e das sociedades e o que se tenta é gerar, em todos os casos, condições para um trâmite pacífico de qualquer conflito. Ademais, às vezes a busca da paz parece reduzida a um pacto entre atores mais do que um repensar no conjunto da sociedade. Em nossa postura contra essa guerra estão implicadas dimensões que têm a ver com as transformações das relações intersubjetivas, o que é uma condição da coabitação em qualquer circunstância.
Para nós a memória é fundamental para que a reconciliação seja vista como uma possibilidade real, principalmente, considerando a necessidade que temos de construir um futuro comum.
LÁGRIMAS OCULTAS

Se me ponho a cismar em outras eras
Em que ri e cantei, em que era querida,
Parece-me que foi noutras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida ...
E a minha triste boca dolorida,
Que dantes tinha o rir das primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!
E fico, pensativa, olhando o vago ...
Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim ...
E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!
Florbela Espanca



publicado por araretamaumamulher às 13:03 | link do post | comentar | favorito

Sexta-feira, 12.03.10






E eu fico me perguntando: até que ponto perdoar e esquecer é uma alternativa possível?
Hannah Arendt – teórica política judia perseguida pelo nazismo – fala da diferença entre perdoar e compreender. Para ela, perdoar é fazer o impossível: é praticamente desfazer o que foi feito, mas sem eliminar a consciência de que aquilo de fato ocorreu. Já compreender é entender que tal atitude é válida, dadas as circunstâncias. Assim, ela mesma dizia perdoar o nazismo, mas nunca compreendê-lo, pois compreender tamanha atrocidade seria reconhecer o mundo onde o nazismo existe como aceitável.
Tanto compreender quanto perdoar são ferramentas de crescimento e evolução pessoal, espiritual, filosófica, transcendental (escolha aí o nome que mais lhe apetece), desde que sejam puxadas do nosso “cinto de utilidades” na hora certa.
Perdoar não é fácil. Ou melhor! Perdoar não é difícil! Difícil é chegar a esse estado de espírito que permite o perdão. Uma vez que se chegue lá, é muito natural e faz mais bem a quem perdoa do que a quem é perdoado. Alivia os pesos da alma, retira de nós uma bagagem que em nada nos seria útil. E perdoar não é esquecer, porque quando perdoamos, a lembrança continua conosco como aprendizado, mas não como mágoa.
Compreender é exercer a empatia no seu grau mais elevado e ir além: é estar disposto a sair da zona de conforto e mudar o “ponto de observação”. É calçar os sapatos do outro percebendo suas motivações e suas angústias. É ganhar uma nova perspectiva – algo que só nos enriquece, mas que demanda um esforço que quase ninguém está de fato disposto a fazer.
De qualquer forma, vejo tantas mulheres se esforçando para compreender e perdoar toda sorte de atitudes vindas do amado da vez… Mas, a mesma mulher, capaz de tamanha compaixão, não perde muito tempo tentando compreender uma amiga, uma pessoa da família ou um colega de trabalho que pisou na bola.
Mas o único risco que corremos ao fazer o esforço de TENTAR compreender um amigo é o de abandonarmos um monte de bobagens que julgávamos imprescindíveis.
.
As relações familiares, em sua grande maioria, têm origem em um elo de afetividade. Surgem de um enlaçamento amoroso. A essa realidade evidente por si só cabe questionar, afinal, por que as relações afetivas migram para a violência em números tão chocantes e surpreendentes? O mais intrigante é que nem sempre é por necessidade de sustento ou por não terem condições de prover sozinhas a própria existência que as mulheres se submetem, calam e não denunciam as agressões de que são vítimas.










Por que as mulheres sofrem em silêncio? Medo, vergonha, temor da incompreensão, sentimento de incapacidade, de impotência, tolerância à submissão, desrespeito a si próprias? Mas essas são as causas da violência ou são os motivos do silêncio?

O desejo do agressor é submeter a mulher à vontade própria, é dominar a vítima, daí a necessidade de controlá-la. Para isso, busca destruir sua auto-estima. As críticas constantes fazem ela acreditar que tudo que faz é errado, de nada entende, não sabe se vestir nem se comportar socialmente. É induzida a acreditar que não sabe administrar a casa nem cuidar dos filhos. A alegação de não ter um bom desempenho sexual leva ao afastamento da intimidade e à ameaça de abandono.

O silêncio passa à indiferença e às reclamações, reprimendas, reprovações. Depois vêm os castigos, as punições. Os gritos transformam-se em empurrões, tapas, socos, pontapés, num crescer sem fim. As agressões não se cingem à pessoa da vítima. O varão destrói seus objetos de estimação, a envergonha em público, a humilha diante dos filhos. Sabe que eles são o seu ponto fraco e os usa como massa de manobra, ameaçando maltratá-los.

Para dominar a mulher, procura isolá-la do mundo exterior, afastando-a da família. Proíbe as amizades, denigre a imagem dos amigos. No entanto, socialmente, o agressor é agradável, encantador. Em público se mostra um belo companheiro, a não permitir que alguma referência a atitudes agressivas mereça credibilidade.

Muitas vezes impede a esposa ou companheira de trabalhar, levando-a a se afastar de pessoas junto às quais poderia buscar apoio. Subtrai a possibilidade de ela ter contato com a sanidade e buscar ajuda. O medo da solidão a faz dependente e sua segurança resta abalada. A mulher não resiste e se torna prisioneira da vontade do par, o que gera uma situação propícia a uma verdadeira lavagem cerebral, campo fértil para o surgimento do abuso psicológico.

Assim, facilmente a vítima encontra explicações, justificativas para o comportamento do parceiro. Acredita que é uma fase, que vai passar, que ele anda estressado, trabalhando muito, com pouco dinheiro. Procura agradá-lo, ser mais compreensiva, boa parceira. Para evitar problemas, afasta-se dos amigos, submete-se à vontade do agressor, só usa as roupas que ele gosta, deixa de se maquiar para não desagradá-lo. Está constantemente assustada, pois não sabe quando será a próxima explosão, e tenta não fazer nada errado. Fica insegura e, para não zangar o companheiro, começa a perguntar a ele o que e como fazer, torna-se sua dependente. Anula a si própria, seus desejos, sonhos de realização pessoal, objetivos próprios.

O agressor sempre atribui a culpa à mulher, tenta justificar seu descontrole na conduta dela, suas exigências constantes de dinheiro, seu desleixo para com a casa e os filhos. Alega que foi ela quem começou, pois não faz nada certo, não faz o que ele manda. Ela acaba reconhecendo que ele tem razão, que em parte a culpa é sua. Assim o perdoa. Para evitar nova agressão, recua, deixando mais espaço para a agressão.



Nesse momento a mulher vira um alvo fácil. A angústia do fracasso passa a ser seu cotidiano, questiona o que fez de errado, sem se dar conta de que para o agressor não existe nada certo. Não há como satisfazer o que nada mais é do que desejo de dominação, de mando, fruto de um comportamento controlador.

Depois... vem o arrependimento, pedidos de perdão, choro, flores, promessas. A vítima acredita que ele vai mudar e se sente protegida, amada, querida. As cenas de ciúmes são recebidas como prova de amor, e ela fica lisonjeada.

Tudo fica bom até a próxima cobrança, ameaça, grito, tapa...

Forma-se um ciclo em espiral ascendente que não tem mais limite.

O homem não odeia a mulher, ele odeia a si mesmo. Muitas vezes ele foi vítima de abuso ou agressão e tem medo, precisa ter o controle da situação para se sentir seguro. A forma de se compensar é agredir.

A sociedade protege a agressividade masculina, constrói a imagem da superioridade do homem. Afetividade e sensibilidade não são expressões da masculinidade. O homem é retratado pela virilidade. Desde o nascimento, é encorajado a ser forte, não chorar, não levar desaforo para casa, não ser “maricas”. Os homens precisam ser super-homens, não lhes é permitido ser apenas humanos.

A idéia da família como uma entidade inviolável, protegida da interferência até da Justiça, faz com que a violência se torne invisível.

A violência é protegida pelo segredo; agressor e agredida fazem um pacto de silêncio, que o livra da punição. Estabelece-se um verdadeiro ciclo, a mulher não se sente vítima, o que faz desaparecer a figura do agressor. Mas o silêncio não gera nenhuma barreira. A falta de um limite faz com que a violência se exacerbe. O homem testa seus limites de dominação. Quando a agressão não gera reação, aumenta a agressividade. O agressor, para conseguir dominar, para manter a submissão, exacerba na agressão.

A ferida sara, os ossos quebrados se recuperam, o sangue seca, mas a perda da autoconfiança, a visão pessimista, a depressão, essas são feridas que não curam.

Por isso, é preciso romper o pacto de silêncio, não aceitar sequer um grito, denunciar a primeira agressão. É a única forma de estancar o ciclo da violência da qual a mulher é a grande vítima.

PS: Prestando um serviço de utilidade pública, vale dizer que em 85% dos casos, só o fato de o agressor ser denunciado e chamado pela polícia a se explicar, já é o bastante para que não volte a agredir. Portanto, no tocante a violência doméstica, perdoar e compreender depende de cada caso. DENUNCIAR É IMPERATIVO A TODOS ELES


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publicado por araretamaumamulher às 05:36 | link do post | comentar | ver comentários (4) | favorito

Sexta-feira, 05.03.10
  *Lindinalva Rodrigues Corrêa
"No fundo, sabemos que o outro lado de todo o medo é a liberdade." 
                         
A violência contra as mulheres é uma chaga aberta a devorar a dignidade das pessoas em todas as partes do mundo, que as submetem a atrocidades simplesmente por serem mulheres, que por tal condição são espancadas, violentadas, ameaçadas, ofendidas, casadas contra a vontade, assassinadas, enfim, têm seus direitos reiteradamente violados por uma sociedade que ainda não lhes faculta o direito de se conduzirem de acordo com a própria pretensão. Pelo menos uma em cada três mulheres no mundo, irá sofrer um ato de violência, durante a sua vida, capaz de extirpar sua auto-estima, instituir insegurança, medo e ansiedade, anular sua capacidade criativa e extinguir seu entusiasmo pela vida, a ponto de lhe faltar coragem e força para sozinha, escapar da “gaiola dourada” que geralmente a aprisiona (o lar).
  Atrás de portas fechadas e em segredo, as mulheres ainda estão sujeitas a violências terríveis e até bem pouco tempo, estavam excessivamente envergonhadas e receosas de denunciarem seus algozes e expor suas agruras, pois o preceito criminal então vigente não as levava a sério, sendo inegável que os Juizados Especiais Criminais, ao tratarem tão grave problema como “infração de menor potencial ofensivo”, desconsideravam a origem e a extensão das ocorrências, minimizavam a importância da reincidência e induziam a mulher a não representar contra o agressor, contribuindo sobremaneira para a “invisibilidade” dos casos, num sistema que olhava para as vítimas, mas não as “viam”, ignorando sua dor e pedido de socorro, tal como igualmente não orientavam nem puniam os ofensores, simplesmente devolviam o “problema” para ser solucionado no âmbito familiar, concedendo ainda mais poder ao agressor, que acobertado pela impunidade, evoluía em periculosidade.
 Jamais se ocuparam os Juizados Especiais Criminais da defesa das mulheres enquanto sujeitos de direitos, pelo contrário, agiam seus operadores como “guardiões” da família, estatuindo a nefasta tese de resgate da “harmonia familiar”, a qualquer preço, onde, equivocadamente, as mulheres eram oferecidas em sacrifício, pois neste sistema despreparado e cego, só a elas coube o peso muitas vezes insustentável de “salvar a relação”, embora, em muitos casos, nada de altruísta e saudável existia para ser “salvo”, já que os contendores se encontram enclausurados em relacionamentos insatisfatórios, nos quais a mulher estava sujeita a atitudes predatórias e destrutivas e se viam estimuladas a prosseguir próximas demais do perigo, curvando-se “gentilmente” diante da autoridade e do medo.
  Fechando os olhos para a triste realidade da violência de gênero, o Poder Judiciário continuou privatizando as demandas para lhe poupar trabalho, pois tinha assuntos muito mais “importantes” para tratar, enquanto as mulheres continuaram a ser agredidas, sem que fossem sequer reconhecidas como vítimas, vez que foram transformadas apenas em esposas ou companheiras, enquanto o agressor passava a ser tão somente o marido ou companheiro, jamais o réu, afinal, não eram considerados “criminosos”, por serem trabalhadores e “pais de famílias”, que por manterem boa reputação fora de casa, não poderiam se transformar em transgressores dentro dela. Ledo engano!
 Ao serem ouvidas, as mulheres começaram a falar, e quanto mais a ouviam, mais elas falavam e foram surgindo de todos os lados, rompendo o silêncio e a vergonha, logo se apoderando das medidas de proteção que doravante fariam jus, meio sem acreditar nesta nova e bem vinda fase de valorização das vítimas pelos Agentes Públicos e Políticos, que por fim as viam como sujeitos de direitos, direitos que agora, quem diria... seriam considerados humanos,direitos humanos das vítimas, direitos humanos das mulheres. 
 A LMP concedeu às mulheres que dela necessitam a concretização de um sistema que as protejam, efetivado por pessoas que reconhecem suas mazelas e assumem que seus problemas não são “pessoais”, mas crimes e contravenções há tempos tutelados pelo Direito Penal, que não os reconheciam como fato típico e antijurídico, passível de reprimenda, simplesmente porque as vítimas eram mulheres, e a violência contra mulheres sempre foi algo tão naturalizado e presente, que seria melhor que se conformassem com ela, seria sua “sina”, o triste legado de todas as mulheres, que segundo o magnífico poeta teriam “sido feitas para amar e para ser só perdão”. 
 O ciúme (decorrente do fato do homem ainda se sentir “dono” da mulher e não se conformar com o rompimento da relação) é, sem dúvida, o grande mote desencadeador do maior número de casos mais graves, sendo que 99% dos crimes de homicídio consumado são motivados pelo ciúme injustificado do réu, não tendo qualquer relação com a ingestão de álcool ou drogas, asseverando que tais delitos sempre são cometidos com bárbaros requintes de crueldade, atingindo severamente ou desfigurando completamente o rosto da mulher, que via de regra é atacada de forma inesperada, quando se encontra plenamente indefesa, geralmente no interior de sua própria residência e não raro na presença atroz dos seus filhos. Felizmente informamos que todos os homicidas que praticaram homicídios após a entrada em vigor da LMP na comarca estão presos ou foragidos (com prisão preventiva decretada) e que nunca houve nenhuma absolvição em tais casos pelo Tribunal do Júri, onde os réus são condenados a penas expressivas, cumpridas inicialmente em regime fechado, o que é o mínimo que pode ser feito diante da brutalidade dos delitos praticados, já que, infelizmente, não podemos evitar tais atrocidades. 
 Chama à atenção nestas Varas Especializadas o grande número de vítimas e agressores de classe social abastada, envolvendo pessoas com curso superior completo, são médicos, advogados, odontólogos, empresários, servidores públicos, professores universitários e outros, figurando como vítimas ou agressores, revelando que a violência doméstica está longe de ser um problema social, necessariamente vinculado à falta de recursos ou informações, mas sim cultural advindo das diferenciações de gênero. Em tais casos, a resistência dos agressores em aceitar as imposições legais são bem maiores, pois via de regra não aceitam a idéia de serem apenados e, diferente dos mais humildes, inadmitem as práticas abusivas e colocam na vítima a “culpa” de todo o seu destempero, sendo absolutamente apegados aos bens patrimoniais adquiridos durante a relação ou obcecados pela mulher que resolve por fim à relação, fazendo da força e do poder econômico, também um instrumento de controle.  
 Dizer que a intervenção do Poder Judiciário, com uma firme atuação por meio de processo criminal atrapalharia a relação familiar é uma falácia, pois nossa experiência demonstra que as mulheres não querem apenas que a violência termine, elas anseiam desesperadamente por JUSTIÇA e diante da selvajaria que lhes fora praticada, falam abertamente que denunciaram seus agressores para vê-los processados, a fim de que aprendam a respeitá-las, reafirmando o que disseram perante a autoridade policial em juízo e desmentindo as versões fantasiosas apresentadas pelos companheiros, ainda que tenham com eles se reconciliado.  
 Na maioria dos casos o homem, principalmente após passar alguns dias segregado, tende a ficar mais calmo, passa a respeitar mais a companheira, pensa muitas vezes antes de agredi-la novamente e geralmente não o faz, razão pela qual os índices de reincidência são pequenos, ocorrendo somente nos casos de agressores dependentes químicos (que agridem geralmente a genitora), não sendo verídica a informação de que as mulheres não querem que seus agressores sejam presos, pois, se tal assertiva fosse verdadeira, elas não os denunciariam, já que, sobretudo em Cuiabá, onde a lei é efetivamente cumprida, a possibilidade de prisão é imensa e o número estarrecedor de denúncias recebidas diariamente demonstra que elas exigem a presença Estatal em suas relações intimas de afeto. 
 É necessário que se ressalte que a LMP, ao criar mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, antes de tudo, ressalta o valor da própria família, do núcleo familiar saudável, sob pena de se admitir abusos intoleráveis e ignorar-se que um ambiente familiar malévolo arrasa toda a geração que nele habita. Portando, não estamos diante de mais uma lei, pois constitui um marco inigualável na luta por igualdade de gênero, assinalando o início de uma nova fase na vida de todas as mulheres, conclamando que elas não precisam mais de adequar a um sistema inumano e discriminatório, que têm direito de se rebelarem, falando abertamente de suas agruras e sentimentos, rompendo com relações indesejadas, ainda que muito as assombre o “fantasma” da SOLIDÃO, que as levam a relações destrutivas, por acreditarem serem as únicas pessoas capazes de ajudar os companheiros a superarem os “problemas” que os levam a bater nelas, nessa complexa trama do relacionamento conjugal, que comporta sentimentos ambíguos de amor e ódio, com todas as contradições próprias dos seres humanos, sendo certo que ao ser exposto a um ambiente violento, aprende-se equivocadamente que esse é o caminho para resolução dos conflitos, aumentando-se a tolerância à violência. 
Há muitas gerações, as mulheres vêm aceitando a idéia de que necessitam de um homem para legitimá-las como seres humanos. Na busca desenfreada de preenchimento do vazio da alma, procuram amor nas pessoas erradas, reiterando comportamentos auto-destrutivos e frustrantes. Ao se jogarem em relações vazias por serem mais “fáceis” ou por estarem “disponíveis”, tentam integra-se a qualquer custo, assumindo formas que não são suas, e por estarem feridas e solitárias, tendem a aceitar qualquer substituto que lhes seja oferecido, estão tentando compensar perdas anteriores, o que “poderá levá-las perto demais da porta do carrasco” 8, perdendo-se em excessos de toda ordem, tais como drogas, álcool e relacionamentos abusivos, resistindo a longos períodos de privações, bem “boazinhas”, mesmo que tenham planejado escapar inúmeras vezes, pois no fundo sabem do perigo que as circunda, mas não se sentem capazes de pagar sozinhas pelo preço da fuga, precisam de ajuda para identificarem os “predadores”, antes de eles lhes capturarem totalmente o ENTUSIASMO e a PERSEVERANÇA, devorado-as por meio da trivialização do anormal.  

         Todas nós já cometemos o erro de pensar que outra pessoa poderia ser a “nossa cura” e levaremos muito tempo para descobrir que carecemos prover a cura dentro de nós, tal como amadurecer, a fim de enxergarmos as pessoas como realmente são, abdicando da ingenuidade que conduz a insensatez, levando mulheres magoadas a concordam em permanecer “na ignorância”, seduzidas por promessas de segurança e “amor eterno” que nunca chegarão e quando resolvem abrir as portas de suas próprias vidas, descobrem que estiveram permitindo o assassinato de seus sonhos e de tudo que lhes foi gracioso e promissor. Costuma-se dizer que as mulheres devem batalhar por seus direitos a cada vinte anos, mas “às vezes a impressão é que é preciso lutar por eles a cada cinco minutos”, pois “o que as mulheres ainda precisam aprender é que ninguém te dá o poder. Você simplesmente tem que tomá-lo”.



publicado por araretamaumamulher às 05:32 | link do post | comentar | ver comentários (1) | favorito

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