Reduzida a seus contornos anatômicos, tão desnuda de roupas quanto de princípios, idéias e valores. Mero objeto descartável, cujo realce promove uma deseducação do olhar, de tal modo que passa a ser vista como um atraente naco de carne exposto no açougue virtual.
Essa cultura da glamourização das formas, que enriquece as academias de ginástica e os cirurgiões plásticos que se prestam aos caprichos da vaidade, deteriora as relações de alteridade. Mulheres e homens que não correspondem ao modelitos imperantes são marginalizados, condenados a purgar seus complexos no limbo dos que não merecem afeto por não serem suficientemente atrativos.
Pedófilos, tarados, estupradores e assassinos de mulheres são regados pelo caldo de cultura dessa sociedade neoliberal que só reconhece os valores do mercado financeiro, pois troca o coração pelo bolso e suprime a ética em nome da estética. E o mais grave é que insistem em nos convencer que liberdade de expressão é a TV invadir os nossos lares intoxicando crianças com pornografia e violência.
O que não falta é candidata para tirar a roupa. Dá uma grana boa.
E o namorado apóia, o pai fica orgulhoso, a mãe acha um acontecimento, as amigas invejam
então pudor pra quê?
Não sei se os homens estão radiantes com esta multiplicação de pei. tos e bun.das.
Infelizes não devem estar, mas duvido que algo que se tornou tão banal ainda enfeitice os que têm mais de 14 anos.
Talvez a verdadeira excitação esteja, hoje, em ver uma mulher se despir de verdade... emocionalmente.
Nudez pode ter um significado diferente e muito mais intenso.
É assistir a uma mulher desabotoar suas fantasias, suas dores, sua história.
É erótico ver uma mulher que sorri, que chora, que vacila, que fica linda sendo sincera, que fica uma delícia sendo divertida, que deixa qualquer um maluco sendo inteligente.
Uma mulher que diz o que pensa, o que sente e o que pretende, sem meias-verdades, sem esconder seus pequenos defeitos.
Aliás, deveríamos nos orgulhar de nossas falhas, é o que nos torna humanas, e não bonecas de porcelana.
Arrebatador é assistir ao desnudamento de uma mulher em quem sempre se poderá confiar, mesmo que vire ex, mesmo que saiba demais.
Pouco tempo atrás, posar nua ainda era uma excentricidade das artistas, lembro que esperava-se com ansiedade a revista que traria um ensaio de Dina Sfat, por exemplo - pra citar uma mulher que sempre teve mais o que mostrar além do próprio corpo.
Mas agora não há mais charme nem suspense, estamos na era das mulheres coisificadas, que posam nuas porque consideram um degrau na carreira. Até é. Na maioria das vezes, rumo à decadência. Escadas servem para descer também.
Mas é o que devemos continuar fazendo. Despir nossa alma e mostrar pra valer quem somos, o que trazemos por dentro.
Não conheço strip-tease mais sedutor.
Ao ritmo da máquina, como Chaplin critica em Tempos Modernos. Por que os agricultores, que fazem tantos trabalhos físicos, não possuem corpos atléticos? Seus corpos em geral são duros, rígidos, contraídos, porque usados apenas como ferramentas e não como expressão do ser que somos nessa indivisível unidade corpo-espírito.
Felizmente, a contracultura e os movimentos feministas atuam em prol do resgate do corpo, influindo inclusive em movimentos espirituais que redescobrem o corpo como forma de oração. A respiração, a postura, a dança, são importantes na oração, conforme atestam as tradições bíblica e litúrgica. A oração que não integra o corpo e, com ele, toda a realidade circundante, histórica e natural, tende a cair no narcisismo espiritualista, que faz preceder o bem-estar do orante à graça divina, tanto mais eficaz quanto mais a pessoa se entrega e se integra no corpo de Cristo, que se prolonga no sofrimento do oprimido e se dilata na evolução do Universo.
"Uma rosa é uma rosa é uma rosa", declamava Gertrude Stein. Ninguém discorda. No entanto, não há consenso de que "uma pessoa é uma pessoa é uma pessoa". Nazistas negam a judeus o direito à vida, assim como há judeus que se julgam superiores aos palestinos, e muçulmanos que assassinam cristãos que não comungam com suas crenças, e cristãos que excomungam espiritualmente judeus, muçulmanos, comunistas, homossexuais e adeptos do candomblé.
Uma pessoa é o seu corpo. Vive ao nutri-lo e faz dele expressão do amor, gerando novos corpos. Morto o corpo, desaparece a pessoa. Contudo, chegamos ao século 21 e ao Terceiro Milênio num mundo dominado pela cultura necrófila de glamourização de corpos aquinhoados pela fama e pela riqueza, e exclusão de corpos condenados pela pobreza ou marcados por características que não coincidem com os modelos do poder.
Num país de famintos e corpos esquálidos, a glamourização das formas induz um punhado de homens e mulheres a se submeterem a regimes e tratamentos cruéis. Despendem tempo e fortuna com os requintes da vaidade física, como a aranha que tece sua própria teia narcísica, da qual se torna prisioneira. Não há academias especializadas em malhação do espírito e ainda não se inventou a transfusão de conhecimentos e valores de uma pessoa a outra ou do computador à mente, de modo a fazer coincidir a estética da aparência com a beleza da essência.
Clonam-se corpos, mas não a justiça. Em nome da tirania das idéias, queimam-se corpos, como o de Giordano Bruno, cujo martírio, há 400 anos. Revistas de entretenimento e a publicidade exaltam a exuberância erótica de corpos, sem que haja igual espaço para subjetividades, espiritualidades e utopias.
Menos livrarias, mais academias de ginástica. Morreremos todos esbeltos e saudáveis; o cadáver, impávido colosso, sem uma celulite.
Da ascética mortificadora do corpo, passamos agora à sua exaltação pagã. No esporte, exige-se dele desempenhos cada vez mais excepcionais, sobretudo em agilidade (ginastas e jogadores) e velocidade (corredores e nadadores). No trabalho, impõem-se-lhe uma carga estressante, seja na atividade física, mal remunerada, seja no esforço mental. Em casa, ele é entupido de medicamentos, para dormir ou despertar, reduzir a melancolia ou aprimorar seus contornos.
A sacralidade do corpo
Teilhard de Chardin, enfatizando a teologia paulina, via toda a Criação, das partículas atômicas ao movimento das galáxias, como corpo de Cristo em expansão cósmica. No entanto, quantos tabus e preconceitos ainda cercam o corpo! Mesmo em escolas consideradas modernas o tema não ultrapassa o enfoque biológico.
Sexualidade e afetividade permanecem assuntos clandestinos. Reforça-se assim a ideologia patriarcal de submissão do corpo feminino ao domínio masculino, aprofundando os dualismos que emanam do mito de que os papéis feminino e masculino estariam definidos segundo suas respectivas naturezas. Ora, foram às definições supra estruturais que surgiram a posteriori para legitimar a apropriação do corpo da mulher pelo homem, levando-a a se pensar como ser-no-mundo em função, não de si mesma, mas do outro sexo, a ponto de ela encarar o seu corpo como algo estranho, cujo funcionamento só seria adequadamente controlado por uma categoria específica de homens - os médicos.
Somos um corpo. Assim como a árvore brota da terra, o corpo humano emerge da evolução do Universo. Somos todos feitos de matéria estelar. Nosso corpo tem a idade aproximada de 15 bilhões de anos! Sua gestação teve início quando o calor da explosão inicial do Universo ofereceu, a olho nenhum, a primeira festa cósmica de São João. Fogueiras acesas no firmamento pontilharam de luz a escuridão do céu.
Ali, no bojo dos fornos estelares, o hidrogênio, cozido a temperaturas altíssimas e diferenciadas, engendrou o magnífico colar da escala atômica. Todos os átomos do nosso corpo adquiriram, nas entranhas das estrelas, existência e consistência. Eram, então, como notas da escala musical que ainda não encontraram o instrumento capaz de fazê-las ressoar em música.
Muito tempo depois, os átomos do nosso corpo ganharam pele nas moléculas e vestiram-se com a roupa das células, construindo esse ser que somos. Já não faz sentido falar que somos um corpo dotado de alma. Menos platônico, são Paulo fala em "corpo espiritual" (I Coríntios 15, 44) .
Somos o Universo que se contempla a si mesmo. Em cada pessoa - no menino de rua e no sultão - o Cosmo se espelha e se descobre harmônico e belo. Cada partícula atômica de nossas moléculas dançarinas, que tecem as células que estruturam o nosso corpo, foi cozida no calor de uma estrela. Feitos de matéria estelar, somos todos filhos do Sol, como intuíam os indígenas astecas e andinos.
O corpo contém o espírito assim como o espírito se consubstancia no corpo. Os jogos labirínticos dos redutos quânticos fazem à energia pulsar em matéria e a matéria expressar-se em energia, unidas no aparente paradoxo das partículas que fluem como ondas e das ondas que se exibem em partículas. São faces sutis de um mesmo perfil coroado pelos elétrons, que brilham em torno do picadeiro desse fantástico circo onde prótons e nêutrons produzem, na proporção exata, o espetáculo do ser.
Tudo isso é o corpo que somos, no qual a carne é tão espiritual quanto o espírito tão carnal, indivisíveis, dualidade sem dualismo, semente contida na árvore contida na semente que contém tronco e galho, seiva, folha e flor, assim como, desde seu início, o Universo nos continha e, desde sempre, Deus nos enlaça em seu abraço amoroso.
Esse corpo que somos é o corpo personificado do Cosmo e, também, imagem e semelhança de Deus.
"Nele vivemos, nos movemos e existimos", acentuam os Atos dos Apóstolos (17, 28). Agora, em nosso corpo, o Universo abandona sua bilenar cegueira e ganha olhos em nossos olhos - espelhos em que ele se contempla e descobre, maravilhado, que é belo. Daí Cosmo, nome que provém da mesma raiz grega de cosmético, aquilo que embeleza.
Somos a Terra em sua expressão humana. Nós, homens e mulheres, não somos qual o barco colocado sobre as águas. Somos a água moldada em ondas e espumas. Filhos da Terra, trazemos em nosso corpo à mesma proporção de água e sal encontrada neste planeta. Da natureza emergimos e graças a ela nutrimos a nossa vida, e encontramos em nosso corpo matas em forma de pêlos, superfícies lisas e ásperas, reentrâncias e protuberâncias, fendas, canais, fontes e cavernas.
Esse corpo que somos dorme e sonha, sofre e goza, sabe-se feliz ou contrai-se em tristeza, esbanja saúde ou fragiliza-se na doença. Sobretudo, é capaz de algo inacessível a todos os outros animais: sorrir. E, no entanto, ainda vivemos num mundo submerso em lágrimas. Porque esse corpo, provido de sentimentos e emoções, guarda rancores, iras e ódios, embora tão capaz de compaixão, ternura e amor.
Esse corpo que somos é morada divina. Porém, ainda profanado pelo trabalho opressivo, abatido pelas guerras, prostituído pela miséria, excluído pelo Estado de mal-estar social. Corpo feito para se revestir de dignidade, pleno de direitos. Corpo copo que acolhe vinho e carinho e se projeta em palavras, como o pássaro lança-se ao vento que imprime vôo às suas asas.
Esse nosso corpo é idêntico ao corpo de Cristo e, como ele, vocacionado ressurrecionalmente à eterna idade, lá onde o tempo se despe do espaço e cede lugar à plenitude do amor.
Seria outro o efeito da política se ela centrasse seu programa, não em reajustes monetaristas, mas na economia dos corpos. Então, ela desceria do pedestal das abstrações numéricas para encarar corpos sem pão e sem terra; desamparados e prostituídos; desempregados e enfermos. Corpos destituídos de direitos, de dignidade e de beleza.
Nas academias de ginástica e de dança, o corpo molda-se tonificado pelo ilusório elixir da juventude.
Favorecem-se a saúde e a estética. Vigorosos e vistosos, os corpos nem sempre adquirem mais capacidade de relação consigo, com o outro e com Deus.
É uma sabedoria ser capaz de escutar o próprio corpo, tratá-lo bem, refinando seu espírito e evitando empanturrá-lo de comidas e mágoas, bebidas e cóleras. É preciso impedir que "a louca da casa", a imaginação, ateie fogo em nossos sentimentos e emoções.
Um país, como o Brasil, que segrega corpos, condenando-os ao desemprego e à miséria, em nome da estabilidade da moeda, ainda está longe do portal da civilização.
Num mundo em que o requinte dos objetos merece veneração muito superior ao modo como são tratados milhões de homens e mulheres; o valor do dinheiro se sobrepõe ao de vidas humanas; as guerras funcionam como motor de prosperidade; é hora de nos perguntarmos como é possível corpos tão perfumados ter mentalidades e práticas tão hediondas?
Merleau-Ponty enfatizava que temos um corpo e somos o nosso corpo. Investimos em sua preservação
(práticas higiênicas e culinárias), em sua apresentação (cosméticos e vestuário) e em suas expressões afetivas (sinais emocionais). Tais expressões são o nosso tendão de Aquiles, sobretudo se o nosso corpo é um poço de mágoas, ressentimentos, invejas, e faz da língua uma faca afiada que retalha, em tiras de desafeto, o respeito ao outro.
Agora, o corpo recusa-se a ser refém do espírito. Da esquizofrenia da alma sobrepondo-se à carne, passamos à carne sobreposta ao espírito. Modelado pela erotização do mercado, o corpo adquire valor proporcional à sua adequação aos critérios de beleza estimuladores de consumo.
Fazer silêncio dentro de si, deixar fluir a voz interior e tratar o semelhante como sacramento vivo, são cuidados do corpo. Abrir-se ao Deus que nos habita pela graça, pela fé e por essa fascinante história da evolução do Universo que, desde o Big Bang, culmina nesse fruto inefável da natureza que é cada um de nós.
O corpo de Gaia também é corpo de Cristo. A Igreja deveria incluir entre os pecados a devastação de florestas, a poluição do ar e dos rios, a contaminação dos mares. Deveria clamar mais alto, não apenas em prol das espécies animais ameaçadas de extinção, mas sobretudo em favor da espécie mais degradada pela fome e pela violência: a humana.
Gente é para brilhar, canta o poeta. Se em nossa sociedade os corpos não brilham ou brilham só quando besuntados de cosméticos, e não banhados de luz interior, algo anda errado. A festa anual de Corpus Christi quer nos fazer recordar que corpo é copo, cálice, onde se bebe o vinho da alegria e da salvação, inserido no corpo místico e cósmico do Cristo.
Só haverá futuro digno quando todos os corpos viverem em comunhão, saciados da fome de pão e de beleza.