Segunda-feira, 04.01.10
As raízes da violência e as preocupações em evitar que ela mutile e desestruture as sociedades são provavelmente tão antigas quanto a humanidade. Ao longo de milênios, a agressividade humana adaptou-se, sem desvincular-se da evolução social. Em Futuro de Uma Ilusão, Sigmund Freud, criador da psicanálise, diz que o homem livrou-se do canibalismo, mas o assassinato ainda permanece, às vezes com amparo do Estado, caso da pena de morte.
A destruição terrorista das torres gêmeas do World Trade Center, em Nova York, e a retaliação militar que se seguiu, com bombardeio de uma população faminta e acuada por anos de guerra, no Afeganistão, certamente são uma expressão contundente de violência, sob as justificativas mais diversas.
Konrad Lorentz, prêmio Nobel e um dos fundadores da etologia, investigação do comportamento animal, citado pelo antropólogo Richard Leakey, em As Origens do Homem, sustenta "haver provas de que os inventores dos primeiros utensílios de pedra - os australopitecinos africanos - utilizaram prontamente suas armas não só para matar animais, mas também membros da própria espécie. O Homem de Pequin, o Prometeu que aprendeu a conquistar o fogo, também fez uso deste conhecimento para cozinhar seus irmãos: junto com os primeiros indícios do uso regular do fogo estão os ossos mutilados e assados do próprio Sinanthropus pekinensis".
Em On Aggression, Lorentz defende a tese de que a espécie humana traz em si uma forte herança de territorialidade e agressividade, instintos que devem ser extravasados para se evitar distúrbios sociais.
Leakey pensa que todos esses conceitos - as provas arqueológicas de canibalismo e as noções de instintos territoriais e agressivos, além da descrição de um desenvolvimento evolutivo como símios matadores - foram de alguma forma entrelaçados para formar "um dos mitos mais perigosamente persuasivos de nosso tempo, a de que a guerra e a violência estão em nossos genes".
Mutilado por um atentado político na África, que lhe custou as pernas, Leakey diz que essa concepção pessimista da natureza humana foi mal assimilada por autores como Desmond Morris (O Macaco Nu) e Robert Ardrey (The Territorial Imperative, Social Contract e Hunting Hypothesis).
Considera esses indícios insuficientes para definir a natureza humana e contrapõe que os homens também têm uma característica bem desenvolvida para a cooperação, talvez mais que à agressividade. Leakey pensa que "a noção de instinto como força que define os sistemas de comportamento animal foi superestimada e a flexibilidade de respostas envolvendo condições ambientais significativas foram ignoradas até recentemente".
Ainda assim, não se pode dizer que a história humana seja pacífica. Desde os primeiros tempos o som das armas pode ser ouvido. Primeiro o baque seco e nervoso da pedra atirada a esmo. Depois, o impacto do projétil arremessado com a precisão do cálculo, como um felino que salta de um lugar para outro. Neste intervalo, o som de ossos, galhos, pedras, usados como machados e bordunas reverberaram contra o solo e o corpo de inimigos.
Quando o fogo apareceu também foi usado na guerra onde ainda hoje causa destruição. O fogo foi manipulado física e quimicamente para produzir resultados cada vez mais letais. O fogo das bombas atiradas pela fortalezas voadoras pode destruir cidades inteiras, mas o fogo nuclear é ainda mais poderoso. No Japão, sobre Hiroshima e Nagasaki, vaporizou o corpo de pessoas, como um pequeno sol queimando próximo.
Mas isso não é tudo. Como disse Loren Eiseley, nenhum homem pode contar toda a história. A história que existe é a história de todos os homens, porque ela é a criação e expressão da cultura, ambiente de que os homens necessitam para expressar sua natureza humana.
Ao longo da história, o som da guerra não foi o único a se propagar pela atmosfera do Planeta. Os sons da música, da pedra sendo esculpida, do pincel cobrindo a superfície da rocha, no interior de cavernas como Altamira e Lascaux, da escrita, do cálculo, do átomo fissionado, das profundezas do céu, captado pela radioastronomia. Todos esses sons também se dissiparam pela atmosfera denunciando a natureza dupla do homem. Essa natureza dupla, como se pode ver, pela citação de alguns autores, abrange tanto a agressividade, expressa sob a forma de violência, como a cooperação, que sistematizou organizações tribais, povoados, cidades e nações e, agora, pela primeira vez na história, de alguma maneira, estende-se por todo o planeta.
A globalização, como este processo foi nomeado, divide muitos pensadores e, para uma parte significativa deles, é a raiz contemporânea de uma nova forma de violência. Um único centro hegemônico, os Estados Unidos, controla a máquina do mundo orientado pela lógica da acumulação de riquezas, o que pressupõe a existência de um poderoso aparato militar. Onde a lógica não puder ser imposta pela pressão diplomática, pela força do mercado, será assegurada pela boca fumegante dos canhões.
Historiadores portugueses, entre eles Vitorino Magalhães Godinho, não se surpreendem com essa nova ordem que começou a ser montada ainda no século 15, quando Portugal iniciou o processo de globalização com as viagens de descobrimento. A conexão dos mercados, a interação rápida das culturas, a descoberta, na Europa, de criaturas tão estranhas como o équidna e o ornitorrinco, mamíferos que nascem de ovos, reminiscência dos dinossauros, tudo isso surpreendeu a humanidade confinada na Europa, ainda que ela não fosse todo o mundo. Quando os cristãos se debatiam com a teologia dogmática, os árabes traziam, em suas arcas, a memória do passado clássico e ofereceram esse conhecimento, ampliado na matemática, medicina, astronomia e na química, além da literatura, para a construção do que hoje se chama de Ocidente.
A percepção dos historiadores portugueses é de que uma fase da globalização, não se sabe até onde ou quando, será marcada pela xenofobia, o esforço desesperado de cada cultura em preservar seus valores. Os ataques a redes de fast-food, na França, são uma evidência dessa reação que, com repressão policial, transborda para a violência.
O fatiamento do mercado planetário é uma fonte de disputa seguida de perto pela violência. Uma nova distribuição mundial do trabalho tira partido dos desníveis econômicos e, ao mesmo tempo, o que é fonte de felicidade para poucos, é, em muitos casos, a única alternativa para uma maioria. O Vietnã é só um dos países que, neste momento, oferecem mão-de-obra a preços irrisórios às empresas originárias dos Estados Unidos.
A manipulação da máquina do mundo, movida por uma lógica material que não considera a natureza humana, é uma fonte de desajustes em toda parte. Não é um processo novo, mas a ampliação de uma característica já existente. No rastro dessa manipulação, como na esteira de um navio, emerge um redemoinho de descontentamentos expresso pela violência: desemprego, desestruturação familiar, consumo de drogas, corrupção e perda de auto-estima. Claro está que essa é uma forma de expressão contemporânea da violência. O caminho que a agressividade, não sublimada pelo bem-estar, encontrou para manifestar-se. Não pode ser vista como toda a expressão da violência pois, neste caso, teríamos que percorrer toda a história e ainda seria pouco. O homem é mais antigo que a história, o registro de seus feitos no mundo.
Joseph Campbell, no diálogo memorável que nos legou com Bill Moyers em O Poder do Mito, diz que a violência nas grandes cidades existe porque os mitos foram embora. Campbell fala, evidentemente, pela linguagem alegórica, a expressão típica dos mitos e nos alerta para a perda de valores humanos, entre eles o sentido de mundo, a razão de existir. Certamente não existimos para acumular moedas de ouro.
O universo não tem um centro, dizem os cosmólogos, mas as questões que demandam entendimento e inteligibilidade, de alguma forma sugerem um centro. Neste caso, a violência contemporânea parece originar-se de um núcleo associado à globalização com valores impostos de forma única a culturas múltiplas. Certamente não é apenas coincidência que o centro hegemônico neste processo de globalização, os Estados Unidos, estejam se enfrentando, em armas, com uma cultura tribal, como o Afeganistão. As explicações para isso são quase infinitas, mas o fato é este: uma comunidade tribal desafia, com seus guerreiros suicidas, uma outra, aparentemente lógica e coerente.
Também isso não é novo. Quando os espanhóis chegaram ao México, estranharam que os indígenas oferecessem seus próprios filhos a seus deuses e viram nisso prova de um primitivismo grotesco. Alguém lembrou-lhes, no entanto, que o problema era deles, espanhóis, que não confiavam nada em seus deuses e por isso lhes recusavam sacrifícios tão caros quanto os filhos.
Frank Drake, buscador de vida entre outras estrelas, escreveu uma equação para tentar mensurar quantas inteligências podem habitar a Galáxia. Num certo momento, relacionado à auto-destruição, as probabilidades são, abruptamente, reduzidas à metade. É uma arbitrariedade estatística, uma mera projeção de como vemos a nós próprios. Mas talvez esteja projetada aí a natureza dupla do homem, abrigando amor e ódio, numa relação hegeliana de afirmação/negação em busca de uma síntese possível.
Não sabemos como são os outros impérios, se é que existem, mas, de alguma forma, desejamos que não aprisionem, por motivos fúteis, a vida de seus povos. Se for assim, como aqui, certamente, eles também darão vazão à suas fúrias. E ela se manifestará pela forma inequívoca da violência.
Ulisses Capozoli, jornalista especializado em divulgação científica é mestre e doutorando em ciências pela USP e presidente da Associação Brasileira de Jornalismo científico (ABJ
Sábado, 19.12.09
Hoje resolvi falar sobre os mitos que rondam a violência da mulher. Porque acredito que já está mais do que na hora de colocarmos as coisas de forma clara, para que todos possam realmente saber o que de verdade sofre uma mulher que é vitima de violencia....
Primeiro mito
A violência doméstica é uma “perda de controle”- uma questão do controle da ira.
Fato
O comportamento violento é uma escolha – a violência doméstica nada tem que ver com a ira. Esta é uma ferramenta que os agressores usam para obter o que desejam. Sabemos que de fato os agressores têm bastante controle porque param quando alguém bate à porta ou o telefone toca. Sempre tentam direcionar os socos e os pontapés para as partes do corpo onde os ferimentos têm menor possibilidade de serem vistos e não agridem qualquer pessoa quando estão “irados”, mas esperam até que não haja testemunhas e então praticam o abuso contra a pessoa a quem dizem que amam. A violência doméstica diz respeito ao agressor usar seu controle, e a não perdê-lo. Suas ações são extremamente deliberadas.
Segundo mito
A vítima é responsável pela violência porque a provoca.
Fato
Ninguém pede para ser agredido. Ainda, ninguém merece sofrer agressão, independentemente, daquilo que diga ou faça. Todos têm o direito de viver sem sofrer violência. Ninguém deseja que o cônjuge seja abusivo. As mulheres cujo segundo ou terceiro parceiro são agressores, muitas vezes serão tidas pelo outros como culpadas pela violência – “deve ser algo com ela”. Na verdade, o agressor usa a tática do charme no início do relacionamento a fim de descobrir que ela já foi vítima de abuso. Então usa essa informação para culpá-la pela violência – “Veja, o problema está com você, ou seu outro companheiro também não a teria agredido” ou, para silenciá-la, “Você não irá contar para outras pessoas porque elas nunca irão acreditar visto que você já disse isso antes”.
Terceiro mito
Se a vitima não gostar, ela pode deixar o relacionamento.
Fato
As vítimas não gostam do abuso. Elas permanecem no relacionamento por muitos motivos, incluindo o medo. A maioria, por fim, acaba saindo dessa situação. A provocação da vítima na violência doméstica não é diferente do que em qualquer outro crime, ou seja, não há provocação. As mulheres agredidas muitas vezes fazem repetidas tentativas de deixar o relacionamento violento, mas são impedidas devido ao aumento da violência e das táticas de controle da parte do agressor. Outros fatores que inibem a capacidade de a vítima fugir incluem a dependência econômica, poucas opções viáveis de acomodação e apoio, resposta inadequada do sistema judiciário criminal ou de outras agências, isolamento social, impedimentos culturais ou religiosos, compromisso para com o agressor e o relacionamento e medo de sofrer ainda mais violência. Estima-se que o perigo à vítima aumenta em 70% quando tenta fugir, visto que o agressor intensifica o uso da violência quando começa a perder o controle.
Quarto mito
A violência doméstica somente ocorre em pequena porcentagem nos relacionamentos.
Fato
Estima-se que a violência doméstica ocorra em ¼ a ½ de todos os relacionamentos íntimos. Isto se aplica a relacionamentos heterossexuais como homossexuais.
Quinto mito
As mulheres da classe média e alta não sofrem agressões com tanta freqüência quanto às mulheres pobres.
Fato
A violência doméstica ocorre em todos os níveis socioeconômicos. Visto que as mulheres com dinheiro, normalmente, têm mais acesso a outros recursos, as mulheres mais pobres tendem a utilizar as agências comunitárias e, portanto, são mais visíveis.
Sexto mito
Os agressores são violentos em todos os seus relacionamentos.
Fato
Os agressores decidem ser violentos com seu cônjuge da forma como jamais considerariam tratar outra pessoa.
Sétimo mito
Bebidas alcoólicas e consumo de drogas provocam o comportamento agressivo
Fato
Muitos agressores não bebem ou consomem drogas. Embora muitos cônjuges abusivos também consumam bebidas alcoólicas e/ou drogas, esta não é a causa subjacente da agressão. Muitos usam essas substâncias como desculpa para explicar sua violência.
Oitavo mito
Se a mulher sofre agressão uma vez, será sempre agredida.
Fato
Embora algumas mulheres que sofreram agressão tenham passado por mais de um relacionamento abusivo, as mulheres protegidas pelos serviços contra a violência doméstica têm menor possibilidade de entrarem em outro relacionamento abusivo.
Nono mito
É fácil deixar um relacionamento abusivo, simplesmente juntando os pertences e indo embora.
Fato
Isto não é verdade. O agressor tende a isolar a vítima ao não lhe dar dinheiro, impedindo-a de conseguir um trabalho, de estar com a família e amigos. A dificuldade de pagar abrigo para as crianças e sua sobrevivência torna quase impossível o simplesmente juntar os pertences e partir
Décimo mito
Somente as mulheres são vítimas da violência doméstica.
Fato
Os homens também são vítimas da violência doméstica, mas muitos têm vergonha de informar o abuso. Um estudo bem divulgado, realizado pelo Dr. Murray Strauss, da Universidade de New Hampshire, revelou que as mulheres usam meios violentos para resolver o conflito no relacionamento com tanta freqüência quanto os homens. Contudo, o estudo também concluiu que quando o contexto e as conseqüências de uma agressão são medidos, a maioria das vítimas está no grupo de mulheres. O Departamento de Justiça dos EUA descobriu que 95% das vítimas de abuso praticado pelo cônjuge são mulheres. Os homens podem ser vítimas, mas isso é raro.
Décimo primeiro mito
As crianças em lares onde ocorre a violência tendem a se tornarem vítimas ou agressores.
Fato
Isto, infelizmente, é verdade. Embora pareça que as crianças estejam dormindo ou não comentem a respeito do que vêem e ouvem, elas são afetadas. As crianças reproduzem o que os adultos fazem em sua vida e o ciclo da violência prossegue.
Décimo segundo mito
Os agressores são sempre pessoas más e cruéis.
Fato
Não é verdade. Algumas das pessoas mais agradáveis que você conhece são agressores e se encontram em todas as classes sociais e econômicas. Noventa por cento dos agressores não têm antecedentes criminais.
Décimo terceiro mito
Finalmente, o abuso irá cessar.
Fato
Sem ajuda profissional, os agressores irão continuar. O abuso, normalmente, se torna mais freqüente e mais violento, algumas vezes resultando em morte
Décimo quarto mito
O ciclo da violência é rompido quando acaba o relacionamento.
Fato
Os momentos mais perigosos para a vítima podem ser quando elas deixam o relacionamento sem um plano de segurança. Sem intervenção, os agressores continuarão o abuso.
Décimo quinto mito
A violência doméstica é, normalmente, um caso isolado.
Fato
Agredir é uma forma de coerção e controle que uma pessoa exerce sobre a outra. Agredir não é apenas um ataque físico. Isto inclui a repetição de várias táticas, incluindo intimidação, ameaças, privação econômica, isolamento e abuso psicológico e sexual. A violência física é apenas uma das táticas. As várias formas de abuso utilizadas pelos agressores os ajudam a manterem o poder e o controle sobre o cônjuge ou o/a companheiro/a
Décimo sexto mito
Os homens que agridem, geralmente, são bons pais e devem ter a guarda conjunta dos filhos caso o casal se separe.
Fato
Os estudos revelam que os homens que agridem a esposa também abusam dos filhos em 70% dos casos. Mesmo quando os filhos não sofrem abuso direto, eles sofrem ao verem um cônjuge agredir o outro. Os agressores, muitas vezes demonstram acentuado interesse pelos filhos quando da separação como um meio de manter o contato, e assim controlar o cônjuge
Décimo sétimo mito
Quando há violência na família, todos os membros participam na dinâmica e, portanto, todos devem mudar o comportamento para que cesse a violência.
Fato
Apenas o agressor pode por fim à agressão. Agredir é uma escolha dele e, portanto, deve ser responsabilizado. Muitas mulheres agredidas fazem diversas tentativas de mudar o comportamento na esperança de que isso irá por fim ao abuso. Porém, não funciona. As mudanças no comportamento dos membros da família não irão alterar o comportamento violento do agressor.
Décimo oitavo mito
Os agressores e/ou as vítimas sofrem de baixa auto-estima.
Fato
Os agressores não têm baixa auto-estima. Eles crêem que receberam poder e controle sobre seu cônjuge. Eles fingem ter baixa auto-estima se isso levar outros a crerem que a violência não é sua culpa. Os sobreviventes do abuso podem ter tido uma excelente auto-estima no início do relacionamento, mas o agressor usa o abuso emocional: usa nomes depreciativos; faz com que a pessoa se sinta inferiorizada; diz que a culpa é dela a fim de destruir sua auto-estima. Alguns agressores procuram mulheres com baixa auto-estima, visto que acreditam que ela terá maior probabilidade de culpar a si mesmas e menores chances de informar a respeito do abuso. Outros agressores buscarão mulheres com elevada auto-estima visto representarem um desafio maior para exercer o controle ao longo do tempo.
Quero deixar bem claro mais uma vez que tudo isso eu sei por ter vivido e ainda vivenciar a violência em minha vida.
Temos parar de achar que o agressor é quem precisa de tratamento, o agressor precisa é de cadeia de segurança máxima. O perdão... Há é muito lindo falar do perdão para quem não perdeu mais de vinte anos de sua vida com um monstro dessa proporção... Eu não quero perdoar eu quero ser reparada por tudo que perdi, é um direito meu...