Sábado, 03.04.10

Reduzida a seus contornos anatômicos, tão desnuda de roupas quanto de princípios, idéias e valores. Mero objeto descartável, cujo realce promove uma deseducação do olhar, de tal modo que passa a ser vista como um atraente naco de carne exposto no açougue virtual.
Essa cultura da glamourização das formas, que enriquece as academias de ginástica e os cirurgiões plásticos que se prestam aos caprichos da vaidade, deteriora as relações de alteridade. Mulheres e homens que não correspondem ao modelitos imperantes são marginalizados, condenados a purgar seus complexos no limbo dos que não merecem afeto por não serem suficientemente atrativos.
Pedófilos, tarados, estupradores e assassinos de mulheres são regados pelo caldo de cultura dessa sociedade neoliberal que só reconhece os valores do mercado financeiro, pois troca o coração pelo bolso e suprime a ética em nome da estética. E o mais grave é que insistem em nos convencer que liberdade de expressão é a TV invadir os nossos lares intoxicando crianças com pornografia e violência.
O que não falta é candidata para tirar a roupa. Dá uma grana boa. 
E o namorado apóia, o pai fica orgulhoso, a mãe acha um acontecimento, as amigas invejam
então pudor pra quê?
Não sei se os homens estão radiantes com esta multiplicação de pei. tos e bun.das.
Infelizes não devem estar, mas duvido que algo que se tornou tão banal ainda enfeitice os que têm mais de 14 anos.
Talvez a verdadeira excitação esteja, hoje, em ver uma mulher se despir de verdade... emocionalmente.
Nudez pode ter um significado diferente e muito mais intenso. 
É assistir a uma mulher desabotoar suas fantasias, suas dores, sua história. 
É erótico ver uma mulher que sorri, que chora, que vacila, que fica linda sendo sincera, que fica uma delícia sendo divertida, que deixa qualquer um maluco sendo inteligente.
Uma mulher que diz o que pensa, o que sente e o que pretende, sem meias-verdades, sem esconder seus pequenos defeitos.
Aliás, deveríamos nos orgulhar de nossas falhas, é o que nos torna humanas, e não bonecas de porcelana.
Arrebatador é assistir ao desnudamento de uma mulher em quem sempre se poderá confiar, mesmo que vire ex, mesmo que saiba demais.
Pouco tempo atrás, posar nua ainda era uma excentricidade das artistas, lembro que esperava-se com ansiedade a revista que traria um ensaio de Dina Sfat, por exemplo - pra citar uma mulher que sempre teve mais o que mostrar além do próprio corpo. 
Mas agora não há mais charme nem suspense, estamos na era das mulheres coisificadas, que posam nuas porque consideram um degrau na carreira. Até é. Na maioria das vezes, rumo à decadência. Escadas servem para descer também.
Mas é o que devemos continuar fazendo. Despir nossa alma e mostrar pra valer quem somos, o que trazemos por dentro. 
Não conheço strip-tease mais sedutor.
Ao ritmo da máquina, como Chaplin critica em Tempos Modernos. Por que os agricultores, que fazem tantos trabalhos físicos, não possuem corpos atléticos? Seus corpos em geral são duros, rígidos, contraídos, porque usados apenas como ferramentas e não como expressão do ser que somos nessa indivisível unidade corpo-espírito.
Felizmente, a contracultura e os movimentos feministas atuam em prol do resgate do corpo, influindo inclusive em movimentos espirituais que redescobrem o corpo como forma de oração. A respiração, a postura, a dança, são importantes na oração, conforme atestam as tradições bíblica e litúrgica. A oração que não integra o corpo e, com ele, toda a realidade circundante, histórica e natural, tende a cair no narcisismo espiritualista, que faz preceder o bem-estar do orante à graça divina, tanto mais eficaz quanto mais a pessoa se entrega e se integra no corpo de Cristo, que se prolonga no sofrimento do oprimido e se dilata na evolução do Universo.
"Uma rosa é uma rosa é uma rosa", declamava Gertrude Stein. Ninguém discorda. No entanto, não há consenso de que "uma pessoa é uma pessoa é uma pessoa". Nazistas negam a judeus o direito à vida, assim como há judeus que se julgam superiores aos palestinos, e muçulmanos que assassinam cristãos que não comungam com suas crenças, e cristãos que excomungam espiritualmente judeus, muçulmanos, comunistas, homossexuais e adeptos do candomblé.
Uma pessoa é o seu corpo. Vive ao nutri-lo e faz dele expressão do amor, gerando novos corpos. Morto o corpo, desaparece a pessoa. Contudo, chegamos ao século 21 e ao Terceiro Milênio num mundo dominado pela cultura necrófila de glamourização de corpos aquinhoados pela fama e pela riqueza, e exclusão de corpos condenados pela pobreza ou marcados por características que não coincidem com os modelos do poder.
Num país de famintos e corpos esquálidos, a glamourização das formas induz um punhado de homens e mulheres a se submeterem a regimes e tratamentos cruéis. Despendem tempo e fortuna com os requintes da vaidade física, como a aranha que tece sua própria teia narcísica, da qual se torna prisioneira. Não há academias especializadas em malhação do espírito e ainda não se inventou a transfusão de conhecimentos e valores de uma pessoa a outra ou do computador à mente, de modo a fazer coincidir a estética da aparência com a beleza da essência.
Clonam-se corpos, mas não a justiça. Em nome da tirania das idéias, queimam-se corpos, como o de Giordano Bruno, cujo martírio, há 400 anos. Revistas de entretenimento e a publicidade exaltam a exuberância erótica de corpos, sem que haja igual espaço para subjetividades, espiritualidades e utopias.
Menos livrarias, mais academias de ginástica. Morreremos todos esbeltos e saudáveis; o cadáver, impávido colosso, sem uma celulite.
Da ascética mortificadora do corpo, passamos agora à sua exaltação pagã. No esporte, exige-se dele desempenhos cada vez mais excepcionais, sobretudo em agilidade (ginastas e jogadores) e velocidade (corredores e nadadores). No trabalho, impõem-se-lhe uma carga estressante, seja na atividade física, mal remunerada, seja no esforço mental. Em casa, ele é entupido de medicamentos, para dormir ou despertar, reduzir a melancolia ou aprimorar seus contornos.
A sacralidade do corpo
Teilhard de Chardin, enfatizando a teologia paulina, via toda a Criação, das partículas atômicas ao movimento das galáxias, como corpo de Cristo em expansão cósmica. No entanto, quantos tabus e preconceitos ainda cercam o corpo! Mesmo em escolas consideradas modernas o tema não ultrapassa o enfoque biológico.
Sexualidade e afetividade permanecem assuntos clandestinos. Reforça-se assim a ideologia patriarcal de submissão do corpo feminino ao domínio masculino, aprofundando os dualismos que emanam do mito de que os papéis feminino e masculino estariam definidos segundo suas respectivas naturezas. Ora, foram às definições supra estruturais que surgiram a posteriori para legitimar a apropriação do corpo da mulher pelo homem, levando-a a se pensar como ser-no-mundo em função, não de si mesma, mas do outro sexo, a ponto de ela encarar o seu corpo como algo estranho, cujo funcionamento só seria adequadamente controlado por uma categoria específica de homens - os médicos.
Somos um corpo. Assim como a árvore brota da terra, o corpo humano emerge da evolução do Universo. Somos todos feitos de matéria estelar. Nosso corpo tem a idade aproximada de 15 bilhões de anos! Sua gestação teve início quando o calor da explosão inicial do Universo ofereceu, a olho nenhum, a primeira festa cósmica de São João. Fogueiras acesas no firmamento pontilharam de luz a escuridão do céu.
Ali, no bojo dos fornos estelares, o hidrogênio, cozido a temperaturas altíssimas e diferenciadas, engendrou o magnífico colar da escala atômica. Todos os átomos do nosso corpo adquiriram, nas entranhas das estrelas, existência e consistência. Eram, então, como notas da escala musical que ainda não encontraram o instrumento capaz de fazê-las ressoar em música.
Muito tempo depois, os átomos do nosso corpo ganharam pele nas moléculas e vestiram-se com a roupa das células, construindo esse ser que somos. Já não faz sentido falar que somos um corpo dotado de alma. Menos platônico, são Paulo fala em "corpo espiritual" (I Coríntios 15, 44) .
Somos o Universo que se contempla a si mesmo. Em cada pessoa - no menino de rua e no sultão - o Cosmo se espelha e se descobre harmônico e belo. Cada partícula atômica de nossas moléculas dançarinas, que tecem as células que estruturam o nosso corpo, foi cozida no calor de uma estrela. Feitos de matéria estelar, somos todos filhos do Sol, como intuíam os indígenas astecas e andinos.
O corpo contém o espírito assim como o espírito se consubstancia no corpo. Os jogos labirínticos dos redutos quânticos fazem à energia pulsar em matéria e a matéria expressar-se em energia, unidas no aparente paradoxo das partículas que fluem como ondas e das ondas que se exibem em partículas. São faces sutis de um mesmo perfil coroado pelos elétrons, que brilham em torno do picadeiro desse fantástico circo onde prótons e nêutrons produzem, na proporção exata, o espetáculo do ser.
Tudo isso é o corpo que somos, no qual a carne é tão espiritual quanto o espírito tão carnal, indivisíveis, dualidade sem dualismo, semente contida na árvore contida na semente que contém tronco e galho, seiva, folha e flor, assim como, desde seu início, o Universo nos continha e, desde sempre, Deus nos enlaça em seu abraço amoroso.
Esse corpo que somos é o corpo personificado do Cosmo e, também, imagem e semelhança de Deus.
"Nele vivemos, nos movemos e existimos", acentuam os Atos dos Apóstolos (17, 28). Agora, em nosso corpo, o Universo abandona sua bilenar cegueira e ganha olhos em nossos olhos - espelhos em que ele se contempla e descobre, maravilhado, que é belo. Daí Cosmo, nome que provém da mesma raiz grega de cosmético, aquilo que embeleza.
Somos a Terra em sua expressão humana. Nós, homens e mulheres, não somos qual o barco colocado sobre as águas. Somos a água moldada em ondas e espumas. Filhos da Terra, trazemos em nosso corpo à mesma proporção de água e sal encontrada neste planeta. Da natureza emergimos e graças a ela nutrimos a nossa vida, e encontramos em nosso corpo matas em forma de pêlos, superfícies lisas e ásperas, reentrâncias e protuberâncias, fendas, canais, fontes e cavernas.
Esse corpo que somos dorme e sonha, sofre e goza, sabe-se feliz ou contrai-se em tristeza, esbanja saúde ou fragiliza-se na doença. Sobretudo, é capaz de algo inacessível a todos os outros animais: sorrir. E, no entanto, ainda vivemos num mundo submerso em lágrimas. Porque esse corpo, provido de sentimentos e emoções, guarda rancores, iras e ódios, embora tão capaz de compaixão, ternura e amor.
Esse corpo que somos é morada divina. Porém, ainda profanado pelo trabalho opressivo, abatido pelas guerras, prostituído pela miséria, excluído pelo Estado de mal-estar social. Corpo feito para se revestir de dignidade, pleno de direitos. Corpo copo que acolhe vinho e carinho e se projeta em palavras, como o pássaro lança-se ao vento que imprime vôo às suas asas.
Esse nosso corpo é idêntico ao corpo de Cristo e, como ele, vocacionado ressurrecionalmente à eterna idade, lá onde o tempo se despe do espaço e cede lugar à plenitude do amor.
Seria outro o efeito da política se ela centrasse seu programa, não em reajustes monetaristas, mas na economia dos corpos. Então, ela desceria do pedestal das abstrações numéricas para encarar corpos sem pão e sem terra; desamparados e prostituídos; desempregados e enfermos. Corpos destituídos de direitos, de dignidade e de beleza.
Nas academias de ginástica e de dança, o corpo molda-se tonificado pelo ilusório elixir da juventude.
Favorecem-se a saúde e a estética. Vigorosos e vistosos, os corpos nem sempre adquirem mais capacidade de relação consigo, com o outro e com Deus.
É uma sabedoria ser capaz de escutar o próprio corpo, tratá-lo bem, refinando seu espírito e evitando empanturrá-lo de comidas e mágoas, bebidas e cóleras. É preciso impedir que "a louca da casa", a imaginação, ateie fogo em nossos sentimentos e emoções.
Um país, como o Brasil, que segrega corpos, condenando-os ao desemprego e à miséria, em nome da estabilidade da moeda, ainda está longe do portal da civilização.
Num mundo em que o requinte dos objetos merece veneração muito superior ao modo como são tratados milhões de homens e mulheres; o valor do dinheiro se sobrepõe ao de vidas humanas; as guerras funcionam como motor de prosperidade; é hora de nos perguntarmos como é possível corpos tão perfumados ter mentalidades e práticas tão hediondas?
Merleau-Ponty enfatizava que temos um corpo e somos o nosso corpo. Investimos em sua preservação
(práticas higiênicas e culinárias), em sua apresentação (cosméticos e vestuário) e em suas expressões afetivas (sinais emocionais). Tais expressões são o nosso tendão de Aquiles, sobretudo se o nosso corpo é um poço de mágoas, ressentimentos, invejas, e faz da língua uma faca afiada que retalha, em tiras de desafeto, o respeito ao outro.
Agora, o corpo recusa-se a ser refém do espírito. Da esquizofrenia da alma sobrepondo-se à carne, passamos à carne sobreposta ao espírito. Modelado pela erotização do mercado, o corpo adquire valor proporcional à sua adequação aos critérios de beleza estimuladores de consumo.
Fazer silêncio dentro de si, deixar fluir a voz interior e tratar o semelhante como sacramento vivo, são cuidados do corpo. Abrir-se ao Deus que nos habita pela graça, pela fé e por essa fascinante história da evolução do Universo que, desde o Big Bang, culmina nesse fruto inefável da natureza que é cada um de nós.
O corpo de Gaia também é corpo de Cristo. A Igreja deveria incluir entre os pecados a devastação de florestas, a poluição do ar e dos rios, a contaminação dos mares. Deveria clamar mais alto, não apenas em prol das espécies animais ameaçadas de extinção, mas sobretudo em favor da espécie mais degradada pela fome e pela violência: a humana.
Gente é para brilhar, canta o poeta. Se em nossa sociedade os corpos não brilham ou brilham só quando besuntados de cosméticos, e não banhados de luz interior, algo anda errado. A festa anual de Corpus Christi quer nos fazer recordar que corpo é copo, cálice, onde se bebe o vinho da alegria e da salvação, inserido no corpo místico e cósmico do Cristo.
Só haverá futuro digno quando todos os corpos viverem em comunhão, saciados da fome de pão e de beleza.



publicado por araretamaumamulher às 22:35 | link do post | comentar | favorito

Terça-feira, 30.03.10

Nesta nossa sociedade industrial contemporânea e pós-moderna, algumas regras conservadoras implicam uma sociedade ainda machista onde o papel da mulher continua sendo o de objeto de consumo e isso acaba instigando a comercialização de produtos eróticos.
Assim como o Hino Nacional, a bandeira verde e amarela, o futebol e o carnaval, a bunda tornou-se um símbolo nacional brasileiro, a partir de sua superexposição na mídia. Mas o que são símbolos? São signos representativos que variam de acordo com cada época, com a moldura política - econômica de uma nação e pela consciência coletiva, ou seja, tudo aquilo que representa algo por meio de um sinal, que pode ser uma imagem ou uma palavra.
A constante visibilidade do corpo feminino, praticada cotidianamente nos diversos meios midiáticos, além de ser concebido como aspecto simbólico, que são tão influentes no comportamento e no imaginário do brasileiro, é, também, necessária para estabilizar um discurso social, neste caso, o discurso machista.
Aceitamos o culto à bunda como algo cultural, naturalizando suas “performances” (rebolado em festas e exposição nas praias, em piscinas, nas mídias impressas), seus vestuários e as músicas que enfatizam as nádegas.
Essa exaltação exacerbada é bem mais visível nas mídias eletrônicas, como a televisão, já que ela é um influente meio, que se aproveita de manifestações artísticas populares e as transforma em grandes espetáculos, através de imagens, estimulando os sentidos dos telespectadores.
O carnaval carioca de sambódromo, que já foi uma expressão coletiva e espontânea de diversão, hoje, passou a ser explorado pelas revistas, pelos jornais, pelo cinema e, essencialmente, pela TV, como algo a ser consumido pelas massas.
Na década de 30, as autoridades municipais passaram a ser responsáveis pelos grupos carnavalescos e pelas escolas de samba. O carnaval foi, gradualmente, se convencionando num espetáculo. Nas apresentações atuais, é natural a aparição de mulheres totalmente ou parcialmente desnudas, o que provoca estranhamento aos olhos de estrangeiros que visitam o Brasil em épocas carnavalescas, com o intuito de conhecer uma realidade “liberal”.
Alguns especialistas afirmam que, biologicamente, os homens são mais instintivos e mais estimulados sexualmente pela visão. Muniz Sodré, em sua obra A Máquina de Narciso(1994:10), afirma que o olhar, desde a Antiguidade grega, tem um laço imaginário com a sexualidade. É na televisão que essa sexualidade é bastante explorada, pois esse meio audiovisual tem sua essência nas imagens, o que torna um forte instrumento sensibilizador.
Partindo dessa teoria, para muitos turistas, a prática do “turismo sexual”, ao qual eles são levados em função dessa “liberdade”, parece-lhes normal, o que contribui para a crescente prostituição, principalmente, de crianças e adolescente, nas cidades brasileiras.
A mídia tem grande importância na propagação de eventos culturais massificados. E não é só no caráter artístico, mas também na exploração do corpo feminino como parte essencial do espetáculo. Essa exploração é feita, por exemplo, em programações que exigem a presença da mulher de corpo malhado, como os programas de auditório (bailarinas), os concursos de beleza, as novelas, as revistas (femininas e masculinas), sites de ensaios sensuais, reality shows. Nessa exploração do exibicionismo feminino, os meios de comunicação percebem a eficácia desses programas na aquisição de valores simbólicos (para mulheres, a ânsia de ser aquele corpo tão visto na mídia; enquanto para os homens, o desejo sexual estimulado) e valores financeiros (lucro), e continuam propagando essa imagem de mulher.
Essa bundalização é estimulada pela supervalorização da mulher pós-moderna ainda como objeto sexual e de moda. Essa padronização da mulher na mídia, para estimular os desejos do homem, é cada vez mais explorada, e assim o ser humano mulher fica restrito à sua aparência.
A mulher não almeja ficar bonita para sua satisfação pessoal, mas sim para o outro (e outra) admirar. É uma maneira de conquistar homens, causar inveja nas mulheres e até mesmo como forma de obter benefícios materiais.
Mas para obter sucesso e, conseqüentemente, a audiência, esses programas não hesitam em tirar proveito dessa imagem depreciativa das mulheres. Permanece o velho chavão dito pelos produtores de televisão, principalmente da televisão brasileira: “dar ao público o que ele deseja”. É aí que pensamos se são os desejos dos telespectadores que estão postos na TV ou se a TV dita o que os telespectadores têm que desejar. Não vamos nos deter nisso, pois nossa pesquisa é referente aos efeitos que a linguagem, fundamentalmente televisiva, causam na realidade brasileira. Independente da resposta, esse desejo é medido, quantitativamente, pelo IBOPE (Instituto Brasileiro de Opinião Pública). A busca incansável para ser o número 1 deixa as questões éticas e morais em último plano. E essa depreciação é esteticamente camuflada de tal forma que, os que não têm consciência crítica, não enxergam as mensagens “subliminares” presentes nos discursos midiáticos. E entendem que tudo o que é dito na mídia é certo. É a tal da “credibilidade”.
Há sempre a presença dos meios de comunicação, de mulheres e homens, incentivando esse tipo de representação social. Tais mulheres adotam os “personagens” criados para elas: vestem-se como o “personagem”, comportam-se como o “personagem”, falam como o “personagem”. Agem assim porque querem estar visíveis a qualquer preço. É o retrato da sociedade midiática que vivemos.
Dessa forma, as pessoas que são influenciadas por esses comportamentos assumem esses personagens não só para parecem com as celebridades e assim fazer “sucesso” no seu mundo real, como também para aparecerem na mídia e conquistarem seus 15 minutos de fama. É aí que observamos, mais uma vez, o poder que a mídia tem na vida social de pessoas comuns. A reprodução desses modelos continua generalizando as mulheres à categoria de “bunda arrebitada”.
Depois da participação da mídia na espetacularização do corpo feminino, em que as mulheres se tornam cúmplices da difusão dos estereótipos e dos preconceitos sociais sobre elas, tem-se como conseqüência a construção do perfil “mulher objeto”.
Mas o que é um objeto? Pelo dicionário Larousse Cultural, é um bem material fabricado para atender a determinado uso. E é dessa forma que as mulheres passam a ser vistas. Não mais como um ser humano pensante, mas como algo que não tem vida, não tem sentimento, não tem opinião. A aparência feminina é o que resume esses valores pessoais. A mulher só tem serventia para usar o corpo instintivamente, já que racionalmente não tem nada a oferecer. É reconhecida e auto-reconhecida pelas partes do seu próprio corpo, em que depois de ser usado pode ser guardado ou descartado, perante as regras que são postas pela mídia – “Seja magra, tenha cabelos lisos, olhos claros, porque é assim que será considerada bonita”.
Esses estereótipos são muito usados em propagandas de produtos de beleza. Os estereótipos são, na verdade, ótimos instrumentos de persuasão, já que mexem com toda uma história de vida de uma sociedade, com o conhecimento de mundo que ela tem. Quanto mais se chega perto da intimidade de uma mulher, mais fácil de convencê-la a fazer a novidade do momento: o alisamento japonês, por exemplo. É uma prática que deixa o cabelo liso por mais tempo, já que, ter o cabelo liso é imprescindível para estar inserida no grupo das belas mulheres brasileiras. É a tecnologia avançando para facilitar a vida dessas mulheres, tornando-as cada vez mais lindas e cada vez mais “coisificadas”. “A mulher sempre foi uma classe dominada na ordem masculina tradicional”.
Tornam-se descartáveis, principalmente para o sexo. Usou, não quer mais? Joga fora. Existem mais corpos disponíveis nesse mercado “bundalizado”. Não se valoriza o conteúdo.
É a mulher como produto de consumo. É o erotismo estimulado nos discursos publicitários, tendo como exemplos clássicos as propagandas de cerveja.
Ela mesma se orgulha de sua função (“mulher objeto”) dentro desses espaços de propagação ideológica, pois se orgulha do que é valorizado (a bunda). Não está como um ser pensante e sim como um objeto de decoração apreciado por homens e mulheres.  Trecho retirado da obra A Máquina de Narciso de Muniz Sodré.
Mas esquecem que objetos não mudam, não envelhecem, não engordam. E quando se dão conta de que a “perfeição” não dura para sempre, apelam para as cirurgias plásticas.
No Brasil, isso é alarmante, pois as mulheres, em desespero para continuarem a ser admiradas e invejadas, retardam o envelhecimento, fazem super dietas. A revista Época assinala:
São as mulheres as mais preocupadas com os padrões de beleza. Graças a elas, o Brasil ocupa o primeiro lugar em cirurgias plásticas com fins estéticos a cada ano - 400 mil operações, sem falar em implantes de silicone e aplicações de toxina botulínica (Botox) e ácido hialurônico (Restylane), a febre do momento no combate às rugas.
Um corpo almejado. Um corpo “perfeito”.
O domínio, a consciência de seu próprio corpo só puderam ser adquiridos pelo efeito do investimento do corpo pelo poder: a ginástica, os exercícios, o desenvolvimento muscular, a nudez, a exaltação do belo corpo. Tudo isto conduz ao desejo do seu próprio corpo através de um trabalho insistente, obstinado, meticuloso, que o poder exerceu sobre o corpo das crianças, dos soldados, sobre o corpo sadio. Foucault (1988:146)
O poder dos mass-media, com destaque a televisão, em construir e disseminar os discursos sociais faz com que se consolidem aspectos culturais de um país. No caso brasileiro, a cultura machista que ainda impera em pleno século XXI, sob a atuação dos atores sociais (homens, mulheres e mídia) citados na música que escolhemos porque reforça os estereótipos femininos que são, geralmente, depreciativos.
É dessa forma que surgem as “mulheres objetos”, identificadas por suas bundas, generalizadas pelos seus atos, discriminadas pelas próprias mulheres e descartadas pelos homens e pela sociedade.



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Segunda-feira, 29.03.10

O presente artigo visa abordar estas questões partindo da premissa que a gordura leva a uma exclusão socialmente validada, fazendo com que aqueles que a experienciam recorram a inúmeras práticas, saudáveis ou não, para fugir do preconceito, da intolerância e em última análise da invisibilidade social.
As recentes sucessivas e dramáticas mortes de jovens com transtornos alimentares demandam de todos nós uma reflexão mais profunda acerca do que significa a ditadura estética a qual uma parcela significativa de jovens mulheres parece estar submetida. Vale lembrar que, a prevenção destes quadros clínicos é dificultada, sobretudo nos extratos menos favorecidos da população, na medida em que não são entendidos como uma doença, mas como um estilo de vida, socialmente reforçado, como característico das pessoas de sucesso - traduzido muitas vezes no sonho de virar modelo e com isso conseguir: ascensão social, fama, sucesso, visibilidade e dinheiro.

Antes de qualquer análise mais acurada é preciso que fique claro que, óbvia e felizmente, nem todos estamos passivos e submetidos a esta ditadura, uma vez que, como sujeitos de desejo, a singularidade de cada um deve estar sempre presente ao analisarmos um fenômeno da cultura. Generalizações são sempre perigosas e a presente reflexão não deixa de lado as saudáveis resistências e a não passividade de todos aos ditames impostos pela cultura do body fitness ou do body modification. Elegemos, também, por uma questão metodológica, uma análise pela via da cultura, enfatizando, contudo, que mecanismos psíquicos, altamente complexos e singulares estão em jogo.
Não há como deixar de lado o aumento exponencial de casos de anorexia e bulimia (presentes desde a antiguidade) e tentar entender, também por este viés, como as representações da beleza foram mudando ao longo do tempo e seus efeitos no agenciamento da subjetividade.
De desígnio divino ou de limitações anatômicas, a beleza passou a ser um 'ato de vontade', 'de esforço' e um 'denotativo do caráter'. Como aponta Baudrillard, a sociedade de consumo traz a mensagem de que 'só é feio quem quer', "moralizando o corpo feminino" nas palavras do próprio autor. Processo semelhante ocorre com a medicina como veremos mais adiante. Se o corpo até a sociedade industrial era o corpo ferramenta, observamos agora que o mesmo passou a ser o principal objeto de consumo. Das academias de ginástica, dos anabolizantes, esteroides e anfetaminas que são consumidos como jujubas, das inúmeras e infindáveis técnicas de correção corporal, o corpo 'malhado' entrouem cena.
Beleza é artigo de primeira necessidade. Mas por ela você pagará um alto preço!
E quais os padrões de beleza da contemporaneidade? Seco, sarado e, definitivamente, magro! Nas palavras de Carla Reston (modelo de 21 anos que faleceu em dezembro de 2006 de anorexia), "vovó eu prefiro morrer a ser gorda". Mas esta fala não é única: "eu sei que vou morrer, mas até lá eu vivo magra", "quando me olho no espelho, não saio de casa".
Não à toa o termo empregado é 'malhar' - malha-se como se malha o ferro, marca-se o corpo numa busca que, muitas vezes, escapa dos limites do humano, ignora-se o biótipo brasileiro em busca de uma androginia que praticamente anula as características femininas. Também não é acidental que a gíria usada seja 'sarado' -, o que, em realidade quer dizer curado. Mas 'curado' de que? 
Curado de si mesmo pensamos ser a mensagem subjacente ou ainda, curado da grande fobia social - ser gordo numa cultura lipofóbica!
A medicina moderna, espelhando o imaginário social individualista, culpabiliza o doente pela grande maioria de suas doenças: se seu colesterol é alto, quem manda comer gorduras? Se você é diabético, a culpa é sua por não largar os doces. Está com hipertensão? Ora, mude seu ritmo de vida e leve uma vida menos estressante -, como se isto fosse possível!
Certamente se você for dotado de uma bela voz, pertencer ao mundo artístico e for abençoado com um talento especial talvez escape da discriminação. Contudo, de forma alguma isto invalida o argumento de que somos profundamente cruéis com aqueles que fogem dos padrões estéticos definidos como ideais.
Qualquer menina gordinha vai poder relatar as incríveis maldades que sofreu na escola,(o bullying está aí para nos provar a veracidade da afirmação), os apelidos horríveis que lhe foram dados e, frequentemente, como se sentiram excluídas. Mais grave ainda, somos absolutamente tolerantes com esta forma de discriminação. Como aponta Maisonauve (1981) em seu livro, a gordura é a forma mais socialmente validade de preconceito o que nos permitir criticar as pessoas gordas atribuindo-lhes a culpa por sua condição.
Não se trata aqui de culpar esta ou aquela agência de modelos - ideal de tantas meninas, mas de refletir como o corpo tornou-se um objeto persecutório para grande parte das mulheres. Do sonho de Cinderela surge com freqüência a perseguição da Moura-Torta.(Novaes 2001)
Em um interessante trabalho intitulado O Belo e a Morte, Medeiros (2005) vai destacar o lugar do corpo na vida psíquica das mulheres, como algo, nada trivial. Segundo o autor: "este é o palco e o cenário que descortina um drama tão antigo e arrebatador quanto as epopéias. Não por acaso foi a beleza de uma mulher, a causa da Ilíada, do destino dos Argonautas e do triunfo de Ulisses em sua Odisséia. 
Mas se o corpo é o palco deste drama onde o sujeito feminino interpreta sua inquietação diante das vicissitudes da beleza, quem estaria na platéia? Para quem ele representaria sua dor? De quem ele teria prazer em ouvir aplausos? "(pg 167)
Se há, felizmente, as que escapam, não podemos negar que temos uma longa tradição de negar nossos preconceitos - construímos em nosso imaginário a idéia de que não somos violentos, não somos racistas e somos extremamente cordiais. Isto nos levou a esta profunda situação de desigualdade em que nos encontramos. Ao invés de enfrentarmos o que de preconceituoso existe em nós, afirmamos nossa individualidade dizendo tratar-se de casos isolados e que, em realidade, não existe o preconceito.
Ora, sabemos que existem concursos que já estão solicitando o IMC (índice de massa corporal) de seus candidatos e que inúmeras empresas não contratam pessoas gordas - certamente a alegação é outra, mas o raciocínio segue pela seguinte linha - como a gordura é apenas uma questão de 'força de vontade', deixando-se de lado todos os outros aspectos envolvidos - da genética ao psíquico -, atribui-se ao sujeito a impossibilidade de agenciar seu próprio corpo. Ora, se você não é capaz de gerir sua própria vida com competência, como o fará em seu trabalho? E se o leitor pensa que estamos tratando apenas dos casos de obesidade engana-se. 
Não ter visibilidade social ou ser visto de forma negativa/pejorativa no imaginário social são os dois lados da mesma moeda, qual seja: retirar do sujeito uma das condições fundamentais para que o mesmo tenha garantida a sua cidadania, bem como sua saúde psíquica. Pois bem, é notória e consensual no campo das ciências humanas e sociais a afirmação sobre os riscos que corre o ser humano caso seja privado do contato e da interação com seus pares ou tenha a sua mobilidade nos espaços públicos e de sociabilidade limitada - todas experiências que conferem certa dose de reconhecimento da alteridade em relação ao sujeito.(Novaes e Vilhena,2003).
A situação fica ainda mais dramática numa cultura imagética como a nossa, onde, nos grandes centros urbanos, a visibilidade, reconhecidamente, assumiu um lugar de prestígio na obtenção do reconhecimento. Chegando ao ponto de podermos afirmar que este reconhecimento legitima/reitera para o sujeito a confirmação de sua existência, tirando-o, dessa forma, do anonimato da metrópole. A ausência do sentimento de pertencimento e a angústia da invisibilidade podem levar a uma experiência de aniquilamento da existência fazendo com que o sujeito se sinta excluído do todo social, como um pária que não participa das regras do jogo, cujo final, indubitavelmente, resulta numa experiência muito dolorosa para o sujeito. Existir é, antes de mais nada, apresentar a imagem para o Outro.
Mas retomemos os inúmeros distúrbios na imagem corporal - o crescente aumento da 'vigorexia' nos homens (situações onde jamais atingem o corpo ideal, percebendo-se sempre franzinos) apontam para a prevalência de uma estética 'apolínea' que em muito nos faz lembrar o filme de Leni Riffenstal Arquitetura da Destruição. Temos aqui, os ideais estéticos nazistas que apregoavam a perfeição dos deuses e a eliminação de tudo aquilo que era considerado 'imperfeito'. Sabemos aonde isto nos levou.
Quem define o 'imperfeito' - quem determina a estética? O mercado? O mercado não é uma entidade em si mesma - ele  é construído e apoiado em todos nós. Estamos, pois, no terreno da ética.
Termo bastante complexo, no momento, vai tomá-lo pela via da tolerância. Tolerância não no sentido de suportar, mas de acolher o diferente, a diversidade e o respeito ao outro.
Nada trará de volta as jovens (e, infelizmente, as que mais virão!) nem eliminará o horrível sofrimento de suas famílias - por isto mesmo temos uma dívida com elas. Denunciar o preconceito e as inúmeras pressões a que tantas mulheres e jovens são submetidos; parar de banalizar Ana e Mia (anorexia e bulimia nas páginas do Orkut). Longe de amigas, Ana e Mia são presenças mortíferas na vida de tantas jovens; questionar a sociedade em que vivemos onde o consumo desenfreado leva-nos, frequentemente, a abdicar de valores que sempre sustentaram nossa integridade; gritar cada vez mais alto que cada um de nós é dono de seu corpo e que este foi feito para nos servir e não para nos aprisionar. Enfim, reconhecer na diferença do outro a sua riqueza e singularidade, uma vez que é esta diferença que enriquece nosso convívio em sociedade.



publicado por araretamaumamulher às 14:08 | link do post | comentar | favorito

Sexta-feira, 19.03.10

 Se os meios de comunicação se interessaram pouco ou quase nada por divulgar dados da pesquisa disponível no Instituto Patrícia Galvão sobre os índices de violência contra a mulher nos estados de Pernambuco e de São Paulo, não foi por acaso. Se os dados da OMS sobre a violência contra a mulher no Japão, a mais alarmante entre os países desenvolvidos -- atinge mais da metade da população feminina--, não espantaram as editoras das revistas e cadernos femininos, e nem viraram manchetes, também não foi por acaso, mas por linha editorial.

Para nossa mídia especializada em assuntos femininos, a bofetada em si interessa menos do que o pancake para disfarçá-la. É um assunto espinhoso e delicado vincular a vaidade feminina-- especialmente num país como o Brasil, repleto de mulheres batalhadoras e pobres que apanham diariamente --, ao alto índice de violência contra mulher. Mas daí a ficarmos presos aos índices, ignorando a patologia das relações sadomasoquistas, já seria ingenuidade. Rever o papel da mídia na banalização do feminismo, que chegou sem gordura, completamente light ao cérebro das leitoras, ouvintes, telespectadoras e internautas, as formadoras de opinião, é direito da mulher e até uma questão de cidadania.

Comparar uma revista Cláudia do início dos anos 1980 a uma revista Cláudia atual, é o melhor atestado do desempoderamento interno que sofreram as mulheres. Na década de 1980 os direitos das mulheres eram pautas de matérias e de artigos, os índices de separações saltavam, nascia à nova mulher, que podia trabalhar sem culpa, viver sozinha com os filhos, exigir pensão, casar de novo e demonizar os homens à vontade. Depois disso, ali pelos anos 1990, a nova mulher já era um ser humano bem esquisito, estava pouco se lixando para as causas de seus condicionamentos e nem de longe olhava para as Marias do morro com fraternidade.

Hoje, como se fosse questão resolvida, a que foi abortada assim que o mercado se abasteceu com a nova força de trabalho; o assunto é beleza, caça aos machos, como cuidar dos filhos sem ter que conviver com eles e outras idéias marqueteiras, ineficientes e egotistas. A demonização dos homens, entre todas as bandeiras, é a única que flameja, já aparece nas escolinhas de ensino infantil em meninos frágeis ou raivosos e meninas superpoderosas e vaidosas ao extremo. Mas o que isso tem a ver com os índices alarmantes de violência contra a mulher? Tudo, tudo o que ficou para trás quando o feminismo virou a casaca na década de 1990.

Na pesquisa disponível no Instituto patrícia Galvão surpreende um dado sobre a violência contra a mulher: ela não se reduz aos lares mais pobres, ocorre na classe média e na alta. Caberia à mídia especializada questionar o que basicamente separa a mulher que apanha daquela que não apanha, o homem que bate do que nunca bateu. Há mulheres que nunca apanharam aqui ou no Japão. Elas são encontradas entre profissionais de várias áreas e entre donas-de-casa que nunca trabalharam fora. Há homens pedreiros que nunca bateram e há médicos, engenheiros, advogados, professores, jornalistas, empresários e bancários que espancam suas mulheres. O terreno é argiloso, engloba subjetividades e certamente não cabe à mídia vitimar ainda mais as mulheres que apanham ou demonizar os homens que batem. Seria mais interessante e produtivo questionar as pautas que dengam as mulheres, fragilizando-as diante de seus próprios corpos, portadores de seios que já não servem para a função biológica, que têm deixado de ser livres, cheios de artérias que causam prazer sexual, mesmo molenguinhos, para se transformarem unicamente em objetos fálicos de provocação do desejo masculino.

Para entendermos melhor a vitimização da mulher, que só aumenta os índices de apanhadoras, seria urgente que as editoras e repórteres que cobrem a área, se interessassem um pouco menos por cremes e tinturas, roupas, grifes e fugas do relacionamento humano com o companheiro e os filhos e investissem mais no resgate do corpo feminino, uma fonte de vida e de prazer, capaz de suportar dores das condições femininas, que servem para torná-lo mais forte, que engrandecem o caráter da mulher a ponto de jamais ser violado sem o desejo ou a vontade de sua dona.
Mas quando a mídia violenta o corpo da mulher, banalizando-o como objeto de desejo masculino em primeiro plano, quando denga a mulher perdoando seu medo de viver as dores inerentes dos processos maternos, e aí entram o obstetra e o pediatra; quando em nome da manutenção de um corpo eternamente jovem, a mídia especializada arranja soluções plásticas e hormonais; e aí entram os cirurgiões e os endocrinologistas, então temos a fabricação em série de mulheres fragilizadas, vítimas em potencial, que não sabem ao que vieram nesse mundo além de adorar seus machos e submeterem-se à violência. Fica a impressão de que as nobres editoras e repórteres nunca folhearam um livro de Simone de Bevoir, nunca ouviram falar de Carmem da Silva, Marina Colasanti e nem ao menos sabem do que se trata coisa menor, como o Complexo de Cinderela, livro digestivo escrito pela americana Collete Dowling, que sozinho já engrossaria o caldo de uma matéria melhorzinha. 
Não deveriam os meios de comunicação apenas revelar os números e jamais cair no erro de vitimar as mulheres que apanham, deixando-as no lugar de coitadinhas. O sadismo só funciona com o outro lado da gangorra: o masoquismo. A mulher que apanha não precisa só de delegacia da mulher, precisa de informação, precisa compreender seu comportamento masoquista, formado a partir de prazeres genuínos que ela própria abdicou em troca de prazeres banais, que não a alimentam de fato, não a fortalecem como indivíduo diferenciado do homem. O beicinho, a provocação, a sedução, os chiliques, o lado mau da mulher precisa emergir, do mesmo modo que é preciso resgatar -- e a mídia deveria exercer um papel fundamental nisso -- os direitos femininos, abortados no meio do caminho da revolução feminista, que começou bem, mas virou uma espécie de fascismo da vaidade.
Falta muito aos meios de comunicação que cobrem o universo feminino, falta divulgação de dados e fatos, mas falta principalmente sair de fora e entrar para dentro do corpo feminino, uma grande fonte de riqueza, amor e poder humanístico. As perdas são talvez irreparáveis e as crianças tenham sido as maiores vítimas dessas guerrilhas entre as coitadas e os demônios. A divulgação de dados referentes à violência contra a mulher é apenas um fio da meada e se os meios de comunicação ficarem presos às conseqüências, sem entrar fundo nas causas e no como eles mesmos fabricaram essa involução, nenhum passo será dado, além da bateção na eterna tecla do homem demonizado, o homem-objeto. Esse homem que foi produzido midiaticamente para viver ao lado da nova mulher, que não nasceu de fato, pouco resolveu de seu machismo ancestral e nem poderia; mal estava saindo da casca, deu de cara com o poder do silicone, é enfrentado diariamente por deusas turbinadas das capas de revistas, que ele não pode ter porque não tem como pagar. A mulher virou um bem de consumo e pobre ou rica, ela está voltada para fora de seu corpo, insatisfeita, subjugada por ela mesma em primeiro lugar. Morreu de vaidade a nova mulher que prometia emergir; está mais ignorante e menos sensível, mais competitiva e menos corajosa.
Se a dama da sociedade só pensa em plásticas e as realiza, retaliando-se inteira para conseguir mais um up grade nas armas de sedução; as Marias estão pregadas nas novelas, economizam para comprar creme de aveia barato, se ressentem com o descascado do esmalte de quinta categoria, sonham em não ser elas mesmas, também aviltadas pelas capas que exibem a tez macia das celebridades.
O que sobrou do feminismo além de um certo direito a um empreguinho, uma tripla jornada e um total desentendimento das relações humanas afetuosas, foi depurado pela peruíce generalizada das formadoras de opinião, elas próprias preocupadas com creminhos e soluções milagrosas para reter o tempo a fim de não perder as armas que derrubam os peludos neandhertais. Tratado como objeto, castrado em seu poder ancestral de perseguir a fêmea, transformado em caça e presa fácil, o homem menos apto corticalmente e mais primário emocionalmente, faz jus ao modelo demonizado. De fato existe, precisa responder por isso judicialmente, mas caberia à mídia dar uma destrinchada básica no papel da mulher nessa história. A submissão, esse masoquismo típico da mulher que abriu mão de lutar pelo direito de ser, anda de mão dadas com o sadismo, mas o sádico machista, em casa ou no trabalho, nos consultórios médicos ou no meio da rua, não encontraria continência na mulher dona do próprio corpo.
Agora, caberia à mídia, que em conluio com a indústria médica e cosmética, conseguiu fabricar uma mulher que se dá o direito de não menstruar, não parir, não amamentar, não amadurecer hormonalmente e afetivamente, desfazer esse novelo que fragilizou a mulher trancando-a a sete chaves no lugar mais primário da evolução feminina: o da submissão aos homens.

 
 



publicado por araretamaumamulher às 13:40 | link do post | comentar | favorito

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