Terça-feira, 11.05.10
Considero-me e aos outros responsáveis pela sua morte, e também sinto inveja e ciúme das mães com filhos vivos, ressinto-me daqueles que acho não merecedores da vida ou merecedores da morte e sinto raiva de você meu filho por ter morrido e de Deus por ter te levado. Ninguém consegue me dizer “nada de certo”, dias em que “grito para todos”. Estes sentimentos são tão estranhos só podem ser reconhecidos por via da negação. Eles são vividos como “não eu” não-possibilidades temidas que ameaçam transformar-me em uma “identidade negativa”, na pessoa que eu sempre evitei ser. Vejo como sinais da insanidade que se aproxima e se iludo a fim de escapar de meu caráter inerentemente conflitivos. Por exemplo, a fim de negar a sua morte. Tentei “escapar” por meio caminhadas, compras, ou mesmo viagens. Já que “escapar” envolve escapar de mim, dos meus auto enganos temporariamente bem sucedidos frequentemente culminam em experiências de desligamento da realidade e despersonalização. Como pode ser visto, os meus auto-enganos são bastante dolorosos; portanto, também são conflitivos. Eu, então, luto contra eles tanto quanto os gero. Sou inextricavelmente atraída para o momento e o dia da sua morte é perseguida pela imagem de seu corpo. Construí uma imagem a da cena da sua morte e empreendo uma vigília na qual espera pelo seu retorno em horas rotineiras do dia durante épocas tradicionais do ano. Repetidamente revejo a cena da sua morte e minha reação ao ser avisada a respeito dela, assim como várias cenas de nossas vidas juntos. Estas repetições são essenciais para mim; elas constituem minha luta para aceitar o fato e a finalidade da sua morte. Nunca vou compreender isto plenamente. Existe sempre uma outra situação que revela outro significado. Tenho que viver com os aspectos desconhecidos da vida, morte e do futuro prematuramente interrompido, com minhas fantasias sobre o que poderia ter sido. Vivencia esta frustração ao procurar uma razão para a morte, ingenuamente “reduzindo” o significado da vida ou da sua morte, ou persistentemente perguntando a Deus porque o filho morreu. Eu me pergunto, até onde você poderia ter ido... E, então, em uma fração de segundo, tudo aquilo que se foi.... Eu não estou furiosa com Deus, mas eu me pergunto por que você partiu... Assim mesmo... Eu sei que continuo me questionando.” Minha incapacidade em fugir do significado da sua morte resulta em incontroláveis ataques de choro que a esvaziam e esgotam e em sentimentos de fraqueza, solidão, ânsia, indiferença e incapacidade. Tristemente, entretanto, sinto me abandonada pelos outros. Eles retiram-se na crença de que a sua morte de é insuportável, é como se a dor deles, fosse maior do que a minha, vivo estas repulsas e concluo que somente outros pais enlutados podem entender-me. POSTADO POR UMA MULHER


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Segunda-feira, 10.05.10
Eu tenho uma dor dentro de mim que não consigo me livrar. É como se uma parte minha estivesse sendo dilacerada. Presa dentro desta esfera conflitante, temo que serei dilacerada por minha dor. Partes do meu corpo, especialmente meu estômago e ventre, detém meu filho. É como se eu estivesse sofrendo um ataque contra o qual só posso lutar conflitantemente; como a morte do meu mundo; como a destruição do meu passado, presente e futuro. Tentei viver o presente como se você ainda estivesse vivo, mas fui derrotada. Depois tentei viver como se sua morte não tivesse alterado de maneira irremediável a minha vida, mas também fui derrotada nesse esforço. Então agora sei que estou sendo atacada pelo meu luto e pela morte...Sou forçada a viver num mundo que não inclui a sua presença viva, nem a possibilidade dessa presença posso ter. Posso escolher entre lamentar ou não esse fato, mas não tenho escolhas quanto a viver nesse mundo sem você. Sua morte para mim, não foi somente a morte do seu corpo, ou de um ser particular, não foi muito mais, foi a morte do meu mundo constituído. O meu mundo temporal vivido dia a dia, mês a mês... As coisas triviais que você gostava, que fazia, mesmo nossas brigas e discussões, que antes eram possibilidades, agora representam as impossibilidades. Ainda não consigo olhar para um doce de leite, suspiro, fazer chá matte, fazer massagens, e tantas outras coisas porque sei que você nunca mais vai esta aqui para apreciar. Eu sinto sua falta terrivelmente... No inicio estava abrigada pelo estado de choque, atordoada com a enormidade da minha perda, incrédula de que isso realmente tivesse acontecido comigo. Nunca mais você irá participar criativamente, surpreendentemente, ou mesmo previsivelmente de um diálogo comigo. Minha angústia em confrontar rejeitar, provisoriamente aceitar o significado desta finalidade estrutura meu luto. Incorporei a sua morte como um vazio que não posso preencher. A sua inexistência é meu vazio. Você sabe, nós brincávamos o tempo todo e isto tudo simplesmente se foi. Agora, qual é o meu sentimento? O que eu sinto? É somente um vazio... Você se foi... Assim. Eu penso às vezes também, se você tivesse ficado doente, ou se nós o tivéssemos visto, você sabe, sabendo que nunca ia melhorar, eu não sei se isso teria feito alguma diferença. Eu tenho sentido frio à noite. POSTADO POR UMA MULHER

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Quarta-feira, 05.05.10
Ainda me lembro de quando estava grávida de você, lembro-me de que foi uma época especialmente difícil para mim. Foi a confrontação da realidade que minhas escolhas foram totalmente erradas, baseadas em desespero, em erros que me levaram a outros erros... Quando fiquei grávida de você, não pude mais deixar de enxergar que o pai que eu escolhi para vocês, que o homem que eu escolhi para viver ao meu lado, era na realidade um monstro. Uma pessoa sem a menor sensibilidade ou empatia pelos problemas do outro, mesmo que esse outro fosse eu, sua irmã ou você. Alias para ser realista, não mesmo que se fosse, é principalmente se fossemos nós. Um homem capaz de caluniar, de fazer com que minha vida se tornasse um verdadeiro inferno, pelo simples fato de que isso lhe dava prazer, ainda não sei o que dói mais, se o fato de ter sofrido tanta violência durante minhas gravidez, ou se o fato de ter descoberto que elas foram muito bem planejadas..., talvez isso tenha começado a influenciar você, ficávamos sozinhos sua irmã, eu com você dentro de mim, o dia todo, tendo como comida arroz e tomate, outras vezes ovos e arroz, o pão era comprado nas promoções e vinha de cinquenta ou até mais e ai tínhamos que come-lo ao longo do tempo do jeito que tivesse....mas não era por falta de dinheiro, dinheiro esse monstro sempre teve muito, era por pura crueldade...meu Deus como demorei para descobrir isso, como eu me achava poderosa a ponto de acreditar que eu tinha o poder de mudar uma mente tão demoníaca... Lembro do dia que você foi nascer eu e sua irmã, fomos ao ginecologista, porque já fazia dias que eu não estava me sentindo muito bem. Ela disse que você já estava passando da hora de nascer, que teríamos que fazer o parto o mais rápido possível, quando sai da clínica e fui descendo a rua, sua irmã disse que já estava cansada... Ela tinha apenas quatro aninhos, eu a peguei no colo, nesse momento seu pai passou de carro, parou perguntou por que tínhamos saído de casa, eu disse, disse que tinha que ir urgente para o hospital, você já estava querendo vir ao mundo a muito, ele simplesmente me disse então vai pra casa com a menina, que mais tarde eu vou lá te pegar... Meu Deus, quanta falta de consideração, quanta falta de humanidade... Muito tempo depois eu fui saber que naquele momento estava indo temperar uma carne para um churrasquinho com os amigos de pescaria... Lembro-me que quando você tinha vinte dias tive que te deixar com uma empregada e sair para buscar trabalho, porque não aguentava mais aquela vida de miséria, de calunia de difamação, de descaso... Sabe “Vi” uma cena que não me sai da cabeça é quando você fez um aninho, eu consegui comprar um velotrol para você, fiquei tão feliz, e você quando recebeu o presente, lembro até agora da sua felicidade montado naquele velotrol azul, que comprei com o meu salário, seu pai estava em uma pescaria como sempre, quando chegou nervoso, ele estava “nervoso” com a gente, ele chutou o velotrol até quebrar o guidon, lembro da tristeza estampada em seu rostinho, da dor que você deve ter visto espada em meu rosto... Uma semana depois ele arrumou um pedaço de pau e arrumou o guidon, mas eu sempre que olhava para o velotrol me lembrava dos coices, e acredito que você também. Você aprendeu muito cedo meu filho a violência, a mais extrema e cruel forma de violência, a que é cometida com os seus, a violência silenciosa que não podia sair de dentro de nossa casa, a violência que tinha que ser fingida, escondida, engolida... Talvez por isso você roía sua unhas, assim como eu comia muito para esconder dentro do excesso de gordura o medo, a humilhação, a dor, você roía suas unhinhas para não externar a barbaridade que estávamos todos nós vivendo, experimentando...foram anos terríveis aqueles, alias você meu filho teve uma vida difícil muito difícil, tenho que admitir isso, fico me perguntando porque só agora tenho consciência de tudo isso? POSTADO POR UMA MULHER


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Terça-feira, 04.05.10
Ser mãe é padecer no paraíso, quanta alegria e celebração à mulher que pode dizer isso – ela é mãe de filho vivo. Mãe de filho morto é mulher que desce ao inferno da dor, do desespero e da depressão. Sua vida, de céu não tem nada, há apenas um quedar-se insone, ansioso e impotente diante de um destino que não pode mudar. Se mães pudessem pressentir a morte inesperada de filhos, em crimes e acidentes, ou salvá-los de morte anunciada por enfermidade que vai se estendendo, simbolicamente tentariam aquilo que é fisiologicamente impossível: pelo mesmo e agora já inexistente cordão umbilical, através do qual os colocaram no mundo, os trariam de volta ao aconchego do útero. Sim, é nele, útero, que a constante dor emocional da morte, quase sempre psicossomatizada, lateja fisicamente. Sinto dores intensas em meu útero até hoje – útero que já foi preenchido pelo feto, feto que virou filho, filho que virou sepultura. A dor não passa jamais. Emocional e fisicamente, é como se ela fosse mudando de lugar e me machucando em espaços diversos. O falecimento de um filho é dor que dói na alma e no corpo. Não há superação, mas tão somente adequação de seu dia a dia ao sofrimento. Às vezes, quero acreditar que o meu filho não morreu. Há uma razão para isso, pendulando entre a filosofia e a biologia, essas duas áreas do conhecimento que são também elas, mães – preciosas mães do entendimento da condição humana: existem na vida dois fenômenos irreversíveis, ou seja, a maternidade e a morte. A mulher é uma mulher e quando dá à luz passa a ser uma mulher-mãe. Se seu filho morre, ainda assim ela continua sendo mãe. “Não existe ex-mãe”. A DIFICULDADE DE OLHAR NO ESPELHO Acredito que para toda mães que passa por uma experiência dessa a vida muda naquilo que é mais perceptível, ou seja, na rotina, na saúde, no ânimo e nos projetos. Mas muda também, e em doses alucinantes de padecimento, naquilo que é inconsútil, mas se torna marcado para sempre: a alma. “Onde está o meu Vi para eu abraçar, cuidar, beijar”? É como amputar um braço, não se recupera mais. É uma dor que é um buraco que nada preenche. Falou-se em alma da mulher-mãe, falou-se no desejo impotente de amparar o que já é inerte e assim faz-se necessário voltar aqui à teoria do luto. O que é essa alma? Como se dá o processamento da irreversível perda? O projeto de maternidade, bem como a maternidade consumada, é para a mulher uma espécie de “prolongamento de seu ego”, assim ensinou a humanidade o criador da psicanálise, Sigmund Freud, e dois de seus mais geniais seguidores – embora tenham rompido com o mestre no andar da carruagem do conhecimento humano – Melanie Klein e Jacques Lacan. Pode-se dizer, mesmo, que “é um ato narcisista da mulher e na criança ela vai projetar a si própria, o que não quer dizer que não a ame profundamente e para sempre”. Assim, quando o filho morre, três dores se sobrepõem. Em primeiro lugar, o “espelho-lago da mitologia de Narciso”, presente em todos nós, se parte e muitas mães órfãs mal conseguem olhar-se de fato num espelho de verdade. Eu não conseguia no início olhar no espelho, o meu olhar sangrava a minha alma. Fiquei oca. Em segundo lugar, a morte do meu filho interrompeu toda a perspectiva de futuro que depositei nele, inclusive o futuro de ver seus genes se fortificarem e se perpetuarem – essa é parte emocional e novamente não tangível, mas contam também os projetos visíveis de vê-lo estudar, viajar, fazer dele uma pessoa e tê-lo como uma grande e constante companhia. Com ele vivo o mundo era uma escada rolante subindo; quando ele morreu, nem se pode dizer que essa escada rolante parou. Na verdade, ela desceu despencando. A CULPA POR ESTAR VIVA Ocorreu em mim uma inacreditável descontinuidade. Eu perdi meu presente e, sem presente, naufragou meu futuro. Finalmente, a morte de um filho interrompe o inexorável, mas natural caminhar do tempo: estamos culturalmente preparados para assistir, primeiro, à morte de nossas bisavós, avós e pais – ou seja, daqueles que primeiro chegaram ao mundo. O falecimento do descendente, portanto, interrompe essa ordem estabelecida de vida e morte e a mulher-mãe enlouquece ao triste estilo dos incrédulos que não se cansam de perguntar “por que, por quê? Por quê?”. Dá culpa muito sentimento de culpa. Em meu caso, também a culpa, como se culpa houvesse, se desdobra em dois planos. Novamente a culpa da alma, a da ordem natural interrompida de nascimento, crescimento, envelhecimento e morte. Há o desespero que somente a desesperada sabe qual é. Agora, no angustiante luto cercado de símbolos, eu atravesso noites a fio me indagando: “Vi” essa cena não está invertida? Não sou eu que tenho de estar morta e você vivo? Despedaçada prossigo. Na subversão do tempo dos vivos e dos mortos, quando gente pequena morre antes de gente grande, ou na “traição do tempo”, como às vezes prefiro definir, já não vale o lugar-comum que repetimos e julgamos toda dor aplacar: “Dê tempo ao tempo que a dor passa.” Não. O tempo estanca e não há lenitivo; e entre aqueles que se especializam em cuidar delas é impossível quantificar um período de luto. “Perder um filho é o maior stress que o ser humano pode passar. Não dá para dizer quanto dura esse luto, ele pode ser eterno”, diz a psicólogo Éster Affini, especializada no atendimento desses casos. Luto eternizado e tempo estancado. Que nome dar a essa dor? Essa dor não tem nome. POSTADO POR UMA MULHER


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Sexta-feira, 30.04.10
Sentimos frustração, raiva, em alguns momentos a dor é tão grande que é necessário o auxílio de alguém, pois não dá pra carregar sozinha. Existe uma experiência que todo ser humano compartilha que é a PERDA de alguém ou de algo muito próximo. Esta situação repentina, súbita, mas o que também há de comum é que jamais temos o poder de controlá-la. Isto faz com que soframos muito. Lembranças e sentimentos permeiam este momento e muitas vezes nos sentimos derrubados e até mesmo incapazes de conseguir continuar respirando. São sensações físicas, emocionais e espirituais desagradáveis e que se alternam de forma a não conseguirmos controlar. Perguntamos o motivo daquela PERDA e daquele sofrimento, mas no momento exato da PERDA não conseguimos tirar nenhum ensinamento... Apenas sofremos. O sofrimento, a dor é a finalidade! Há uma realidade indiscutível: o ser humano aprende na dor e não no amor. O sofrimento expressa nossa insegurança básica e nosso medo do abandono, a certeza de que vivemos num mundo no qual controlamos muito pouco ou quase nada. Sentimos o desamparo e a vulnerabilidade, somos obrigados a encarar todas as emoções sem anestesia. Na verdade não queremos nos deparar com tudo isso, pois nosso instinto básico é “evitar a dor”, digo, “evitar o desprazer”. Vivemos no mundo dos opostos, assim como existe o dia, existe à noite; existe em cima e em baixo; existe o positivo e o negativo para nos sentirmos humanos. Não é possível usufruir as emoções positivas sem conhecermos as negativas, até para que possamos ter termos comparativos. Por esse motivo é tão importante enfrentar e experimentar as emoções negativas, sem negações ou repressões, para que não retardemos nosso crescimento emocional, psicológico e espiritual. Sentir a nossa maneira, pois não existe a forma certa ou a errada de sofrer. Infelizmente vivemos numa sociedade hipócrita em que os verdadeiros sentimentos devem ser escondidos e comedidos dentro da expectativa do outro. Não é saudável reprimir nossos sentimentos, quanto mais à dor da PERDA. Quando morre alguém que amamos, perdemos o emprego ou uma amizade, perdemos um pouco da esperança tristeza e perplexidade. Sofremos pelo que não foi feito ou dito, ficamos nos perguntando o que mais poderíamos ter feito ou o porquê de morrer os bons e os maus não... Ou porque morrer uma criança de 16 anos, cheio de vida, com todo um futuro para frente, com tantas coisas a fazer, a aprender, a doar, como o meu filho e não um doente em fase terminal que está sofrendo em um leito de hospital? A maioria de nós não está preparada para ter arrancado de si alguém ou algo importante, portanto toda perda nos remete a determinadas fases. Nossa primeira reação a uma perda é o “choque”, a descrença total. Por não estarmos preparados, quase sempre somos apanhados de surpresa. O mundo vira de cabeça para baixo e perdemos completamente o controle de tudo. Não conseguimos entender o ocorrido e ficamos meio que anestesiados. O impacto nos impede de reconhecer como fato real. Ficamos entorpecidos, as pessoas falam conosco e nada compreendemos. O choque é um mecanismo de defesa quando o sofrimento é demais e não somos capazes de lidar com as consequências da PERDA. Quando o choque começa a diminuir, passamos entender a realidade. A “negação” está diretamente ligada à etapa anterior e as duas ocorrem quase que simultaneamente e são defesas. Quando negamos, evitamos o confronto com a realidade. O tempo que cada fase demora na vida de alguém não dá para prever. A raiva e a tristeza são sentimentos que fazem parte do que sentimos no momento que perdemos algo ou alguém. Corremos o risco do afastamento da realidade de que a dor é parte da vida e não há vacina contra PERDAS. Senti raiva da forma como perdi o meu filho um acidente, e se tinha mais dois amigos dele com ele, porque só ele morreu, por quê? Não consigo até agora assimilar isso direito. Contudo sei que esse sentimento de raiva prolongado mina o meu emocional e o meu físico, assim como a tristeza desmedida que sinto pode tornar-se uma depressão. Mas não consigo controlar a culpa. Imagine uma mãe que perde seu filho em um acidente? A aceitação é a fase que estou tentando aprender agora nesse processo de perda. Quando aceitamos efetivamente a situação como ela é, com dor e tudo, quando reconhecemos que nada poderia ser feito e que tinha que acontecer e que nos resta “catar” os pedaços, aprender com tudo aquilo e recomeçar. Recomeçar dolorido, porém mais forte. Não há regras estabelecidas ou limite de tempo, mas a força da vida estará atuando sempre ao tomarmos consciência de que a vida nos é dada com um determinado número de situações que não podemos controlar ou mudar. Neste momento podemos reinvestir em nós mesmos e em nosso futuro, somos capazes de aos poucos ir optando pela vida, revendo valores e tomando decisões que nos beneficiam. Seja qual for à decisão, será sempre uma oportunidade surgida do que PERDEMOS e, embora a vida não possa mais voltar ao que foi um dia, ela tem a capacidade fabulosa de renovação e de descoberta de novos caminhos. Certamente há sempre coisas a fazer enquanto habitamos esta sala de aula que se chama Terra. POSTADO POR UMA MULHER


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Quinta-feira, 29.04.10
O que se passou com o Vi? Porque ele não conseguiu acreditar em outra saída senão a de ir para o caminho que ele estava trilhando? Eu sabia de sua agressividade, muitas vezes de uma freqüência assustadora, passando a ocupar territórios essenciais na idade ainda em transição e que se apresentavam em seus abalos e turbulências muitas vezes incontornáveis. Dos seus adoecimentos, sentidos e sofridos. Havia em você meu filho uma impulsividade que é própria do adolescente. Mas os conflitos estavam, presentes, e produziu seus efeitos desastrosos e devastadores, que irrompem de uma maneira traumática, irrisória, drástica, assustadora e, até mesmo, insana. Foi um movimento por demais agressivo, inconsciente, mas que apresentou força suficiente capaz de promover danos irreparáveis. A sua violência era desencontrada, contra você mesmo. Perdi as contas de quantas vezes eu fiquei a noite pensando nessa sua raiva interna, nessa violência que você trazia dentro de você. Filho você se comia em vida, roia suas unhas, comia suas sobrancelhas. Era uma violência surda, que acredito que você mesmo tinha medo do poderia acontecer. Hoje eu acredito que você estava sofrendo os embaraços da dor herdada, da violência que você presenciou durante toda a sua infância, não só presenciou como também foi vitima. Por alguma razão, você não conseguiu reverter o rumo da história recebida, daí, sofreu os efeitos devastadores dos ideais contrariados de seus ancestrais. Por alguma fragilidade psíquica você não conseguiu se dar a chance de assumir e se apropriar de sua própria história retificando a má sorte que uma equação de vida lhe impôs como algo tão maldito. Não há culpados na história. De algum modo tenho que me tornar responsável pela história que você recebeu. Foi o peso desta história recebida que te levou a não suportar viver? Uma história que se estrutura pelo viés dos efeitos de inconsciente – de uma boa ou má sorte – que ela mesma instaura. A herança simbólica que cada um de nós recebe, até mesmo antes do nascimento, com a interrupção de uma vida, cessará de ser transmitida para filhos e netos, restando, nesse vazio, nada mais que um ponto de sacrifício habitado por interrogações silenciadas. Herdamos uma vida por onde florescem todos os pecados do mundo, vale dizer, do pai, da mãe, dos nossos antepassados. Votos de vida e votos de morte. Cada um de nós terá que aprender a lidar com a sua história de uma maneira particular, a partir de um estilo de vida. Mas temos oportunidades e meios para mudar os rumos de uma má sorte. Eu desejava que você vivesse cada vez mais. Queria ter podido te dar uma boa infância, e que você pudesse ter tido a chance de participar das brincadeiras com outras crianças. que crescesse e se tornasse independente que estudasse e cursasse uma universidade, que encontrasse um caminho vitorioso na vida amorosa e profissional. Queria mais ainda, deseja, verdadeiramente, que você estivesse presente quando eu morresse que você enfrentasse e superasse as dificuldades. Mas tenho que admitir o medo, a covardia, e a mascara da vitima coitadinha, não me deixaram tomar uma atitude que pudesse ter proporcionado a você e a seus irmãos, tudo isso que qualquer criança tem como direito nato. Eu os privei de uma vida normal, os privei quando não tive atitude para mudar o rumo de nossas vidas. Eu não te perdi, eu perdi, perdi tudo. O buraco que ficou é um rombo. Você carregou algo de cada um de nós, que, por sua vez, algo de você está em mim, em sua irmã e no seu irmão, para sempre. Também nas vizinhanças, há ressonâncias dos estilhaços de perdas que promovem feridas por vezes não cicatrizáveis. A perda de um filho. Eis, aí, a dor maior que habita a alma humana. O que se passa aqui? Não somos mais os mesmos, logicamente. A sua morte provocou uma desestruturação, uma quebra dos vínculos, uma ruptura dos laços que sustentava uma então cumplicidade necessária para se viver em família. Mas alguma coisa ainda vive aqui para além do que se poderia imaginar. O tempo não curou. Não há mais lugar para a alegria, para o diálogo. Ela está pesada, pesarosa. Estamos fechados em nós mesmos. Não podemos respirar vida. Eis o problema maior. Não há lugar para a palavra, ela não circula. Você está posto, alocado em proporções distintas em cada um, de nós, fazendo parte, impedindo que a falta se coloque, que possa circular, dando a ver lugar para a fala e para a palavra. Desejos amortecidos, ninguém se autoriza desejar. Estou imersa num gozo culposo e lamentador. Caindo na ressente da dor da perda, não faço outra coisa senão ruminar dentro de mim o peso de um fracasso. Questiono-me sobre o acontecido, sobre minha parte nisso tudo. POSTADO POR UMA MULHER


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Segunda-feira, 26.04.10
Um dos maiores obstáculos para uma vida harmônica, plena, mais expressiva e significativa é o medo de perder, sobretudo medo de perder alguém, o medo de perder quem dizemos amar: cônjuge, filhos amigos, patrão, empregado, cliente... Esta emoção é a principal responsável pelo nosso sofrimento vital. O medo de perder é o medo de tornarmos dispensáveis para a pessoa com a qual estamos nos relacionando, ele se reverte de mil e uma formas, aparece sobre mil disfarces, como o medo de sermos criticados, que falem mal de nós, medo de que nos humilhem, de sermos rejeitados, de não sermos importantes, de sermos menos prezados, de não sermos amados, medo da solidão, e tudo isso pode ser designado por uma palavra : Ciúmes! O ciúme é o medo de não ter alguém, de não possuir alguém, de não ser dono de alguém. Na relação ciumenta colocamos: nós e o outro como objeto, nesta relação pessoas e objetos são a mesma coisa. No ciúme temos medo de um dia sermos considerados inúteis, dispensáveis a outra pessoa, esta é a emoção do apelo, confusa, misturada, dependente e o que agrava é que na nossa cultora aprendemos como se o ciúmes sendo amor, e ele é justamente o oposto do amor, pois na relação amorosa existe identidade, eu sou independentemente de você, na relação ciumenta, por outro lado, perde-se a identidade: eu sem você não valho nada, você é tudo para mim. O amor é solto, é livre, vem de querência intima, está diretamente ligada ao sentimento de liberdade, de opção, de escolha. O ciúme prende, amarra, condiciona, determina, com essa emoção eu já não sou eu, sou o que o outro quer que eu seja. E eu sou assim para que ele seja aquilo que eu quero que ele seja. No ciúme há um pacto de destruição mútua, cada qual, usa o outro como garantia de que não estará sozinho. Eu me abandono para que o outro não me abandone, eu me desprezo para que o outro não me despreze, eu me desrespeito para que o outro não me desrespeite, eu acabo me destruindo para que o outro não me destrua. O ciúme é o medo de ser dispensável a alguém, e o mais grave talvez esteja aqui, nós passamos a vida inteira com medo de tornarmos algo que nós já somos: TOTALMENTE DISPENSÁVEIS! O homem por definição é dispensável, transitório, efêmero, aquilo que passa, e isso é bastante real. Em todas as relações que temos somos hoje, somos substituíveis! O mundo sempre existiu antes de nós, está existindo conosco e continuará existindo sem nós. Somos necessários aqui e agora, mas seremos dispensáveis além e depois. O medo de ser dispensáveis a alguém é o mesmo medo que temos da morte, que é real, pois o medo da morte é o ciúme da vida, é a vontade irreal de sermos eternos e imutáveis. O medo de perder nos dá a entender que as coisas só valem se forem eternas, se forem permanentes e duráveis. Uma relação só tem valor se tivermos garantia de que a vida sempre será assim como é. E, como tudo é transitório, como tudo é passível de transformação, o medo de perder nos leva a um estado contínuo de sofrimento. As conseqüências do ciúme são muito claras. Se eu tenho medo de que me abandonem, de que não me amem, de me tornar dispensável, ao invés de fazer cada vez mais para que cada vez mais eu seja melhor, acabo gastando toda a minha energia para provar ao outro que eu já sou o mais, que eu já sou o melhor, que eu já sou o primeiro! Ao invés de empenhar esforços para ser um cônjuge, um filho, um amigo, um pai ou uma mãe cada vez melhor, eu gasto toda a minha energia tentando provar a eles: que eu sou o melhor cônjuge do mundo, o que é uma mentira; o melhor filho do mundo, o que é uma mentira; o melhor pai ou mãe do mundo, o que é uma mentira; o melhor amigo do mundo, o que é uma mentira; e assim por diante... O ciúme no conduz ao delírio da onipotência, os nossos atos, nossas iniciativas, a nossa conversa, o nosso comportamento, as nossas considerações, tudo isso é para mostras ao outro que já somos bons, capazes e perfeitos. Aqui está a diferença básica e fundamental entre o medo de perder e a vontade de ganhar. O medo de perder é assim... Ganhamos ninguém vai nos tomar o que já possuímos, para conservarmos o que já ganhamos... E com isso nós já chegamos ao ponto máximo, só temos que perder. À vontade de ganhar por outro lado, é assim... Estaremos sempre ativos, descobrindo oportunidades do ganho, procuraremos ganhar cada vez mais em vez de nos preocupar com possíveis perdas. O que temos de mais sagrado é a nossa própria vida esta nós já vamos perder, todas as outras perdas são secundárias. O medo de perder é reativo, defensivo, justificativo! As pessoas ciumentas estão sempre se prevenindo para não perder, sempre se preparando, sempre se conservando. As pessoas, com vontade de ganhar estão sempre optando, arriscando, o medo de perder é a vivência do futuro, é a vivência antecipada do futuro, é preocupação. À vontade de ganhar, por outro lado, é a vivência do presente, é a vivencia da beleza do presente. Em tudo, a cada momento existem riscos e existem oportunidades. No medo da perda a pessoa só vê os risco, na vontade de ganhar a pessoa também vê os risco, mas, sobretudo, vê as oportunidades. Cada momento da vida é um desafio para o crescimento. A vontade de ganhar, a qual nos referimos, não significa ganhar de outra pessoa, e sim ganharmos de nós mesmos, ser cada vez mais, estar disposto a dar um passo a frente, estar sempre disposto a crescer um pouco mais. É importante termos para nós, que hoje podemos crescer um pouco mais do que éramos ontem, que ninguém chegou ao seu limite máximo, que idade adulta não significa que chegamos ao máximo de nossas potencialidades, não existe pessoa madura, existe sim, pessoas em amadurecimento. Todo nosso crescimento se dá por uma paralisação de nosso crescimento pessoal, e cada um de os sabe muito bem onde paralisou, onde nossa energia está bloqueada, onde não está tendo expansão de nossa própria energia. Ainda, não vimos até hoje, um relacionamento se deteriorar sem a presença marcante do ciúme, do desejo de sermos donos da outra pessoa, de ter poder e controle sobre as ações e até dos pensamentos da pessoa que dizemos amar! O ciúme é a doença do amor, é um profundo desamor a si mesmo e conseqüentemente um desamor ao outro, pelo ciúme se estabelece uma relação entre dominador x dominado. O ciúme é a dor da incerteza com relação ao sentimento de alguém no futuro. É a raiva de não possuir a segurança absoluta do relacionamento no futuro, é a tristeza de não saber o que vai acontecer amanhã. Alías, o que dói no ciúme, é a insegurança do futuro, é a insegurança do desconhecido. A loucura está aí, passamos a vida inteira tentando conseguir o que jamais conseguiremos: segurança... Pois ela não existe! Ser seguro não acabar com a insegurança, mas aceita-la como inerente à natureza humana. Ninguém pode acabar com o risco do amor, por isso só é possível estar em estado de amor quando sabemos estar em um estado de risco! Desperdiçamos o único momento que temos que é o A G O R A, em função de um momento inexistente: o F U T U RO ! Parece que as pessoas só valem para nós amanhã, no futuro. Nós não curtimos o relacionamento hoje com nosso cônjuge, com os filhos, com s amigos sofrendo pela possibilidade de um dia não sermos queridos por eles. O filho, por exemplo, parece que só nos é importante amanhã, quando crescer, quando se formar, quando casar, trabalhar, etc... Até hoje, não conhecemos um pai que estivesse preocupado com o futuro do filho que estivesse brincando com eles. Em geral, não tem tempo porque estão muito ocupados em assegurar aos filhos um futuro brilhante! O ciúme é a incapacidade de vivermos a gratuidade da vida. Hoje é o primeiro dia do resto de nossa vida, querendo ou não! Hoje estamos começando, e viver é considerar cada segundo de novo, a cada dia o seu próprio cuidado, o medo daquilo que nos pode acontecer, tira nos a alegria de estar aqui e agora. O medo da morte tira a vontade de viver, o medo de perder alguém tira a beleza de estar com ela agora, alias quando se tem medo de perder alguém é porque pensamos que as pessoas são nossas, ninguém pode perder o que não tem. Cada pessoa é única e exclusivamente dela mesma, podemos perder um livro, um isqueiro, uma bolsa, porém jamais podemos perder uma pessoa. O sinônimo do medo de perder é a obsessão pelo primeiro lugar, colocamos nos ombros a tarefa impossível de sermos sempre os primeiros em todos os lugares e em todas as circunstâncias. Se for a casa, queremos ser o primeiro, se for ao trabalho, também o primeiro, num assunto específico queremos ser o primeiro, em outro assunto qualquer sempre o primeiro. O 1o lugar é amarelante, deteriorante, ao passo que o 2o lugar é esperançoso, é enverdejante, pois quando alguém chega ao cume da montanha só lhe resta um caminho a seguir: COMEÇAR A DESCER!! No 2o lugar, ainda temos para onde ir, para onde crescer, a postura do 2o lugar nos leva ao crescimento contínuo, porque você se decreta em 2o lugar mesmo que esteja eventualmente o 1o lugar perante a sociedade. O 2o lugar não em relação ao outro, mas em relação a nós próprios, ou seja, ainda teremos por onde crescer e melhorar. Você sabe por que o mar é tão grande? É porque ele teve a humildade de se colocar alguns centímetros abaixo de todos os rios do mundo, sabendo receber tornou-se grande, se quisesse ser o 1o e se colocasse alguns centímetros de todos os rios da terra, não seria o mar, mas uma ilha, toda a sua água iria para os outros, e ele estaria isolado... Além disso, a perda faz parte, a queda faz parte, a morte faz parte, é impossível viver satisfatoriamente se não aceitamos a queda, a perda, a morte o erro, precisamos aprender a perder, a cair, a errar e a morrer. Não é possível saber ganhar sem saber perder, não é possível saber andar sem saber cair, não é possível viver sem saber morrer! Em outras palavras, se temos medo de cair, andar será muito doloroso; se temos medo de morrer, a vida será muito ruim; se temos medo de perder, o ganho nos enche de preocupação!!! Esta é a figura do fracasso dentro do sucesso, pois quanto mais ganha, quanto mais melhora na vida, mais sofre. Para a pessoa que tem medo de ficar pobre quanto mais dinheiro obtém mais preocupado fica. Para a pessoa que tem medo do fracasso, quanto mais sobe na escala social, mais desgraçada é a sua vida. Agora, se você aprende a perder, a cair, a errar e a morrer, ninguém o controla mais, pois o máximo que pode acontecer a você é cair, é perder, é errar, é morrer e isso você já sabe!! POSTADO POR UMA MULHER


publicado por araretamaumamulher às 13:43 | link do post | comentar | favorito

Terça-feira, 20.04.10
A morte de um filho deixa uma dor eterna Vazio absoluto. Um nada sem chão, teto ou paredes. Mais que um poço fundo, o fundo sem o poço. A falta de ar. O desespero. A desesperança. Irracional, ilógico, inaceitável. As palavras e imagens mais fortes não são capazes de definir, o luto de uma mãe que perde um filho. A morte de um filho deixa cicatriz indelével, uma dor eterna. É a pior situação humana, não há perda maior. Não tem nada de simbólico para que eu possa elaborar essa perda. Eu morri junto mesmo! Mas é “antinatural”, a morte imprevisível de um filho é a que nos desestabiliza. O “To sem chão” é hoje uma frase que especifica muito bem o que sinto nesse um ano de três meses, de vazio absoluto. Angústia, revolta, dor, desespero, impotência, tristeza. Não existem palavras para definir a perda inesperada de um filho na adolescência. Diante de tanto sofrimento, esquecer jamais. Reinvestir amor e esperança na vida é um caminho a ser alcançado, por mais impossível que possa parecer. POSTADO POR UMA MULHER

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publicado por araretamaumamulher às 21:37 | link do post | comentar | favorito

Segunda-feira, 19.04.10
Talvez seja um convite do tipo “vamos falar da morte”, esta que é tabu maior que o sexo; maior ainda quando se trata da morte de um filho - dor que se recobre em silêncio, por se tratar de uma dor inominável. COMO OPERAR A PARTIR DO NÃO-SENTIDO DO REAL QUE A MORTE EVOCA E CONSEQÜENTE FALTA DE REPOSTAS QUE ADVÉM EM MOMENTOS COMO ESTE? O luto é um longo caminho, que começa com a dor viva da perda de um ser querido e que segundo alguns, pode ser visto como um lento e penoso processo de desamor em relação a quem se foi, ou seja, a pessoa enlutada não esquece nem deixa de amar o morto, mas passa a amá-lo de outra forma; amor esse, permeado por uma saudade enorme e envolta por uma dor indizível devido à perda abrupta e inesperada. É quando duas situações se encontram absolutamente inseparáveis: o amor e a dor. Amor pelo excesso de investimento colocado na pessoa que se foi, e dor porque esse suporte real nos deixou. O sentimento de abandono e o caráter definitivo de sua ausência são o que posso chamar de mais devastadores que se tem ao se deparar com a realidade da mais pura falta, do mais enorme vazio. Assim escreve Nasio: “As manifestações da dor - abatimento, grito e lágrimas - a mantêm como se a pessoa que sofre estivesse arrastada pelo desejo inconsciente - um desejo que nada tem a ver com masoquismo - de viver a prova dolorosa (...) Querem sofrer porque a sua dor é uma homenagem ao morto, uma prova de amor” (O livro da dor e do amor; pág. 65). As perdas costumam ser nomeadas para que possam ser minimamente suportáveis. Ao perder uma mulher, alguém passa a ser viúvo; aquele que perde os pais, órfãos; os que chegam a se separar, divorciados; mas as mães que perdem seus filhos não encontram sequer algo para nomeá-las. Lembro de uma amiga, psicanalista a quem sou muito grata por todo apoio recebido nesse período de luto, que me contava sobre os pacientes que sofriam da dor fantasma, que se trata de uma dor que acomete os pacientes que perderam um membro: tal dor é um dos maiores desafios para os médicos, estes não encontram um anestésico capaz de aliviar o sofrimento dos pacientes. O membro perdido, seja uma perna, enfim, não está mais no corpo, porém, o “membro fantasma” lateja, coça, aquece, esfria, dói, enfim a dor é viva presente embora o membro esteja ausente, morto... Com o tempo os pacientes podem aprender a conviver com a ausência que lateja. Penso que a dor da perda de um filho é próxima dessa, vivido por esses pacientes sofridos, me dizia ela. Ora, estamos falando de um membro do corpo, que dirá de um filho saído de nossas entranhas que como diz o poeta Chico Buarque: “Oh,pedaço de mim, oh ,pedaço amputado de mim”. É uma mutilação. Quando falava disso na minha análise, o analista interveio: “Daniel não era um pedaço de você, ele era uma pessoa com personalidade própria, fez seu próprio caminho”. Senti-me desautorizada na minha dor. E pensava: os analistas homens que nunca portaram um filho no seu ventre podem dizer alguma coisa sobre isso? A perda de um filho no desabrochar da juventude de forma trágica e inesperada coloca qualquer sujeito diante de uma dor inominável e indizível. O estranhamento e distanciamento do mundo sob a forma de uma dor alucinante derivado do próprio trabalho de luto não parecem combinar com a posição que o analista deve em circunstâncias normais,fora do circuito traumático. Não raro algumas pessoas deixam de lado a sua dor jogando-se no trabalho de forma obsessiva quando este trabalho ritualista opera ações repetitivas e mecanizadas. Outras buscam na religião, um consolo possível. O que dizer do ofício de analista que não é uma profissão como outra qualquer e que exige que ali o sujeito dê provas de sua análise? No período mais nebuloso da dor do luto que possibilidade há - se há alguma - de ouvir um outro, de se disponibilizar a escutar queixas comezinhas como, por exemplo, medo de se afogar no chuveiro enquanto o analista atravessa uma dor imensurável? No filme “O quarto do filho” que relata a experiência da morte de um filho de um psicanalista, este se vê na condição de se afastar da clínica por tempo indeterminado. A reação dos pacientes neste filme italiano, muito bem dirigido, nada piegas e verdadeiro, é a mais diferente possível a partir do percurso de análise de cada um e da transferência estabelecida com esse analista em particular. O osso mais duro de roer por certo. Quando perdi meu filho a sensação era de que o mundo havia caído sobre a minha cabeça e que eu não conseguiria suportar. A vida se torna realmente impossível diante deste sofrimento. Sentia-me no dever de aparentar "força" quando não a tinha, pois estava dilacerada e devastada pela dor. Como poderia mostrar fragilidade, chorar em público, no meio da rua, pudesse eu superar com dignidade a dor de existir? Como esconder a indiferença ao mundo, o alheamento, a falta de interesse pelo mundo e a própria falta de lugar de uma mãe diante de tal acontecimento? O luto não é terapeutizável, não há remédio para essa dor. Lembro de uma revista que li, cujo título da reportagem era: “A dor que não termina”. São relatos de pais que perderam seus filhos de maneira trágica e os relatos da reação particular que cada um teve. Desde aquele que ao ver seu filho morto por atropelamento e que o carrega nos braços para ser morto pelos carros que passavam, como aquela mãe que se recusou a comer desde a perda de sua criança vindo a falecer 4 meses depois de inanição. A reportagem começa justamente falando que o luto de quem perde filho é diferente de qualquer outro... e pode tornar-se insuportável o peso de tocar a vida adiante. A morte é sempre motivo de angústia e tristeza, mas a morte de um filho é uma tragédia contra a natureza, um desastre além da razão. Vivemos em um período desbussolado onde não se pode mais, como antigamente, encarar a tragédia como vontade de Deus. Diante de uma determinação superior, restava apenas se conformar. As mães, no passado eram poupadas de qualquer tarefa por um período de no mínimo um ano para se recolherem. Não há mais tempo para resguardo, nem para recolhimento. A licença de uma semana (até o sétimo dia) é o que é amparado por lei. Os tempos modernos, onde impera a ditadura da alegria não oferece espaço nem lugar para a dor, especialmente uma dor como essa. “Reaja!”, “Seja forte!”, “Não fale mais no assunto!”, “Aprenda uma lição com sua dor!”, “Não fique paralisado pela dor!” “Enfrente!”, são imperativos ouvidos a toda hora e só posso aqui dar meu testemunho de como essas frases me incomodavam. Portanto, nada de fórmulas, ou de dizer como alguém deve reagir... ou fazer... ou dizer... Aliás, não há muito o que dizer. Aliás, não há nada o que dizer. A morte é tabu, e ninguém quer falar dela. A morte ninguém sabe o que ela é. A morte assusta e horroriza. A morte de um filho é algo de difícil materialização. O seu desaparecimento súbito provocou em mim uma série de questionamentos acerca de tudo à minha volta. Com a morte de seu filho, é imperativo voltar a viver! Essa dor da perda de um filho não é uma dor qualquer. Implica numa longa travessia de luto, reinventar a vida a cada dia e conviver diariamente com a ausência de respostas, e sair em busca de algumas outras que estejam ao alcance de quem passa por isso. Tudo se tornava de um dia para o outro insuportável e qualquer mínimo detalhe me fazia lembrar do meu filho. Não conseguia me envolver com nenhuma atividade que realizava e tampouco poderia “volver” atrás, trazendo meu filho de volta. Essa certeza implacável tornou-se um tormento a ponto de meus familiares se incomodarem com meu recolhimento e isolamento, posições essas que me eram possíveis naqueles tempos tão doloridos e sem palavras. Outro ponto que quero marcar é sobre a seguinte questão: que tempo para o luto? É sabido que o luto é muito parecido com a depressão-afetivamente falando - mas esta é sem a perda real do objeto.Há uma cobrança diante do luto estrondosa no que diz respeito ao tempo. “Você ainda está chorando deste jeito”; ou: “não chore, pois seu filho vai sofrer ainda mais”... Parece que só nessas horas aprendemos o que não dizer a alguém que perde um filho. Há um jogo social no sentido de quererem lhe empurrar goela abaixo uma fórmula, que não há; há de ser reinventada caso a caso. Que lugar para uma mãe sem o seu rebento? Não reintegrarás o seu produto está no texto bíblico, mas como se desfazer de tantos sonhos ao mesmo tempo, de tantos projetos, de tantos investimentos? Como lidar o que nunca mais será? Ou com aquilo que jamais poderemos entender ou explicar dia após dia, noite após noite. Como suportar a falta de luz, que não há, e sem um dedo apontando o caminho, posto que essa destituição é própria da morte em si mesmo? COMO DIZER COMO OUTRORA: “SOU FELIZ O BASTANTE” ?!? O provérbio judaico que prega “cuidado com o que desejas, pois isto pode realizar-se” aqui é fora de questão, pois é impensável para uma mãe enterrar seus filhos.Isto é anti-natural. As mães não deveriam chorar a morte de seus filhos. Ao concebê-los, deveriam receber, com carimbo do céu e assinado por Deus, uma certidão de garantia, para vê-los crescer, sempre saudáveis e felizes. Ao lado deles, poderiam comemorar suas vitórias, suas conquistas, e depois de muito tempo, quando sentissem a conclusão de seu ciclo de vida, elas teriam o direito de serem veladas por seus filhos, todos eles, a fim de seguir feliz sua viagem de reencontro ao Criador. Os filhos, para as mães, deveriam ser sempre vivos, pois não foram concebidos para a morte, mas para a vida. Nada neste mundo é mais triste, mais doloroso do que choro de mãe que perde um filho. Elas não merecem isto. Nunca mereceram. Jamais merecerão.


publicado por araretamaumamulher às 14:08 | link do post | comentar | favorito

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