Quinta-feira, 01.04.10

A violência contra a mulher não rouba apenas vidas, ela mata as palavras, seqüestra a mulher e aniquila os laços sociais e emocionais.
No plano social, a passagem ao ato costuma ser um recurso freqüente em sociedades que vivem sob o jugo da repressão – qualquer que seja seu tipo. A exclusão implica a perda da capacidade de se fazer ouvir, o fechamento de todos os veículos de expressão de anseios, demandas etc., o que não raro desencadeia formas violentas de reação.
Como não podemos mais confiar nas estruturas e instituições que nos amparam somos lançadas em nosso desamparo e, aparentemente, reduzidas à materialidade da vida biológica – a vida nua.
O nosso lar que deveria ser: “lugar em que o viver deve se transformar no viver bem”, no entanto, cada vez mais, torna-se um lugar de perigo, de ameaças, de território conflagrado.
Com freqüência, o medo ou a experiência de vitimização – direta ou indireta – levam as mulheres a adotarem medidas de auto-proteção que as distanciam da sociedade.
Ou seja, reduzem o uso dos espaços públicos, o contato com vizinhos e parentes, vivendo o que chamamos de confinamento.
Tais reações poderiam ser entendidas como um grito um apelo ao reconhecimento do outro. Um grito que clama pelo direito de fazer ouvir – de se permitir existir, de se fazer ver!
Mas de que forma vemos o outro? É no reconhecimento da alteridade que podemos estabelecer os laços sociais e a solidariedade. Diferença e singularidade são pressupostos para a existência do laço social cujo traço identitário não seja o narcisismo. Em outras palavras, o registro das culturas narcísicas tudo é permitido ao sujeito que se crê o centro do universo -, em sua onipotência predatória o outro é apenas um objeto para usufruto de seu próprio gozo. Na medida em que o seu companheiro a delineia apenas como objeto de seu próprio gozo, está é reduzida a um fetiche.
Isto traz conseqüências diretas na sua relação com a lei. O reconhecimento da lei pressupõe o reconhecimento da alteridade e da singularidade. Pressupõe, igualmente, que a lei deva ser justa, ter uma equivalência simbólica e, sobretudo, a todos se aplicar.
Ao contrário dos países europeus e mesmo dos Estados Unidos, no Brasil lei e práticas sociais de justiça não caminham juntas. A lei é letra morta, instrumento de vingança (aos amigos tudo, aos inimigos a lei) e aplicável somente às “classes perigosas”. Existe na sociedade brasileira um imenso intervalo entre o registro simbólico da lei e o funcionamento normativo da justiça.
Por esta razão podemos afirmar que a concepção simbólica da lei não pode se restringir aos processos lingüísticos, mas tem de ser necessariamente relançada nos campos social e político de forma que a economia política dos bens e valores possa estar entrelaçada com a economia psíquica das pulsões, desejos e demandas dos diferentes atores sociais.
Neste sentido, podemos perceber como as subjetividades em nossa cultura são freqüentemente relançadas ao agressor.
Desta forma, nada impede que a vitima seja instrumento de puro gozo para um eu obeso, que institui como forma de existência o uso e usufruto dos bens e do corpo da vitima, esvaziando os valores que circulam no espaço.
Se pela ótica da elite podemos falar de uma cultura narcísica, que redunda em uma estetização da existência, tendo a perversão como seu modo de funcionamento princeps, nas chamadas classes populares assistimos a um aumento gradativo da violência, tanto em sua freqüência quanto em suas diferentes formas de manifestação. Ou seja, há um enorme vácuo conforme afirmamos anteriormente entre a ordem simbólica da lei e as práticas sociais do dispositivo da justiça. “Uma coisa é se falar de crime, e até de violência, outra é falar de crueldade. Claro que a crueldade é uma modalidade da violência, mas o crime não necessariamente envolve a crueldade”.
Mas não é dessa economia da sobrevivência, da reparação ou da redistribuição que se trata. Há aí um ódio anímico de outro tipo. Algo se partiu no interior de alguém quando este indivíduo é capaz de lidar com a vida humana da forma pela qual alguns desses agressores, que são filhos e herdeiros da mesma tragédia, são capazes.
“Estamos diante de um grande desafio de ordem psicológica, psicanalítica, espiritual, cultural. Um grande desafio para todos nós: do que é capaz um ser humano?”.
Penso que devemos retornar aos dois pólos possíveis de estruturação de nossa vida psíquica e social. O desejo somente é possível quando nos voltamos para o registro alteritário. A condição de possibilidade do desejo é que a vitima se apresente como algo sedutor capaz de despertar a capacidade desejante do agressor.
Quando este se apresenta como impossível, o corpo da vitima é apenas o lugar da descarga pulsional voraz, tomado como um objeto, fonte de afirmação predatória de seu auto centramento. Para além do respeito à diferença podemos nos defrontar com a total indiferença ao outro, que sequer existe enquanto registro alteritário. Por esta razão, a violência contra a mulher implica não apenas sua dominação como também um ataque ou dano em sua capacidade de pensar.
Todos queremos ser, desejar existir é força fundante do ser humano. Ser alguém e ser para alguém são variações possíveis de uma existência que só se realiza num olhar, num gesto, numa palavra dirigida que dá a quem quer ser a certeza de que ele existe, de que tem um lugar de referência. Pertencer a algum lugar constitui-se uma abertura para o ser no mundo. Ser de algum lugar.
A existência, o sentir-se existindo impõe-se ao sujeito. Então podemos pensar sobre como alguém se sente existindo numa condição ou situação em que o existir passa desapercebido. Como é se sentir existindo quando se é ou está invisível? O que é a invisibilidade? Por que isto se apresenta como uma questão atual?
Ação e discurso são as únicas formas que os homens têm para mostrar quem são, para revelar ativamente suas identidades pessoais e singulares, para revelar o “quem” em contraposição ao “o que” alguém é “Através deles - da ação e do discurso - os homens podem distinguir-se, em vez de permanecerem apenas diferentes; a ação e o discurso são os modos como os seres humanos se manifestam uns aos outros, não como meros objetos físicos, mas enquanto homens”.
Existir é, antes de tudo, apresentar a própria imagem para o Outro. O que equivale a dizer, para um adulto que já tenha ultrapassado as fronteiras dos complexos familiares, que existir é apresentar a própria imagem no espaço público. É no espaço público que o sujeito atesta que sua existência faz alguma diferença. Assim sendo, já não se trata apenas de exibir uma bela figura para deleite do outro, como um dia a criança se ofereceu à contemplação apaixonada da mãe. Se o espaço público é onde se estabelecem – e onde se desestabilizam – as relações de poder, ele não se constrói com belas imagens, mas com a imagem dos homensem ação. A visibilidade dos homens no espaço público depende da ação.
Quando não se vê algo, esse algo não existe “ser é ser percebido”. Mas ser é, antes de tudo, ser para alguém. Ver e ser visto são duas faces da mesma moeda nos encontros humanos. Não ser visto significa não participar, não fazer parte, estar fora, tornar-se estranho. O sentimento de não pertencer, de estar fora, costuma ser doloroso. Uma das formas mais eficientes de tornar alguém invisível é projetar sobre ele ou ela um estigma, um preconceito. Quando o fazemos, anulamos a pessoa e só vemos o reflexo de nossa própria intolerância. Tudo aquilo que distingue a pessoa, tornando-a um indivíduo; tudo o que nela é singular desaparece. O estigma dissolve a identidade do outro e a substitui pelo retrato estereotipado e a classificação que lhe impomos.
Da estranheza ao temor, da curiosidade ao medo, do amor ao ódio, o rosto da violência nos força a manifestar a maneira secreta que temos de encarar o mundo, de nos desfigurarmos todos até nas comunidades mais familiares, mais fechadas.
Ao criarmos imagens, sobre o eu e sobre o outro, criamos, muitas vezes, uma fantasia sobre o agressor que deve ser temido por ser estranho diferente. A rejeição a um determinado modelo, que se baseia em ideologias, de forma, cor, carregada não apenas das cores da humilhação, mas também da futilidade do ato.
Como um estupro da alma, ninguém nos vê e, entretanto, sentimo-nos dissecadas e ressecadas pelos outros, a invisibilidade não se constitui um fenômeno óptico. A invisibilidade é a forma mais aterrorizante de nos sentirmos visíveis. Sabemos que estamos ali, é fato, mas há uma espécie de desaparecimento de uma pessoa no meio de outras pessoas.
Viver na sombra dos movimentos: não conseguir se enxergar com movimento próprio, potência própria, importância, existência própria. Sentir-se invisível traz sofrimento a vitima.
A invisibilidade pública é a expressão pontiaguda de dois fenômenos psicossociais que assumem caráter crônico nas sociedades: humilhação e reificação, A humilhação apresenta - se como um fenômeno histórico, construído e reconstruído ao longo de muitos séculos, e determinante no cotidiano das mulheres de todas as classes. Um Ser só acontece decisivamente a partir do olhar do outro. Somente assim é que o Ser pode, realmente, assumir sua própria existência. O Ser nasce e morre pelos olhos do outro: a qualidade do olhar que nos é dirigido constitui - se como espelho verdadeiro ou deformador. Aí, afinal, definem-se lugares nossos lugares mais ou menos autênticos, lugares mais ou menos aprisionadores.
A identidade só existe no espelho e este espelho é o olhar dos outros, é o reconhecimento dos outros. É a generosidade do olhar do outro que nos devolve nossa própria imagem ungida de valor, envolvida pela aura da significação humana, da qual a única prova é o reconhecimento alheio.
Nós nada somos ou valemos se não contarmos com o olhar alheio acolhedor, se não formos vistos, se o olhar do outro não nos recolher e salvar da invisibilidade – invisibilidade que nos anula e que, portanto, é sinônimo de solidão e incomunicabilidade, falta de sentido e de valor.
Lamentavelmente, este não é um fato novo.
Freud assinala como a intolerância se manifesta muito mais no tocante às pequenas diferenças do que nas divergências fundamentais - o ódio ao “quase semelhante”. Neste caso, o ódio encontra seu objeto precisamente no campo do próximo, do semelhante – o próximo que somos supostos amar como nos ensina o mandamento: amarás o próximo como a ti mesmo.
Freud nos ensina ainda que a ausência de uma instância legal e justa que lhe sirva de proteção contra a anomia reenvia o sujeito ao desamparo e ao pavor, justamente pela falta desta autoridade simbólica.
Desse modo, as relações entre os diferentes são atravessadas pela desconfiança e o temor ao outro. Conseqüentemente, os canais de comunicação e os espaços de convivência se tornam ainda menores, aprofundando a incomunicabilidade entre eles.
É neste cenário que observamos o uso predatório do corpo da vitima, instrumento de puro gozo, de perversão narcísica. Somos assim lançadas em nosso desamparo e, aparentemente, reduzidas à materialidade da vida biológica – a vida nua.
Sem esta dimensão de filiação, é muito difícil de afirmar uma identidade e o que aguarda é um destino de, pelo menos, muito sofrimento. Acreditamos que em tais situações poderíamos pensar na saída pela violência como uma marca que permite a vitima emergir de um lugar não escolhido por ela, à procura de uma filiação e reconhecimento - um lugar que a rejeitou.
Nestas configurações, não se trata de negar a existência do outro, mas sim de lhe negar qualquer valor.



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Terça-feira, 23.03.10

É difícil o relato de violência sofrida por mulheres. Trata-se da invisibilidade da violência que afeta as relações usuais da mulher essa violência é silenciosa e a vítima a sofre de maneira silenciosa, porque se trata de uma violência velada e insidiosa, não assumida pelo agressor, negada e denegada por ele, que sutilmente inverte a relação acusando o outro de ser o culpado pela situação.
O assédio moral é uma forma característica e peculiar de violação dos direitos da personalidade, à integridade psíquica, em especial, que se protrai no tempo; é marcado pela sutileza das ações, é sempre bilateral, pois estão, de um lado, o  assediado (vítima) e, de outro, o assediador, ambos vinculados por uma relação hierárquica ou de dominação deste último em relação ao primeiro.
Trata-se de um modo de agir, individual ou coletivo, contínuo e repetitivo, que tende a violar os direitos da personalidade, atingindo a dignidade e, especialmente, a integridade psíquica da pessoa assediada, independentemente da ocorrência de um dano e da intencionalidade do agente individual ou coletivo.
Assim, o assédio moral é a prática sutil e repetitiva, de um agressor em posição de dominação com relação à vítima, que, por palavras, gestos e atitudes destrói sua autoconfiança e a “aprisiona”, minando, aos poucos, importantes feições de sua personalidade.
As principais características destacadas são: permanência no tempo (continuidade de agressões), sutileza (mecanismos de comunicação que o agressor estabelece, para que os outros não percebam a violência dirigida à vítima) e bilateralidade (posição de dominação do agressor com relação à vítima).
O assédio moral se inicia por meio da sedução perversa. Essa é a etapa em que a vítima sofrerá um processo denominado enredamento: “O enredamento consiste na influência intelectual e moral que se estabelece em uma relação de dominação. O poder leva o outro a segui-lo por dependência, isto é, por aquiescência e adesão” .
Nas relações entre marido e mulher (ou relações entre casais de um modo geral), a autora prevê que “o movimento perverso instala-se quando o afetivo falha, ou então quando existe uma proximidade excessivamente grande com o objeto amado”. É justamente a proximidade que causa no assediador o temor de que a mulher invada seu íntimo e, por isso, ele constrói “uma relação de dependência, ou mesmo de propriedade, para comprovar a própria onipotência”.
Entre as quatro paredes de um casamento, é nas palavras, no tom, no olhar, na ironia, na indiferença e na humilhação que se descobrem os primeiros sinais da crueldade psicológica. As cicatrizes, às vezes, são mais profundas do que as de uma agressão física. O jogo do poder se instala insidiosamente nas refeições, nos passeios de fim de semana, na educação dos filhos, no aproveitamento maldoso das confidências...
Diante da vítima, destarte, o homem desenvolve a voraz capacidade de imobilização, subtraindo da mesma todo o conteúdo que lhe interessa, enquanto aquela remanesce desprovida de qualquer potencial de reação. O resultado: uma vitima, coisificada, que obedece “primeiro, para dar prazer a seu parceiro, para compensá-lo, pois ele tem um ar infeliz. Depois, obedece por ter medo”. Ou seja, o processo só se instala, na realidade, porque a atitude da mulher chega a ser pacífica. A vítima duvida da existência do assédio moral e, logo que o fenômeno se inicia, prefere acreditar que é exagero seu, ou que o agressor precisa de ajuda e que poderá modificá-lo.
Em razão da sutileza das agressões, que se perpetuam por comentários sarcásticos, ironia, ou até mesmo pelo descaso, as pessoas alheias à agressão dificilmente percebem a situação da mulher. Todavia, caso percebam e incentivem-na a buscar ajuda, provocam no homem assediador o ódio em seu estado mais puro: O ódio já existia desde a fase inicial, de enredamento e controle, mas estava desviado, mascarado pelo perverso, de modo a manter a relação estacionária. Tudo aquilo que já existia de forma subterrânea aparece agora claramente. A tarefa de demolição torna-se sistemática.
Por isso, a reação da mulher é tão ou mais difícil do que em casos de violência física.
Afinal, “se ela reage, é geradora do conflito; se não reage, deixa desenvolver-se uma destruição letal”.
Dentre relatos transcritos no livro “Assédio Moral: A violência perversa no cotidiano”, no capítulo que trata da violência privada, grande parte é de mulheres que se destacavam profissionalmente, situação esta que incomodava os parceiros e acabava gerando um conflito que desembocava na prática do assédio.
Deve-se compreender, todavia, que há um perfil próprio do assediador. Este, geralmente, é marcado pela perversidade e tem traços de caráter e comportamento que variam entre a crueldade e a malignidade, além de acreditar, insistentemente, que está acima de tudo e de todos. O psicólogo Flávio Carvalho Ferraz conceitua o agressor como alguém que “não se encontra sujeito às insatisfações, inibições, ruminações de culpa, dúvidas, medos e todas as demais formas de tormento psíquico”. Desta forma, “a perversidade implica estratégia de utilização e depois de destruição do outro, sem a menor culpa”.
É perverso, pois anti-social, é falso, mentiroso, irritável. Não tem preocupação com  a segurança dos demais e não tem nenhum remorso dos atos que pratica. Nega a existência do conflito para impedir a reação da vítima. É incapaz de considerar os outros como seres humanos. É narcisista porque se acha um ser único e especial. É arrogante. Ávido de admiração, holofotes. Dissimula sua incompetência. Acha que tudo lhe é devido e tem fantasias ilimitadas de sucesso. Nunca é responsável por nada e ataca os outros para se defender. Projeta no (a) assediado (a) as falhas que não pode admitir serem suas.
Apesar de ser possível identificar o perfil próprio do homem assediador, não são todas as mulheres que se enquadram na qualidade de vítima.
A vítima é vítima porque foi designada como tal pelo perverso. Torna-se o bode expiatório, responsável por todo o mal. Será daí em diante o alvo da violência, evitando o seu agressor a depressão ou o questionamento. [...] Por que foi escolhida? Porque estava à mão e, de um modo ou de outro, tornara-se incômoda. Entretanto, acredita-se que “a vítima ideal é uma pessoa conscienciosa que tenha propensão natural a culpar-se” . Assim, quando o “jogo perverso” suplanta a capacidade de resistência da mulher e os que com ela convivem passam a acreditar que é exagero seu dizer que está sendo assediada, surgirá nela o sentimento de culpa. Afinal, em nome da tolerância e da cultura da lealdade familiar, ela acredita que deve suportar sem nada dizer. É desse sentimento que o assediador irá se aproveitar, incitando ainda mais a crença de que a culpa é da própria vítima.
As implicações de todo este fenômeno variam do isolamento ao medo, à depressão, ao estresse, além de quadros clínicos mais graves. Em recente pesquisa, Margarida Barreto identificou que 60% das mulheres vítimas sofrem de depressão; 40%, de aumento da pressão arterial; 40% têm dores de cabeça; 40% são acometidas por distúrbios digestivos e, surpreendentemente, 16,2% têm idéias de suicídio. Isso tudo, até que a própria identidade da mulher seja destruída, momento este em que nem mesmo ela se reconhecerá: “Vemos que o assédio moral é um processo singular, no qual a pessoa se transforma naquilo de que é acusada. Dizem-lhe: ‘você é uma nulidade’ e ela perde a capacidade e se sente uma nulidade”.
Essa situação culmina com um prejuízo irreparável à integridade psicológica da mulher, restando justificada a preocupação com o resguardo deste bem jurídico.
Contudo, a maior dificuldade enfrentada durante todo o processo de assédio diz respeito à coleta de provas. Não raro inclusive o juiz se mostra cético diante da prática. O depoimento de uma vítima exprime, exatamente, esta realidade:
Depois da separação, mesmo tendo tido um consultório cheio por mais de 25 anos, me senti incapaz de atender qualquer cliente por quase três anos. Em quatro meses, perdi 8 quilos. Senti o desespero do isolamento. Eu havia sido a luz da vida daquele homem e, da noite para o dia, ele me ignorava e dizia aos amigos que me evitava para que eu sofresse menos ou, se contradizendo, que eu devia estar feliz porque, afinal, não gostava mais dele e ele me fizera o favor de sumir da minha existência.
Não quis advogado na separação. Para mim, só valeria a pena entrar na Justiça se desse para provar o assédio moral, a lenta e gradual destruição da auto-estima.
Mas isso ainda é um tabu no Brasil. Ninguém fala, ninguém vê, ninguém reconhece.



publicado por araretamaumamulher às 20:24 | link do post | comentar | favorito

Sexta-feira, 01.01.10
A violência doméstica é um tema bastante atualizado e instigante que atinge milhares de mulheres e crianças, adolescentes e idosos em todo o mundo, decorrente da desigualdade nas relações de poder entre homens e mulheres, assim como, a discriminação de gênero ainda presente tanto na sociedade como na família; Porém, sabe-se que esta questão não é recente, estando presente em todas as fases da história, mas apenas recentemente no século XIX, com a constitucionalização dos direitos humanos a violência passou a ser estudada com maior profundidade e apontada por diversos setores representativos da sociedade, tornando-se assim, um problema central para a humanidade, bem como, um grande desafio discutido e estudado por várias áreas do conhecimento enfrentado pela sociedade contemporânea. No Brasil, este tema ganhou maior relevância com a entrada em vigor da Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006, também conhecida como “Lei Maria da Penha”, uma merecida homenagem a mulher que se tornou símbolo de resistência a sucessivas agressões de seu ex- esposo.

Diante de toda repercussão alcançada, principalmente pela mídia, surgiram muitos comentários equívocos, criando-se, algumas vezes, falsas expectativas, como se, a partir da criação de uma lei exclusiva para tratar do tema, fosse inverter, de uma hora para a outra, uma rota histórica da violência. Basicamente por ser a violência resultante de uma arraigada cultura machista e discriminatória, que subjuga as mulheres, este problema não se resolve de imediato, num simples passe de mágica pelo poder da lei.

Com base no importante peso do instrumento legal, ainda assim, dentro do ponto de vista técnico, é preciso averiguar e analisar a lei à luz dos princípios constitucionais, penais e processuais penais, para se apurar até que ponto o Estado tem legitimidade para intervir coercitivamente na liberdade dos cidadãos.

Fato é que a violência doméstica e familiar é uma questão histórica e cultural anunciada, que ainda hoje infelizmente faz parte da realidade de muitas mulheres nos lares brasileiros. Com a entrada em vigor da Lei Maria da Penha, que cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra as mulheres almeja-se que essa realidade mude e a mulher passe a ter instrumentos legais inibitórios, para que não mais seja vítima de discriminação, violência e ofensas dos mais variados tipos.
Vale ressaltar que para chegar ao ponto principal (violência doméstica) é necessário abordar a chamada “violência de gênero”, examinando sua origem, características, formas de manifestação e os possíveis fatores causadores dessa violência. Segundo Edison Miguel:
A violência baseada no gênero é aquela decorrente das relações entre mulheres e homens, e geralmente é praticada pelo homem contra a mulher, mas pode ser também da mulher contra mulher ou do homem contra homem. Sua característica fundamental está nas relações de gênero onde o masculino e o feminino, são culturalmente construídos e determinam genericamente a violência .

A violência doméstica não é marcada apenas pela violência física, mas também pela violência psicológica, sexual, patrimonial, moral dentre outras, que em nosso país atinge grande número de mulheres, as quais vivem estes tipos de agressões no âmbito familiar, ou seja, a casa, espaço da família, onde deveria ser “o porto seguro” considerado como lugar de proteção, passa a ser um local de risco para mulheres e crianças.
O alto índice de conflitos domésticos já detonou o mito de “lar doce lar”. As expressões mais terríveis da violência contra mulher estão localizadas em suas próprias casas onde já foi um espaço seguro com proteção e abrigo.

A cada ano que passa, a violência reduz a vida de milhares de pessoas em todo o mundo e com isso, prejudica a vida de muitas outras. Ela não tem noção de fronteiras geográficas, raça, idade ou renda, atingindo assim, crianças, jovens, mulheres e idosos. A cada ano é responsável pela morte de milhares de pessoas em todo o mundo. Para cada pessoa que morre devido à violência, muitas outras são feridas ou sofrem devido a vários problemas físicos, sexuais, reprodutivos e mentais.

Neste primeiro item tem-se como ponto de partida a controvérsia, a complexidade da locução violência. Essa polêmica tem dado causa a muitas teorias sociológicas, antropológicas, psicológicas e jurídicas, por isso, a imensa dificuldade de um tratamento científico do tema.

O vocábulo violência é composto pelo prefixo vis, que significa força em latim. Lembra idéias de vigor, potência e impulso. A etimologia da palavra violência, porém, mais do que uma simples força, a violência pode ser compreendida como o próprio abuso da força. Violência vem do latim violentia, que significa caráter violento ou bravio. O verbo violare, significa tratar com violência, profanar, transgredir. Segundo Stela Valéria:

Estes termos devem ser referidos a vis, que mais profundamente, significa dizer a força em ação, o recurso de um corpo para exercer a sua força e, portanto, a potência, valor, a força vital .

É um ato de brutalidade, abuso, constrangimento, desrespeito, discriminação, impedimento, imposição, invasão, ofensa, proibição, sevícia, agressão física, psíquica, moral ou patrimonial contra alguém e caracteriza relações intersubjetivas e sociais definidas pela ofensa e intimidação pelo medo e terror. Segundo o dicionário Aurélio violência seria ato violento, qualidade de violento ou até mesmo ato de violentar. Do ponto de vista pragmático pode-se afirmar que a violência consiste em ações de indivíduos, grupos, classes, nações que ocasionam a morte de outros seres humanos ou que afetam sua integridade moral, física, mental ou espiritual. Em assim sendo, é mais interessante falar de violências, pois se trata de uma realidade plural, diferenciada, cujas especificidades necessitam ser conhecidas.
Vale ressaltar que a violência ocorre em vários contextos e áreas, como por exemplo, tanto no âmbito público quanto no âmbito privado. Segundo a OMS - Organização Mundial de Saúde -, a violência pode ser classificada em três modalidades:

-Violência inter-pessoal – este tipo de violência pode ser física ou psicológica, ocorrer tanto no espaço público como no privado. São vítimas crianças, jovens, adultos e idosos. Neste tipo de violência destaca-se a violência entre os jovens e a violência doméstica; violência contra si mesmo - é aquela em que a própria pessoa se violenta, causando a si mesmo lesões; violência coletiva - em suas diversas formas, recebe uma grande atenção pública, pois, há conflitos violentos entre nações e grupos, terrorismo de Estado ou de grupos, estupro como arma de guerra, guerras de gangues, em que ocorre em toda a parte do mundo; violência urbana - é aquela cometida nas cidades, seja em razão da prática de crimes eventuais, seja pelo crime organizado. É um problema que aflige vários países mundo afora.

Alguns cientistas sociais acreditam que a violência é própria da essência humana (do estado de natureza). Enquanto fenômeno estritamente humano, a violência não pode ser percebida fora de um determinado quadro histórico - cultural. Assim como as normas de conduta variam do ponto de vista cultural e histórico a depender do grupo que está sendo analisado, atos considerados violentos por determinadas culturas não são assim percebidos por outras, como por exemplo, as ablações do clitóris das crianças ocorrem diariamente em alguns países de religião islâmica, e são consideradas práticas normais pela maioria da população mulçumana, além de não serem criminalizadas, diferentemente da população ocidental, em que tem - se atos de violência e graves violações aos direitos humanos. Durante muito tempo, os castigos físicos infligidos a crianças e negros foram considerados normais. Assim, também ocorria a violência contra a mulher, que era considerada, até recentemente, como corriqueira e natural nas relações familiares em virtude do poder que o homem detinha sobre a mulher em face do pátrio poder e do casamento.

Pode-se afirmar que a conseqüência imediata disto, é que a violência é percebida de forma heterogênea e multifacetada, a partir da própria estrutura simbólica vigente na sociedade. Pode-se verificar também que a percepção contemporânea da violência foi ampliada não apenas do ponto de vista de sua intensidade, mas igualmente na perspectiva de sua própria extensão conceitual.
Convém então, dizer que as noções de violento e violência estão relacionadas à maldade humana, ou ao uso da força contra o fraco, o pobre ou o destituído. Nesse âmbito, o pobre, o fraco e o destituído surgem quase como que inocentes (como por exemplo, a criança que é espancada ou a mulher que é violentada), sendo uma questão de categorização moral do que de pertinente classificação econômica ou política. Segundo alguns autores pode-se afirmar que a violência, assim como a dor, a doença, a inveja, tem uma distribuição desigual na sociedade. Tem uma distribuição apenas associativa com certas categorias sociais. Elas sorriem para os pobres, muito mais do que para os ricos. A violência seria resultante de um desequilíbrio entre fortes e fracos. Isso envia um traço essencial do discurso de senso comum sobre a violência. A violência em suas mais variadas formas de manifestação afeta a saúde por que representa um risco maior para a realização do processo vital humano: ameaça a vida, produz enfermidade, danos psicológicos e pode provocar a morte.

Assim como em qualquer País ou em qualquer outra sociedade colonial, foram praticadas diversas modalidades de violência no Brasil. Fato é que, as várias culturas e sociedades não definiram e não definem a violência da mesma maneira, mas ao contrário, dão-lhe conteúdos diferentes, segundos os tempos e os lugares. De acordo com o estudo de Renata Álvares:

Certos aspectos da violência são percebidos da mesma maneira, porém, nas várias culturas e sociedades, formando o fundo comum contra o qual os valores éticos são erguidos .

O estudo da violência e dos mecanismos desenvolvidos por uma dada sociedade para combatê-la, constitui um campo aberto e fecundo para a investigação histórica e sociológica do Brasil. Pode-se considerar como ponto de partida a observação de que a violência não é um fenômeno recente na sociedade brasileira, estando presente em seu processo histórico, desde a colonização, desde a antiguidade clássica (greco- romana) até nossos dias atuais. Podemos perceber que, em seu centro, encontra-se o problema da violência e dos meios para evitá-la, diminuí-la e controlá-la.

A questão da violência ganhou um lugar tão importante na sociedade, que chegou a constituir uma palavra – chave, presente nos diferentes discursos na formação social brasileira. Pode-se citar como exemplo, as populações indígenas, vítimas iniciais desse processo, que foram escravizadas ou exterminadas pelas guerras empreendidas pelo conquistador português. O segundo alvo da violência colonizadora foi a população negra. Sabe-se que, entre os séculos XV e meados do século XIX, aproximadamente 30 milhões de negros foram violentamente retirados de seu continente de origem, traficados, mortos e transformados em escravos. Vale lembrar também, que houve a transição do trabalho escravo para o trabalho livre, na virada do século XIX para o XX, com a conseqüente contribuição do mercado de trabalho capitalista que transformou a sociedade brasileira e fez com que aparecessem as idéias de trabalho e a disciplina, com acentuada força e poder. No século XX a história mundial foi marcada pela violência praticada por duas grandes guerras que vitimaram milhões de pessoas.

No início do século XXI, tinha-se a expectativa de que a sociedade estaria tão evoluída a ponto de conviver em paz e harmonia, porém, a mídia mostra totalmente o inverso, continuando a denunciar o aumento sem precedentes de várias formas de violência, seja pela prática de crimes, como assassinatos, seqüestros, roubos, estupros, ocorridos nos mais variados lugares brasileiros- é a chamada violência urbana, que vitimiza milhares de pessoas em todo o mundo .

Este tipo de violência é a mais visível modalidade que existe. A violência menos visível continua escondida e pouco reconhecida. Por exemplo, a diferença salarial entre homens e mulheres, entre pessoas brancas e negras, a prática da violência doméstica que está escondida no que se chama de senso comum. Em algum momento de nossas vidas, foi dito como são e o que valem as coisas e os seres humanos, como devem ser avaliados e tratados e nós aceitamos estas informações sem contestação. Quando o senso comum se cristaliza como modo de pensar e de sentir de uma sociedade, forma o chamado sistema de preconceitos. Esse sistema de preconceitos ou representações permeia todas as relações sociais, podendo afetar de forma profunda e negativa estabelecendo diferenças entre as pessoas, negando direitos fundamentais e gerando conflitos. Percebe-se com isto, que futuramente poderá acarretar efeitos devastadores como, por exemplo, perda do respeito pela pessoa humana, restrição à liberdade, introdução da desigualdade, etc. Diferentes preconceitos, na forma de representação, permeiam a sociedade. Estão ligados á classe social, gênero, etnia, faixa etária dentre outros. Com isto, pode-se chegar a seguinte conclusão: O preconceito de cor e gênero fazem com que as pessoas negras e as mulheres sejam consideradas inferiores, o que se reflete na deficiência de educação e, portanto, em menor acesso a empregos e salários bem remunerados.
O preconceito e a discriminação estão bem claros nas indicações sócio - econômicos que indicam que as mulheres, principalmente as negras são discriminadas no mercado de trabalho quando não conseguem empregos ou ocupam cargos secundários, apesar de serem bem qualificadas e instruídas ou ainda quando percebem salários inferiores quando ocupam os mesmos cargos que os homens e mulheres brancas.

Com isto, conclui-se que no Brasil há diversas formas de violência, como por exemplo, a violência urbana que é a violência praticada pela discriminação contra as minorias que são os negros, os índios, os idosos, as mulheres, crianças, etc; A violência social em decorrência dos altos índices de desigualdades sociais e pobreza, a violência doméstica, entre outras.

Não há um dado concreto ou uma única explicação sobre o crescimento da violência no Brasil. Pode-se dizer que, certamente se encontra associado à lógica da pobreza e da desigualdade socioeconômica. É fato que pobreza e desigualdade não justificam, isoladamente, o acréscimo da violência. Um exemplo disto, é a sociedade hindu, que é pobre e profundamente hierarquizada, mas não produz as mesmas manifestações de violência existentes no Brasil. Os níveis salariais no Sudoeste da Ásia também são extremamente baixos, mas a criminalidade nessa região tampouco é comparável aos índices brasileiros, no entanto, não há como negar a relevância da desigualdade sócio-econômica na explicação do crescimento da violência. Para chegar perto da compreensão do aumento da violência criminal no Brasil, exige-se a análise dos vários aspectos da denominada exclusão social, ou seja, os excluídos, estes que não são simplesmente rejeitados física, geográfica ou materialmente. Não somente do mercado e de suas trocas, mas de todas as riquezas morais e espirituais.

Com isso, chega-se à conclusão de que seus valores não são reconhecidos, ou seja, há também uma exclusão social cultural. Um forte exemplo é a pobreza que compreende um aspecto da exclusão; a exclusão social que inclui os idosos, deficientes físicos, os doentes crônicos dentre outras.

No tocante à violência contra a mulher e a violência doméstica, há uma explicação ampla para sua grande ocorrência no Brasil. A situação não se apresenta diferente dos demais países. Não está junta apenas a pobreza, desigualdade social ou cultural. Estas são modificações marcadas profundamente pelo preconceito, discriminação e abuso de poder do agressor para com a vítima, que geralmente são as mulheres, as crianças e os idosos, ou seja, pessoas que em razão das suas peculiaridades (uma pessoa idosa não consegue agir como uma pessoa jovem, assim como uma criança não conhece meios para se defender), estão em situação de vulnerabilidade na relação social e isto é independentemente do país em que estejam morando. Estes são alguns elementos nucleares desta forma de violência. Em virtude do quantum despótico existente na maior parte dos relacionamentos afetivos, desta situação de força e poder que, geralmente, detém o agressor em relação á vítima, esta é manipulada, subjugada, violada e agredida psicológica, moralmente ou fisicamente.


publicado por araretamaumamulher às 13:18 | link do post | comentar | ver comentários (1) | favorito

Quinta-feira, 05.11.09
Assalto identitário: Eu era bonita e veja agora... Eu sabia me comunicar agora me calei... Fico esperando que o outro devolva o que perdi. Os espelhos nos quais me se vejo são partidos, não só os dentes e o corpo, mas também a alma.
Como resolver esse impasse? Hoje tenho a real consciência de tudo o que perdi de tudo o que poderia ter tido, com minha capacidade e não tive, por causa da violência, por causa do medo, do verdadeiro terror em que se transformou a minha vida por mais de vinte anos.
Ter essa consciência não minimiza os fatos, muito pelo contrario os amplia, a uma proporção gigantesca, as feridas não cicatrizam como muitos que tem uma visão simplista da situação imagina. Ao contrario elas sangram de forma continua.
Porque se antes eu não tinha consciência do que me acontecia, hoje eu tenho e sei que foi tudo de uma crueldade, milimetricamente planejada, para me deixar sem ação, sem chão, para destruir a mim e aos meus filhos.
Ouve uma verdadeira transformação em minha vida, não resta à menor duvida que ela foi para melhor, para muito melhor. Mas as coisas não param por ai, eu ainda sou uma pessoa avariada com toda a certeza.
Os prejuízos foram muitos e alguns tenho certeza que não conseguirei reaver, mas outros tenho procurado de uma forma ou de outra me ressarcir. Porque sei que sou eu que tenho que sair em busca do que quero, do que perdi, e talvez ainda consiga recuperar, não é uma tarefa fácil, nem suave.
Procuro fazer com seja mais leve do que a fase das perdas, porque sei que sou eu a única responsável por isso, meus filhos e eu já perdemos demais, já fomos por demais discriminados, humilhados, retaliados, entendemos a necessidade de nos poupar um pouco.
Quando há treze anos eu disse não aos abusos que sofríamos começou outro tipo de abuso muito mais grave.
Começou a campanha para minha desmoralização junto aos meus filhos. Começou a campanha para tirar aos meus filhos de mim, não porque ao lado dele fosse melhor, ou porque ele os amava muito, mais para se vingar por eu não aceitar mais ser espancada, humilhada, e trabalhar e sustentá-lo.
Um a um meu ex-marido foi assim que meus filhos foram tirados de mim, eles não vieram para uma vida melhor, apesar de o pai ter uma condição financeira bastante confortável, isso nunca foi revertido a eles.
Eles foram jogados da mesma forma que se joga porcos em um chiqueiro, jogados literalmente, em uma casa de adobe, com três cômodos apenas, de telha Eternit, com a fossa a céu aberto, onde ficavam sozinhos e sem dinheiro, sem ter o que comer direito por semanas a fio, enquanto o pai deles estava viajando para alguma praia do nordeste, curtindo a vida, ou em alguma pescaria do pantanal.
Meu filho caçula outro dia ame confessou que por muitos anos dormiu sozinho em casa, chorando. (Quando fiz uma denuncia no conselho tutelar, de Rondonópolis do distrito de Vila Operaria a Conselheira Cida me parece, já faz seis anos isso, me disse por telefone, que eu era louca, que tinha feito uma visita até onde estavam meus filhos, e que realmente a “casa” parecia meio bagunçada, mais o pai das crianças tinha tanto “carinho e amor” por eles que valia a pena. Depois soube pelos meus filhos que essa senhora não teve nem o cuidado básico de falar com eles sozinho, sem a presença do pai ou da esposa que estava com ele no momento. E por isso que falo tanto na capacitação de profissionais para lidar com a violência doméstica)
Não pense alguém que vai encontrar algum sinal de humanidade em um psicopata, que a isso é inexistente neles.
Só o fato de colocar meus filhos em uma situação dessas não estava bom, ele tinha meios de piorar ainda mais a situação e assim anular a auto-estima das crianças.
Morar numa casa dessas já e ruim, então imagina se você não puder colocar seu lixo para o lixeiro levar, tiver que ir amontoando-o na sua porta, se tudo quanto é entulho que seu pai for encontrando na rua for trazendo e colocando dentro da casa que já é mínima, você ficar sem espaço para se locomover? Piorou um bem mais não? Agora junte se isso o fato que adiante dos outro você tem que tratar seu pai como se ele fosse o melhor pai do mundo, que ninguém pode saber onde você mora, e como você vive, e principalmente que essas mesmas pessoas ouviram seu pai dizer diante de você e de seus irmãos que sua mãe é louca, que está em tratamento, e o quanto ele se sacrifica para educar os filhos sozinhos.
Por tudo isso meus filhos passaram, mas ainda não estava bom, quando meu filho do meio fez dezesseis anos começou a coação para que ele assumisse a responsabilidade de sustentar a casa e os irmãos, alguém tem idéia do que isso pode causar na cabeça de uma criança de dezesseis anos que vê o pai viajando curtindo a vida, e que eles não podem nem tomar um sorvete, que eles só podem levar uma vida sem graça, sem nenhuma alegria ou mesmo trazer alguém em casa. Foi ai que meu filho começou a me pedir que viesse para cá de novo, ele não estava agüentando a pressão. Porque é obvio que ele queria dar aos irmãos tudo o que lhes foi negado, mas como? Ele aparou de estudar, foi trabalhar, (escondeu isso de mim), e mesmo assim o dinheiro que ele dava ainda não estava bom. Ele tanto foi pressionado que encontrou um meio de manter a casa. Isso é outra historia tão longa e doida como essa. Só digo hoje que meu filho não está mais aqui, e que o assassino dele diz todos os dias para quem quiser ouvir que a morte do Antonio Vinicius, não foi nada não tem a menor importância.
Alguém chamaria de normal, um pai que pense assim, ou ainda um pai que uma semana depois da morte do seu filho vai para praia, porque não pode perder o verão na Bahia. Isso é normal?


publicado por araretamaumamulher às 04:49 | link do post | comentar | ver comentários (9) | favorito

Terça-feira, 27.10.09
Sendo bem realista a minha vida sempre foi um rastejar e um encolhimento, no intuito de receber amor e aprovação dos outros.
Rastejei na minha infância para meus pais, irmãos, primos e tios e tias, não funcionou. Rastejei na minha adolescência, na casa da minha tia onde fui morar, rastejei para toda a minha família não funcionou.
Rastejei para o pai do meu primeiro filho, na verdade eu aceite toda a humilhação e calunia que me foi imposta em nome “do amor” também não funcionou. Voltei a rastejar para minha família e voltou a não funcionar. No meu relacionamento com meu ex-marido cheguei à apoteose: rastejei, me humilhei, me anulei, me tornei um nada. Queria que ele ao menos reconhecesse que eu era uma pessoa muito “boa”. Só consegui ouvi-lo dizer que eu o envergonhava que ele não tinha coragem de me levar em lugar nenhum porque eu era feia, gorda, e havia parado no tempo. Deixei de ir a te nas festas de escola dos meus filhos, eu não saia a não ser para trabalhar. Aceitei ele tendo relações sexuais dentro da minha casa com as empregadas. Na realidade eu nunca me senti dona da casa, nunca me senti digna de ter alguma coisa, de ser proprietária de algo, eu me sentia tão nada que era impossível nada ter algo.
Hoje quando olho para esse quadro com certo distanciamento, fico pensando como pude deixar as coisas chegarem nesse ponto. Eu não me senti digna de entrar na justiça para exigir os meus direitos, de pedir uma pensão digna para os meus filhos, eu não me senti digna de lutar para que ele não levasse os meus filhos. Eu jamais em tempo algum ousei dizer que tudo o que era dito sobre mim, era calunia. Eu simplesmente fiquei calada e aceitei, esperando que alguém viesse me salvar. “A justiça de Deus tarda mais não falha” Dizia minha mãe quando eu era pequena. Será que eu estava esperando essa justiça para me salvar.
Meu “altruísmo” não me deixava ver o quanto eu estava prejudicando os meus filhos. Hoje olhar para trás dói, dói muito mais sei que é preciso fazer, para limpar, ferida suja não cicatriza e eu quero que todas as minhas feridas sejam cicatrizadas, curadas.
Só hoje tenho consciência do tamanho do estrago que a minha apatia, causou em meus filhos. Naquela época eu não conseguia enxergá-los, nunca parei para ver o lado deles, os problemas que eu os estava causando, só conseguia ver o problema que eles estavam me causando. Eu achava que estava me sacrificando para eles, não levando o pai deles até a justiça, era um bem que eu estava fazendo a eles, afinal eu pensava, “é muito triste ver a mãe da gente levando o nosso pai para a cadeia”. Eu achava que um dia eles iam me agradecer porque eu estava me sacrificando para dar o melhor para eles.
Meu dente doía eu ia ao dentista e mandava arrancar, porque eu não tinha dinheiro para cuidar de mim.
Hoje vejo o quanto o meu “melhor” era terrível, para eles. Mesmo porque o meu melhor era uma fila de cobradores em nossa porta, era eu mentindo para conseguir dinheiro, eu deixando o pai levá-los para morar com ele, sem nunca lutar para que eles ficassem mesmo sabendo que nenhum deles gostava de ir morar com o pai, iam por pressão dele. Mas eu achava que estava fazendo o “melhor. Eu sendo humilhada na frente deles, nós sendo despejados, ficando sem luz ou sem água por falta de pagamento. Isso era o “meu melhor” para os meus filhos. Isso era a “minha bondade para com eles.”
Eu os deixando com um sentimento de culpa por que eu fazia tudo o que podia por eles, mais nada dava certo para mim. Eu me “sacrificava”
Não entendia porque as pessoas mesmo vendo eu com três filhos sozinha, dando o maior duro, não tinham pena de mim. Será que elas não viam o meu sacrifício?
Eu viva para os meus filhos, não namorava, não saia de casa a não ser para trabalhar, eu vivia para os meus filhos, não tinha vida social. Com esse comportamento insano destruí amizades, destruí a minha vida e á vida dos meus filhos.
A dor que sinto em saber que o meu egoísmo, a minha cegueira emocional, destruiu a minha vida e a vida das pessoas que mais amo, principalmente em saber que no caso do Vi não terei mais como consertar, mesmo sabendo que não agi em minha consciência, que não fiz nada sabendo o que realmente estava fazendo, é desesperador, saber que eu fiz.
Sempre fui tão “bondosa” que as pessoas se aproveitavam de mim, nunca cobrei o que valia pelo meu trabalho, mas devido a isso eu achava que todo mundo tinha obrigação de me “ajudar” quando eu precisava, e vamos ser sinceros, alguém que vivia como eu sempre estou precisando de “ajuda”. Sempre pensei que os meus erros não podiam ser contados, que os outros não podiam contar os meus erros e fracassos, porque não era culpa minha, eu era tão “boa”, tão “trabalhadeira” tão “indefesa”, não conseguia entender porque os outros não tinham pena de mim. Porque eu tinha pena dos outros, eu fazia tudo o que estava ao meu alcance para “ajudar”, ou melhor, eu prometia, mesmo sabendo que não tinha a menor condição de cumprir. Não podia ver alguém com algum problema, que lá ia eu, “ajudar”...
Descobrir que eu só criava dor e desilusão foi um passo enorme na minha cura, mas tenho que confessar que talvez tenha sido o mais difícil de todos eles.
Sempre achei que me anulando eu estava deixando as pessoas livres, só agora consigo ver que na verdade eu as estava rejeitando e as ferindo. Na verdade eu não achava que alguém além de mim mesma pudesse ser ferida neste mundo. Que alguém além de mim, pudesse ser vulnerável, pudesse sofrer. Sempre me senti como sendo a mais sofredora, a mais injustiçada, nunca entendi porque as pessoas me evitavam, já que eu era uma pessoa tão boa, tão calma, tão amável, tão desprendida, porque não tinha amigos, porque todos me rejeitavam?
Tudo isso eu fiz, e agora me permito desfazer, eu vi tudo isso e agora me permito limpar, tudo isso da minha vida.
Permito-me honrar, e cuidar de mim, em primeiro lugar, e dos meus filhos. E isso que quero com todo o meu coração.
Permito-me olhar para o outro e me ver nele, saber que existe pessoas que como eu, se encontram em situações absurdas, e que existe milhares e centenas de milhares que ainda estão nessa situação, e que precisam de uma mão para sair dela. Eu ofereço a minha mão, estou pronta para servir, de apoio ao outro.
Fique na paz e na luz.
Fátima Jacinto
Uma Mulher.


publicado por araretamaumamulher às 10:48 | link do post | comentar | ver comentários (1) | favorito

Domingo, 13.09.09
A violência não começa na hora da agressão, ela é algo que se inicia muito antes, mas muito antes mesmo.
É isso é algo que deveria ser matéria no colégio, para que nossas filhas, não cometessem os mesmos erros.
Temos que começar a educar nossos filhos para que eles tenham uma visão mais critica sobre o ser humano. Isso não significa preconceito, é algo completamente diferente. Significa ensina-los a ver que se alguém te trata bem e trata uma pessoa mal, na sua frente, você pode ser a próxima a ser mal tratada.
São nas pequenas coisas que vamos aprender a reconhecer o futuro agressor, o futuro pedófilo, e assim poder nos defender deles. Alias futuro para nós, porque já está provado por psicólogos e psiquiatras, que um agressor, um pedófilo, já nasce com essa predisposição.
São tipos psicológicos, que precisam ser evitados, para nossa saúde física, mental e espiritual. Isso não é de forma alguma preconceito. Isso é preservação do Ser.
Estava lendo a entrevista da Maria da Penha, e fiquei pensando, é assim que foi comigo, é assim que é com a grande maioria das mulheres que são violentadas, espancadas, mal tratadas, humilhadas. A conversa é sempre a mesma: “Ele era tão bom, tão querido pela minha família, tão querido pelos meus amigos, me tratava tão bem,... que eu não poderia imaginar que isso ia acontecer...”.
Vamos ser sinceras, não imaginamos, porque estávamos carentes precisando de uma tabua de salvação... Não imaginamos porque o nosso inconsciente (nosso ego) nos dizia bem lá no fundo que não éramos capazes de arranjar coisa melhor.
Tudo o que passamos foi o que escolhemos passar. Estejamos ou não conscientes disso.
Não há como fugir da realidade. Nós fomos de encontro com o agressor, porque alguma coisa em nós precisava daquela experiência.
Ninguém se torna violento do dia para noite, uma pessoa é violenta, e esconde isso quando lhe convém, e deixa de esconder quando deixa de lhe convir. Essa é a realidade.
Meu ex-marido era um homem maravilhoso, até eu engravidar da minha filha, na minha gravidez, fui espancada mais três vezes. Por quê? Porque ele viu que estava seguro, que já tinha-me “pegado”.
Mas tenho que admitir se quiser ser honesta, que ele só era maravilhoso comigo, que ele era violento com seus familiares, com os empregados, no transito, que sua ex-mulher, dizia ter sido espancada por eles varias vezes, que suas filhas também diziam que ele espancava a mãe delas, que eu ouvia dizer que ele havia batido na mãe dele, e que por isso ela faleceu uma semana depois da surra. Então vamos ser realistas: O que me fez pensar que eu era tão especialíssima assim, que ia viver com um monstro desses e ia sair impunemente? “O medo, o meu ego que me dizia que se não fosse ele, eu não teria ninguém para me amar.”
Aceitar essa realidade é muito difícil, porque isso nos faz passar de vitimas, a donas da situação. Mas infelizmente não existe outro caminho para cura.
Falo isso, porque creio ser uma das pessoas que mais procurou que tentou achar uma solução, sem ter que enfrentar a realidade. Mas felizmente eu descobri que teria que enfrentar a verdade.
A verdade, não nos condena, ela nos faz ser responsáveis por nossas vidas, pelo nosso corpo, por nossa cabeça, e por nossa alma. A verdade de que somos responsáveis não nos faz culpadas, e não diminui em nada a culpa do agressor. Ela nos liberta da mentira de que não podemos ser responsáveis por nossas vidas, e nos faz donas de nossa alma.
Sei que chegar nesse ponto não é fácil. Mesmo porque todos que estão nessa situação, encontram-se tão avariadas, tão machucadas, com tanto medo, que beira ao terror... Que não é de forma alguma fácil.
E o que piora muito a situação é que em um estado desse você fica sem ação, e não consegue acreditar em ninguém.
O medo é um sentimento paralisante. Ele não te deixa agir, ele não te deixa raciocinar, nem enxergar a realidade. Aprendemos a ver o mundo sob a ótica do nosso medo, o nosso problema passa a ser o maior problema do mundo. Nada mais tem importância, vivemos em torno do agressor, e pensamos o dia todo em como vamos fazer. Na verdade essa passa a ser a nossa vida, o agressor. Deixamos de ter vida própria, e passamos a viver em função do agressor, é ai que somos “fisgadas”.
E assim é com a maioria dos casos de agressão, o agressor só age quando sente que está em segurança.
Aprendemos muito cedo, a sermos frágeis, vitimam coitadinhas, a nos sacrificarmos. E é ai que mora o perigo... Porque quanto mais vitimas, quanto mais coitadinhas, melhor para o agressor. Alias ele conta exatamente com isso, com o nosso medo, com a nossa bondade, com a nossa capacidade de perdoar.
Um dia ouvi em um seminário na Unipaz, facilitado pela Lydia Rebouças, que: “Paz não é ausência de guerra, paz é inteireza” Que grande verdade, e como eu ia precisar dessa verdade logo em seguida...
Ser bom não é ser capacho, perdoar, não é deixar de denunciar que você está sendo vitima de um psicopata.
Isso é totalmente o contrario de bondade, de amor, de paz... Isso é falta de auto-estima, e se você não se ama não se respeita, e não se aceita você vai mesmo aceitar ser agredida, humilhada, roubada, explorada, e tudo mais que uma mente doentia pode fazer com outro ser humano.


publicado por araretamaumamulher às 12:41 | link do post | comentar | favorito

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