O presente artigo visa abordar estas questões partindo da premissa que a gordura leva a uma exclusão socialmente validada, fazendo com que aqueles que a experienciam recorram a inúmeras práticas, saudáveis ou não, para fugir do preconceito, da intolerância e em última análise da invisibilidade social.
As recentes sucessivas e dramáticas mortes de jovens com transtornos alimentares demandam de todos nós uma reflexão mais profunda acerca do que significa a ditadura estética a qual uma parcela significativa de jovens mulheres parece estar submetida. Vale lembrar que, a prevenção destes quadros clínicos é dificultada, sobretudo nos extratos menos favorecidos da população, na medida em que não são entendidos como uma doença, mas como um estilo de vida, socialmente reforçado, como característico das pessoas de sucesso - traduzido muitas vezes no sonho de virar modelo e com isso conseguir: ascensão social, fama, sucesso, visibilidade e dinheiro.
Antes de qualquer análise mais acurada é preciso que fique claro que, óbvia e felizmente, nem todos estamos passivos e submetidos a esta ditadura, uma vez que, como sujeitos de desejo, a singularidade de cada um deve estar sempre presente ao analisarmos um fenômeno da cultura. Generalizações são sempre perigosas e a presente reflexão não deixa de lado as saudáveis resistências e a não passividade de todos aos ditames impostos pela cultura do body fitness ou do body modification. Elegemos, também, por uma questão metodológica, uma análise pela via da cultura, enfatizando, contudo, que mecanismos psíquicos, altamente complexos e singulares estão em jogo.
Não há como deixar de lado o aumento exponencial de casos de anorexia e bulimia (presentes desde a antiguidade) e tentar entender, também por este viés, como as representações da beleza foram mudando ao longo do tempo e seus efeitos no agenciamento da subjetividade.
De desígnio divino ou de limitações anatômicas, a beleza passou a ser um 'ato de vontade', 'de esforço' e um 'denotativo do caráter'. Como aponta Baudrillard, a sociedade de consumo traz a mensagem de que 'só é feio quem quer', "moralizando o corpo feminino" nas palavras do próprio autor. Processo semelhante ocorre com a medicina como veremos mais adiante. Se o corpo até a sociedade industrial era o corpo ferramenta, observamos agora que o mesmo passou a ser o principal objeto de consumo. Das academias de ginástica, dos anabolizantes, esteroides e anfetaminas que são consumidos como jujubas, das inúmeras e infindáveis técnicas de correção corporal, o corpo 'malhado' entrouem cena.
Beleza é artigo de primeira necessidade. Mas por ela você pagará um alto preço!
E quais os padrões de beleza da contemporaneidade? Seco, sarado e, definitivamente, magro! Nas palavras de Carla Reston (modelo de 21 anos que faleceu em dezembro de 2006 de anorexia), "vovó eu prefiro morrer a ser gorda". Mas esta fala não é única: "eu sei que vou morrer, mas até lá eu vivo magra", "quando me olho no espelho, não saio de casa".
Não à toa o termo empregado é 'malhar' - malha-se como se malha o ferro, marca-se o corpo numa busca que, muitas vezes, escapa dos limites do humano, ignora-se o biótipo brasileiro em busca de uma androginia que praticamente anula as características femininas. Também não é acidental que a gíria usada seja 'sarado' -, o que, em realidade quer dizer curado. Mas 'curado' de que?
Curado de si mesmo pensamos ser a mensagem subjacente ou ainda, curado da grande fobia social - ser gordo numa cultura lipofóbica!
A medicina moderna, espelhando o imaginário social individualista, culpabiliza o doente pela grande maioria de suas doenças: se seu colesterol é alto, quem manda comer gorduras? Se você é diabético, a culpa é sua por não largar os doces. Está com hipertensão? Ora, mude seu ritmo de vida e leve uma vida menos estressante -, como se isto fosse possível!
Certamente se você for dotado de uma bela voz, pertencer ao mundo artístico e for abençoado com um talento especial talvez escape da discriminação. Contudo, de forma alguma isto invalida o argumento de que somos profundamente cruéis com aqueles que fogem dos padrões estéticos definidos como ideais.
Qualquer menina gordinha vai poder relatar as incríveis maldades que sofreu na escola,(o bullying está aí para nos provar a veracidade da afirmação), os apelidos horríveis que lhe foram dados e, frequentemente, como se sentiram excluídas. Mais grave ainda, somos absolutamente tolerantes com esta forma de discriminação. Como aponta Maisonauve (1981) em seu livro, a gordura é a forma mais socialmente validade de preconceito o que nos permitir criticar as pessoas gordas atribuindo-lhes a culpa por sua condição.
Não se trata aqui de culpar esta ou aquela agência de modelos - ideal de tantas meninas, mas de refletir como o corpo tornou-se um objeto persecutório para grande parte das mulheres. Do sonho de Cinderela surge com freqüência a perseguição da Moura-Torta.(Novaes 2001)
Em um interessante trabalho intitulado O Belo e a Morte, Medeiros (2005) vai destacar o lugar do corpo na vida psíquica das mulheres, como algo, nada trivial. Segundo o autor: "este é o palco e o cenário que descortina um drama tão antigo e arrebatador quanto as epopéias. Não por acaso foi a beleza de uma mulher, a causa da Ilíada, do destino dos Argonautas e do triunfo de Ulisses em sua Odisséia.
Mas se o corpo é o palco deste drama onde o sujeito feminino interpreta sua inquietação diante das vicissitudes da beleza, quem estaria na platéia? Para quem ele representaria sua dor? De quem ele teria prazer em ouvir aplausos? "(pg 167)
Se há, felizmente, as que escapam, não podemos negar que temos uma longa tradição de negar nossos preconceitos - construímos em nosso imaginário a idéia de que não somos violentos, não somos racistas e somos extremamente cordiais. Isto nos levou a esta profunda situação de desigualdade em que nos encontramos. Ao invés de enfrentarmos o que de preconceituoso existe em nós, afirmamos nossa individualidade dizendo tratar-se de casos isolados e que, em realidade, não existe o preconceito.
Ora, sabemos que existem concursos que já estão solicitando o IMC (índice de massa corporal) de seus candidatos e que inúmeras empresas não contratam pessoas gordas - certamente a alegação é outra, mas o raciocínio segue pela seguinte linha - como a gordura é apenas uma questão de 'força de vontade', deixando-se de lado todos os outros aspectos envolvidos - da genética ao psíquico -, atribui-se ao sujeito a impossibilidade de agenciar seu próprio corpo. Ora, se você não é capaz de gerir sua própria vida com competência, como o fará em seu trabalho? E se o leitor pensa que estamos tratando apenas dos casos de obesidade engana-se.
Não ter visibilidade social ou ser visto de forma negativa/pejorativa no imaginário social são os dois lados da mesma moeda, qual seja: retirar do sujeito uma das condições fundamentais para que o mesmo tenha garantida a sua cidadania, bem como sua saúde psíquica. Pois bem, é notória e consensual no campo das ciências humanas e sociais a afirmação sobre os riscos que corre o ser humano caso seja privado do contato e da interação com seus pares ou tenha a sua mobilidade nos espaços públicos e de sociabilidade limitada - todas experiências que conferem certa dose de reconhecimento da alteridade em relação ao sujeito.(Novaes e Vilhena,2003).
A situação fica ainda mais dramática numa cultura imagética como a nossa, onde, nos grandes centros urbanos, a visibilidade, reconhecidamente, assumiu um lugar de prestígio na obtenção do reconhecimento. Chegando ao ponto de podermos afirmar que este reconhecimento legitima/reitera para o sujeito a confirmação de sua existência, tirando-o, dessa forma, do anonimato da metrópole. A ausência do sentimento de pertencimento e a angústia da invisibilidade podem levar a uma experiência de aniquilamento da existência fazendo com que o sujeito se sinta excluído do todo social, como um pária que não participa das regras do jogo, cujo final, indubitavelmente, resulta numa experiência muito dolorosa para o sujeito. Existir é, antes de mais nada, apresentar a imagem para o Outro.
Mas retomemos os inúmeros distúrbios na imagem corporal - o crescente aumento da 'vigorexia' nos homens (situações onde jamais atingem o corpo ideal, percebendo-se sempre franzinos) apontam para a prevalência de uma estética 'apolínea' que em muito nos faz lembrar o filme de Leni Riffenstal Arquitetura da Destruição. Temos aqui, os ideais estéticos nazistas que apregoavam a perfeição dos deuses e a eliminação de tudo aquilo que era considerado 'imperfeito'. Sabemos aonde isto nos levou.
Quem define o 'imperfeito' - quem determina a estética? O mercado? O mercado não é uma entidade em si mesma - ele é construído e apoiado em todos nós. Estamos, pois, no terreno da ética.
Termo bastante complexo, no momento, vai tomá-lo pela via da tolerância. Tolerância não no sentido de suportar, mas de acolher o diferente, a diversidade e o respeito ao outro.
Nada trará de volta as jovens (e, infelizmente, as que mais virão!) nem eliminará o horrível sofrimento de suas famílias - por isto mesmo temos uma dívida com elas. Denunciar o preconceito e as inúmeras pressões a que tantas mulheres e jovens são submetidos; parar de banalizar Ana e Mia (anorexia e bulimia nas páginas do Orkut). Longe de amigas, Ana e Mia são presenças mortíferas na vida de tantas jovens; questionar a sociedade em que vivemos onde o consumo desenfreado leva-nos, frequentemente, a abdicar de valores que sempre sustentaram nossa integridade; gritar cada vez mais alto que cada um de nós é dono de seu corpo e que este foi feito para nos servir e não para nos aprisionar. Enfim, reconhecer na diferença do outro a sua riqueza e singularidade, uma vez que é esta diferença que enriquece nosso convívio em sociedade.
No filme Tudo Sobre Minha Mãe, o cineasta espanhol Pedro Almodóvar, ilustra bem a idéia do sujeito que deseja mudar sua aparência para ficar cada vez mais único, de acordo com o que queria parecer. Assim, o personagem do filme, um transexual chamado Agrado, que já havia realizado inúmeras intervenções plásticas, dizia: Uma pessoa pode se dizer mais autêntica quanto mais se aproxima de como sonhou ser.
Mas com o que sonha grande parte das mulheres em nossos tempos? A gordura acabou com minha vida, dizia uma entrevistada, em uma matéria da Folha de S. Paulo. Cadernos de saúde, academias de ginástica, lojinhas de produtos naturais e cirurgias plásticas cada vez mais numerosas, parecem nos dizer que a moda do corpo magro, esbelto, sarado e cuidado chegou para ficar.
Mais ainda –, ai de quem desses parâmetros se afastar!!! Em recentes pesquisas que vimos realizando e cujas falas reproduziremos ao longo deste trabalho, pudemos observar, não apenas o caráter impositivo de uma estética que nada tem a ver com o biótipo brasileiro, como o profundo preconceito que as mulheres feias (leia-se gordas) sofrem.
Sem caráter, sem força de vontade e vistas como desleixadas, a anatomia feminina deixou de ser um destino para ser uma questão de disciplina: se não conseguimos agenciar nossos corpos, como seremos capazes de agenciar nossas vidas ou nossos empregos? Recente pesquisa feita pelo New York Times aponta para uma enorme diferença salarial (quando são contratadas!) entre mulheres bonitas e feias.
A moralização do corpo feminino, como aponta Baudrillard em seu livro A sociedade de consumo, nos leva a encarar a ditadura da beleza, da magreza e da saúde como se fosse algo da ordem de uma escolha pessoal. Deixam-se de lado todos os mecanismos de regulação social presentes em nossa sociedade, que transformam o corpo, cada vez mais, em uma prisão ou em um inimigo a ser constantemente domado.
Malhado, como se malha o ferro, não é sem razão que tal expressão é utilizada nas academias de ginástica, na tentativa de adquirir a estética desejada. Tais técnicas, apreendidas, inicialmente, como uma disciplina, com o passar do tempo são incorporadas ao cotidiano do sujeito e sem que o mesmo perceba, acaba por reproduzi-las, sem que haja uma dimensão crítica ou reflexiva sobre essas atividades/comportamentos: a Pastoral do suor de que nos fala Jean-Jacques Courtine.
Se a contemporaneidade pode ser definida exatamente pela sua liquidez, como aponta ZygmuntBaumann em vários de seus escritos, ou pela sua evanescência – tudo que é sólido desmancha no ar, o culto ao corpo, demanda do sujeito exatamente o inverso – permanência e imutabilidade.
Como sabemos, a regulação social dos padrões estéticos sofreu variações históricas em torno dos ideais de beleza de algumas décadas atrás, até à atualidade, no qual seu imperativo exige a perfeição das formas conseguida por meio de inúmeras intervenções corporais e cujo exemplo mais representativo são as modelos e atrizes.
Todo esse percurso histórico deixa bastante clara a ênfase que vem sendo dada, cada vez mais, às práticas de culto ao corpo, bem como às técnicas de aperfeiçoamento da imagem corporal. As interferências, transformações e todos os métodos de disciplinização do corpo, acompanhados da moralização da beleza, buscam esse caráter de permanência do belo corporal.
Trata-se dessa forma, de comer com a disciplina imposta pela nutricionista e, num segundo momento, anular os efeitos da ingestão, através de rigorosos exercícios físicos. Carregado de um sentimento de culpa infalível, fruto das advertências de ambos profissionais, nas quais comer não deve ser, senão, o ato de alimentar-se, destitui-se, dessa forma, a alimentação de toda a sua dimensão de prazer, fazendo com que o sujeito acredite que deva alimentar-se do olhar que equivale à aprovação social e que, por conseqüência, legitima e estimula tais práticas na obtenção desse corpo.
O que é ser bela? Acho que a sociedade nos cobra e nos sufoca demais com isso. Gostaria de dar menos valor à aparência, mas não consigo, pois vivo num mundo onde os valores estão em segundo plano e o físico em primeiro. Se eu quiser conquistar algo aqui neste mundo, sem dúvida nenhuma, a minha aparência influenciará 90%. É triste, mas é a mais pura verdade, pois comprovei isso na pele – precisei me livrar de todo o meu recheio.
As técnicas de reversão do processo de envelhecimento nos remetem ao tão sonhado projeto evolucionista do corpo. Atingida a sua maturidade, o corpo estaria livre de todas as enfermidades e intempéries – , o corpo anseia por não mais fenecer. A tentativa pós-moderna parece ser a subversão da condição humana de mortal.
Não se trata, certamente, de negar os avanços da ciência e, sim, de estar atento à dimensão de controle e regulação de nossos corpos. Como jocosamente aponta Ximenes Braga no jornal O Globo: Mundo afora, o estado quer controlar cada vez mais o que as pessoas fazem consigo mesma, e impedir crianças de engordar é mais um degrau de ridículo nesse Zeitgeist. Qual o próximo passo? A criminalização da aspirina, do sushi e do steak tartar?
Mas retornemos à nossa afirmação acerca do preconceito contra a gordura – estando aí incluído até a gravidez.
Historicamente, à mulher é associado o binômio beleza e fertilidade, estando o último aspecto referido a tudo que difere a sua anatomia da masculina, ou seja, aquilo que em suas entranhas é produzido. Entretanto, a cultura atual parece demonstrar que nem mesmo a gravidez justifica as marcas de envelhecimento deixadas pela natureza, logo, os traços remanescentes do processo da maternidade devem ser extirpados do corpo feminino.
Ressignificados e afastados do ideal de juventude, esses traços são interpretados pela cultura como feios e, portanto, devem ser eliminados, reiterando mais uma vez a máxima de que só é feio quem quer. Nesse sentido, vale lembrar a propaganda da linha de cosméticos Helena Rubinstein: Nos tempos atuais, é imperdoável que a gravidez faça com que a mulher perca a sua silhueta… A mulher deve ter um belo corpo para mostrar após os filhos estarem criados.
O fenômeno observado, tal qual descrito, parece indicar um corpo análogo ao corpo andrógino referido por Baudrillard, no qual houve o apagamento dos signos de diferença. Não é à toa, que a maioria de nossas entrevistadas associa a necessidade da cirurgia à gravidez e aos processos ulteriores de maternagem, como a amamentação, e justificam seu desejo de anulação dessas marcas dizendo tratar-se de um excesso desnecessário. Ironicamente, a amamentação é o exemplo prototípico de um excesso interno do corpo feminino que produz a satisfação do bebê.
Depois da gravidez mudou tudo... os peitos desabaram. Já ouviu falar nas termas de Caracalla?
Não adianta, porque quando você engravida as marcas estão lá mesmo – então por que não consertar?
De que corpos, então, estão falando essas mulheres? Será um corpo sem marcas ou inscrições: um corpo em branco? Quem ou o que contaria então a sua história? Será ousado pensar tratar-se da valorização de um corpo oco? Como um corpo virtual, que só possui duas dimensões, aquelas que os olhos alcançam. Ou ainda, como o corpo publicitário: para sempre diante do seu olhar!
Freqüentemente associado ao corpo que “atrai”, a cirurgia é buscada como uma forma de se manter atraente aos olhos do outro. Permanecer jovem, seduzir, manter o interesse do companheiro são justificativas muitas vezes empregadas. Não é de se espantar que muitas vezes ninguém possa tocar esse corpo. Ele está/existe apenas para a visão, ou seja, para ser admirado – os seios Pão de Açúcar nas palavras de uma entrevistada.
Frases que são proferidas com o intuito de estimular ou mesmo reforçar positivamente as pessoas gordas a persistirem com dietas e/ou rotina de exercícios, ilustram bem a idéia do corpo magro como um ideal a ser atingido, bem como a representação social do gordo como um imperfeito que deve ser reeducado, de forma eficiente à moralização do bom comportamento. Neste sentido, nada espelha melhor a moral do culto ao corpo do que a disciplina, a perseverança e a obstinação.
Vejamos alguns exemplos ouvidos em academias: vai gordinha que você chega lá ou, no caso de demonstração de cansaço, o seu corpo é um reflexo do seu comportamento – se for paradona, preguiçosa do tipo que só gosta de comer e dormir, fatalmente será gorda, caidaça e toda flácida. (fala de um personal trainer).
Finalmente, um dos relatos que melhor afirma a idéia da exclusão social infligida às mulheres gordas - a negação da sexualidade:
Um amigo meu uma vez me disse: se quiser ser desejada emagreça, pois é óbvio que ninguém vai olhar para gordinha “cocota” e sim para a saradona “cascuda”.
Parece que a fala do amigo diz à nossa entrevistada que ela é menos mulher por ser gorda, logo, feia. Ser gorda lança-a na condição de apenas amiga dos homens, ou seja, só as magras podem exercer sua feminilidade plenamente, pois conseguem despertar o desejo dos “carinhas”. Feiúra é índice de menos-ser.
Contudo, não se trata como alguns colegas apontam, de reduzir a busca por um corpo ideal, a uma falha, uma falta, um defeito, uma patologia ou um processo de alienação. Trata-se, a nosso ver, de poder pensar por quais processos discursivos e de socialização estas e outras práticas fortemente instituídas e difundidas colaboraram para anular as resistências ao que nelas existe de opressão.
É preciso pensar na forma pela qual os agentes interiorizam/incorporam o discurso dominante e na sua conseqüente reprodução no seio da sociedade. É importante notar que os mecanismos que regem a dinâmica das relações, tais como sujeição e dominação, obediência e imposição, não devem ser encarados como algo que vem de cima para baixo, e sim como um processo dialético, horizontal, encenado por todos os membros de uma sociedade, assimilado como uma tática inerente ao jogo, e que permeia todos os âmbitos e espaços indo da família à escola, dos locais de trabalho às instituições públicas, retornando ao convívio social.
Por isso, torna-se fundamental refletir acerca da sociedade de imagens na qual vivemos. O corpo, ao entrar em cena, e ocupar agora um espaço que dá ao indivíduo a visibilidade necessária aos poderes disciplinares, torna-se o principal alvo das estratégias de controle. Por essa mesma razão ele deve ser pensado e visto como uma possibilidade de resistência.
Este mundo é feito para os magros, jovens, brancos, caucasianos e sem nenhum tipo de deficiência física. Quem não pertencer a um desses grupos, com certeza ficará à margem sofrendo inúmeros preconceitos.
Joana V. Novaes é doutora em psicologia clínica. Coordenadora do Núcleo de Doenças da Beleza do Laboratório Interdisciplinar de Pesquisa e Intervenção Social – Lipis da PUC-Rio. E-mail joananovaes@terra.com.br.
Junia de Vilhena é doutora em psicologia clínica, é psicanalista, professora do Departamento de Psicologia da PUC-Rio; coordenadora do Laboratório Interdisciplinar de Pesquisa e Intervenção Social – Lipis da PUC-Rio e pesquisadora da Associação Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental. E-mail vilhena@psi.puc-rio.br