Sexta-feira, 01.01.10
A violência doméstica é um tema bastante atualizado e instigante que atinge milhares de mulheres e crianças, adolescentes e idosos em todo o mundo, decorrente da desigualdade nas relações de poder entre homens e mulheres, assim como, a discriminação de gênero ainda presente tanto na sociedade como na família; Porém, sabe-se que esta questão não é recente, estando presente em todas as fases da história, mas apenas recentemente no século XIX, com a constitucionalização dos direitos humanos a violência passou a ser estudada com maior profundidade e apontada por diversos setores representativos da sociedade, tornando-se assim, um problema central para a humanidade, bem como, um grande desafio discutido e estudado por várias áreas do conhecimento enfrentado pela sociedade contemporânea. No Brasil, este tema ganhou maior relevância com a entrada em vigor da Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006, também conhecida como “Lei Maria da Penha”, uma merecida homenagem a mulher que se tornou símbolo de resistência a sucessivas agressões de seu ex- esposo.

Diante de toda repercussão alcançada, principalmente pela mídia, surgiram muitos comentários equívocos, criando-se, algumas vezes, falsas expectativas, como se, a partir da criação de uma lei exclusiva para tratar do tema, fosse inverter, de uma hora para a outra, uma rota histórica da violência. Basicamente por ser a violência resultante de uma arraigada cultura machista e discriminatória, que subjuga as mulheres, este problema não se resolve de imediato, num simples passe de mágica pelo poder da lei.

Com base no importante peso do instrumento legal, ainda assim, dentro do ponto de vista técnico, é preciso averiguar e analisar a lei à luz dos princípios constitucionais, penais e processuais penais, para se apurar até que ponto o Estado tem legitimidade para intervir coercitivamente na liberdade dos cidadãos.

Fato é que a violência doméstica e familiar é uma questão histórica e cultural anunciada, que ainda hoje infelizmente faz parte da realidade de muitas mulheres nos lares brasileiros. Com a entrada em vigor da Lei Maria da Penha, que cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra as mulheres almeja-se que essa realidade mude e a mulher passe a ter instrumentos legais inibitórios, para que não mais seja vítima de discriminação, violência e ofensas dos mais variados tipos.
Vale ressaltar que para chegar ao ponto principal (violência doméstica) é necessário abordar a chamada “violência de gênero”, examinando sua origem, características, formas de manifestação e os possíveis fatores causadores dessa violência. Segundo Edison Miguel:
A violência baseada no gênero é aquela decorrente das relações entre mulheres e homens, e geralmente é praticada pelo homem contra a mulher, mas pode ser também da mulher contra mulher ou do homem contra homem. Sua característica fundamental está nas relações de gênero onde o masculino e o feminino, são culturalmente construídos e determinam genericamente a violência .

A violência doméstica não é marcada apenas pela violência física, mas também pela violência psicológica, sexual, patrimonial, moral dentre outras, que em nosso país atinge grande número de mulheres, as quais vivem estes tipos de agressões no âmbito familiar, ou seja, a casa, espaço da família, onde deveria ser “o porto seguro” considerado como lugar de proteção, passa a ser um local de risco para mulheres e crianças.
O alto índice de conflitos domésticos já detonou o mito de “lar doce lar”. As expressões mais terríveis da violência contra mulher estão localizadas em suas próprias casas onde já foi um espaço seguro com proteção e abrigo.

A cada ano que passa, a violência reduz a vida de milhares de pessoas em todo o mundo e com isso, prejudica a vida de muitas outras. Ela não tem noção de fronteiras geográficas, raça, idade ou renda, atingindo assim, crianças, jovens, mulheres e idosos. A cada ano é responsável pela morte de milhares de pessoas em todo o mundo. Para cada pessoa que morre devido à violência, muitas outras são feridas ou sofrem devido a vários problemas físicos, sexuais, reprodutivos e mentais.

Neste primeiro item tem-se como ponto de partida a controvérsia, a complexidade da locução violência. Essa polêmica tem dado causa a muitas teorias sociológicas, antropológicas, psicológicas e jurídicas, por isso, a imensa dificuldade de um tratamento científico do tema.

O vocábulo violência é composto pelo prefixo vis, que significa força em latim. Lembra idéias de vigor, potência e impulso. A etimologia da palavra violência, porém, mais do que uma simples força, a violência pode ser compreendida como o próprio abuso da força. Violência vem do latim violentia, que significa caráter violento ou bravio. O verbo violare, significa tratar com violência, profanar, transgredir. Segundo Stela Valéria:

Estes termos devem ser referidos a vis, que mais profundamente, significa dizer a força em ação, o recurso de um corpo para exercer a sua força e, portanto, a potência, valor, a força vital .

É um ato de brutalidade, abuso, constrangimento, desrespeito, discriminação, impedimento, imposição, invasão, ofensa, proibição, sevícia, agressão física, psíquica, moral ou patrimonial contra alguém e caracteriza relações intersubjetivas e sociais definidas pela ofensa e intimidação pelo medo e terror. Segundo o dicionário Aurélio violência seria ato violento, qualidade de violento ou até mesmo ato de violentar. Do ponto de vista pragmático pode-se afirmar que a violência consiste em ações de indivíduos, grupos, classes, nações que ocasionam a morte de outros seres humanos ou que afetam sua integridade moral, física, mental ou espiritual. Em assim sendo, é mais interessante falar de violências, pois se trata de uma realidade plural, diferenciada, cujas especificidades necessitam ser conhecidas.
Vale ressaltar que a violência ocorre em vários contextos e áreas, como por exemplo, tanto no âmbito público quanto no âmbito privado. Segundo a OMS - Organização Mundial de Saúde -, a violência pode ser classificada em três modalidades:

-Violência inter-pessoal – este tipo de violência pode ser física ou psicológica, ocorrer tanto no espaço público como no privado. São vítimas crianças, jovens, adultos e idosos. Neste tipo de violência destaca-se a violência entre os jovens e a violência doméstica; violência contra si mesmo - é aquela em que a própria pessoa se violenta, causando a si mesmo lesões; violência coletiva - em suas diversas formas, recebe uma grande atenção pública, pois, há conflitos violentos entre nações e grupos, terrorismo de Estado ou de grupos, estupro como arma de guerra, guerras de gangues, em que ocorre em toda a parte do mundo; violência urbana - é aquela cometida nas cidades, seja em razão da prática de crimes eventuais, seja pelo crime organizado. É um problema que aflige vários países mundo afora.

Alguns cientistas sociais acreditam que a violência é própria da essência humana (do estado de natureza). Enquanto fenômeno estritamente humano, a violência não pode ser percebida fora de um determinado quadro histórico - cultural. Assim como as normas de conduta variam do ponto de vista cultural e histórico a depender do grupo que está sendo analisado, atos considerados violentos por determinadas culturas não são assim percebidos por outras, como por exemplo, as ablações do clitóris das crianças ocorrem diariamente em alguns países de religião islâmica, e são consideradas práticas normais pela maioria da população mulçumana, além de não serem criminalizadas, diferentemente da população ocidental, em que tem - se atos de violência e graves violações aos direitos humanos. Durante muito tempo, os castigos físicos infligidos a crianças e negros foram considerados normais. Assim, também ocorria a violência contra a mulher, que era considerada, até recentemente, como corriqueira e natural nas relações familiares em virtude do poder que o homem detinha sobre a mulher em face do pátrio poder e do casamento.

Pode-se afirmar que a conseqüência imediata disto, é que a violência é percebida de forma heterogênea e multifacetada, a partir da própria estrutura simbólica vigente na sociedade. Pode-se verificar também que a percepção contemporânea da violência foi ampliada não apenas do ponto de vista de sua intensidade, mas igualmente na perspectiva de sua própria extensão conceitual.
Convém então, dizer que as noções de violento e violência estão relacionadas à maldade humana, ou ao uso da força contra o fraco, o pobre ou o destituído. Nesse âmbito, o pobre, o fraco e o destituído surgem quase como que inocentes (como por exemplo, a criança que é espancada ou a mulher que é violentada), sendo uma questão de categorização moral do que de pertinente classificação econômica ou política. Segundo alguns autores pode-se afirmar que a violência, assim como a dor, a doença, a inveja, tem uma distribuição desigual na sociedade. Tem uma distribuição apenas associativa com certas categorias sociais. Elas sorriem para os pobres, muito mais do que para os ricos. A violência seria resultante de um desequilíbrio entre fortes e fracos. Isso envia um traço essencial do discurso de senso comum sobre a violência. A violência em suas mais variadas formas de manifestação afeta a saúde por que representa um risco maior para a realização do processo vital humano: ameaça a vida, produz enfermidade, danos psicológicos e pode provocar a morte.

Assim como em qualquer País ou em qualquer outra sociedade colonial, foram praticadas diversas modalidades de violência no Brasil. Fato é que, as várias culturas e sociedades não definiram e não definem a violência da mesma maneira, mas ao contrário, dão-lhe conteúdos diferentes, segundos os tempos e os lugares. De acordo com o estudo de Renata Álvares:

Certos aspectos da violência são percebidos da mesma maneira, porém, nas várias culturas e sociedades, formando o fundo comum contra o qual os valores éticos são erguidos .

O estudo da violência e dos mecanismos desenvolvidos por uma dada sociedade para combatê-la, constitui um campo aberto e fecundo para a investigação histórica e sociológica do Brasil. Pode-se considerar como ponto de partida a observação de que a violência não é um fenômeno recente na sociedade brasileira, estando presente em seu processo histórico, desde a colonização, desde a antiguidade clássica (greco- romana) até nossos dias atuais. Podemos perceber que, em seu centro, encontra-se o problema da violência e dos meios para evitá-la, diminuí-la e controlá-la.

A questão da violência ganhou um lugar tão importante na sociedade, que chegou a constituir uma palavra – chave, presente nos diferentes discursos na formação social brasileira. Pode-se citar como exemplo, as populações indígenas, vítimas iniciais desse processo, que foram escravizadas ou exterminadas pelas guerras empreendidas pelo conquistador português. O segundo alvo da violência colonizadora foi a população negra. Sabe-se que, entre os séculos XV e meados do século XIX, aproximadamente 30 milhões de negros foram violentamente retirados de seu continente de origem, traficados, mortos e transformados em escravos. Vale lembrar também, que houve a transição do trabalho escravo para o trabalho livre, na virada do século XIX para o XX, com a conseqüente contribuição do mercado de trabalho capitalista que transformou a sociedade brasileira e fez com que aparecessem as idéias de trabalho e a disciplina, com acentuada força e poder. No século XX a história mundial foi marcada pela violência praticada por duas grandes guerras que vitimaram milhões de pessoas.

No início do século XXI, tinha-se a expectativa de que a sociedade estaria tão evoluída a ponto de conviver em paz e harmonia, porém, a mídia mostra totalmente o inverso, continuando a denunciar o aumento sem precedentes de várias formas de violência, seja pela prática de crimes, como assassinatos, seqüestros, roubos, estupros, ocorridos nos mais variados lugares brasileiros- é a chamada violência urbana, que vitimiza milhares de pessoas em todo o mundo .

Este tipo de violência é a mais visível modalidade que existe. A violência menos visível continua escondida e pouco reconhecida. Por exemplo, a diferença salarial entre homens e mulheres, entre pessoas brancas e negras, a prática da violência doméstica que está escondida no que se chama de senso comum. Em algum momento de nossas vidas, foi dito como são e o que valem as coisas e os seres humanos, como devem ser avaliados e tratados e nós aceitamos estas informações sem contestação. Quando o senso comum se cristaliza como modo de pensar e de sentir de uma sociedade, forma o chamado sistema de preconceitos. Esse sistema de preconceitos ou representações permeia todas as relações sociais, podendo afetar de forma profunda e negativa estabelecendo diferenças entre as pessoas, negando direitos fundamentais e gerando conflitos. Percebe-se com isto, que futuramente poderá acarretar efeitos devastadores como, por exemplo, perda do respeito pela pessoa humana, restrição à liberdade, introdução da desigualdade, etc. Diferentes preconceitos, na forma de representação, permeiam a sociedade. Estão ligados á classe social, gênero, etnia, faixa etária dentre outros. Com isto, pode-se chegar a seguinte conclusão: O preconceito de cor e gênero fazem com que as pessoas negras e as mulheres sejam consideradas inferiores, o que se reflete na deficiência de educação e, portanto, em menor acesso a empregos e salários bem remunerados.
O preconceito e a discriminação estão bem claros nas indicações sócio - econômicos que indicam que as mulheres, principalmente as negras são discriminadas no mercado de trabalho quando não conseguem empregos ou ocupam cargos secundários, apesar de serem bem qualificadas e instruídas ou ainda quando percebem salários inferiores quando ocupam os mesmos cargos que os homens e mulheres brancas.

Com isto, conclui-se que no Brasil há diversas formas de violência, como por exemplo, a violência urbana que é a violência praticada pela discriminação contra as minorias que são os negros, os índios, os idosos, as mulheres, crianças, etc; A violência social em decorrência dos altos índices de desigualdades sociais e pobreza, a violência doméstica, entre outras.

Não há um dado concreto ou uma única explicação sobre o crescimento da violência no Brasil. Pode-se dizer que, certamente se encontra associado à lógica da pobreza e da desigualdade socioeconômica. É fato que pobreza e desigualdade não justificam, isoladamente, o acréscimo da violência. Um exemplo disto, é a sociedade hindu, que é pobre e profundamente hierarquizada, mas não produz as mesmas manifestações de violência existentes no Brasil. Os níveis salariais no Sudoeste da Ásia também são extremamente baixos, mas a criminalidade nessa região tampouco é comparável aos índices brasileiros, no entanto, não há como negar a relevância da desigualdade sócio-econômica na explicação do crescimento da violência. Para chegar perto da compreensão do aumento da violência criminal no Brasil, exige-se a análise dos vários aspectos da denominada exclusão social, ou seja, os excluídos, estes que não são simplesmente rejeitados física, geográfica ou materialmente. Não somente do mercado e de suas trocas, mas de todas as riquezas morais e espirituais.

Com isso, chega-se à conclusão de que seus valores não são reconhecidos, ou seja, há também uma exclusão social cultural. Um forte exemplo é a pobreza que compreende um aspecto da exclusão; a exclusão social que inclui os idosos, deficientes físicos, os doentes crônicos dentre outras.

No tocante à violência contra a mulher e a violência doméstica, há uma explicação ampla para sua grande ocorrência no Brasil. A situação não se apresenta diferente dos demais países. Não está junta apenas a pobreza, desigualdade social ou cultural. Estas são modificações marcadas profundamente pelo preconceito, discriminação e abuso de poder do agressor para com a vítima, que geralmente são as mulheres, as crianças e os idosos, ou seja, pessoas que em razão das suas peculiaridades (uma pessoa idosa não consegue agir como uma pessoa jovem, assim como uma criança não conhece meios para se defender), estão em situação de vulnerabilidade na relação social e isto é independentemente do país em que estejam morando. Estes são alguns elementos nucleares desta forma de violência. Em virtude do quantum despótico existente na maior parte dos relacionamentos afetivos, desta situação de força e poder que, geralmente, detém o agressor em relação á vítima, esta é manipulada, subjugada, violada e agredida psicológica, moralmente ou fisicamente.


publicado por araretamaumamulher às 13:18 | link do post | comentar | ver comentários (1) | favorito

Sexta-feira, 23.10.09
Sinto que tenho um caminho a seguir, o de descobrir o porquê de tudo isso. O fato de sempre me sentir, por baixo, de nunca ter tido nenhuma auto-estima, de sentir uma vergonha enorme de quem eu realmente sou, de me achar sempre uma fraude, me levou a ter uma máscara de orgulho exarcebada, e a me esconder de tudo e de todos. Na realidade hoje sei que eu tinha medo das pessoas. Por isso sempre me escondi, não podia contar com ninguém, e foi isso que me levou a andar em círculos obstinadamente, cometendo os mesmos erros, porque assim eu pensava que ninguém nunca saberia quem eu realmente era. Quem será que eu realmente era? Eu hoje não sei quem eu sou então como explicar o medo que eu tinha de quem eu era?
Tenho pensado muito e me recordado da minha infância. O meu maior problema sempre foi o dinheiro. Meu pai era uma pessoa compulsiva e nunca soube lidar com dinheiro, ele e minha mãe iam gastando e quando acabava eles vendiam mais alguma coisa, quando acabou tudo o que tínhamos , eles começaram a pedir dinheiro emprestado, para a família. Meu pai chegou a vender uma parte da herança da minha tia.
Quando a situação ficou insustentável fomos morar na casa da minha avó, ela acabou tendo que comprar outra casa para ela, porque não conseguia conviver com o sadismo do meu pai. Meus tios sempre tiveram que nos ajudar, mas era uma ajuda que vinha sempre com muita humilhação, com ironia, e que aumentava ainda mais o nosso complexo de inferioridade, e nosso sentimento de culpa.
Mas isso nunca preocupou os meus pais, tanto não os preocupou, que até hoje minha mãe mora na casa que era da minha avó, hoje ela mora lá por opção, e nunca teve a menor preocupação em preservar a casa.
Agora que consigo ver melhor toda a situação, vejo que tenho repetido esse padrão, em minha vida. Talvez os cenários sejam outros, mas o padrão de nunca ter dinheiro, de está sempre precisando da “ajuda” de outros, de não saber lidar com o lado financeiro da minha vida. E principalmente de ficar sempre em situação de exposição, para receber uma humilhação por causa disso. Parece que procuro uma forma de ser humilhada.
E sempre dentro de mim ficava a certeza de que se as pessoas quisessem podiam me perdoar, ou esquecer a minha divida. Ou seja, eu queria que cuidassem de mim, que alguém tomasse em suas mãos a responsabilidade por minhas finanças.
Mas ao mesmo tempo tinha um sentimento de culpa, um medo, de ser cobrada, de ser humilhada. Do que as pessoas iam falar quando soubessem que eu não tinha o dinheiro. Esse era um padrão que eu tinha, então fica obvio que eu já sabia, ou melhor, estava procurando, uma forma de ser humilhada, de ouvir algumas poucas e boas. Eu levava isso até a situação se tornar insustentável.
Hoje sei que essa era uma das formas que tinha de ser filha dos meus pais, de está próxima a eles.
Meus pais nunca assumiram nenhuma responsabilidade, e eu também não, eles nunca se permitiram nenhum tipo de prazer a não ser a comida, e eu também agia assim.
Nunca me permiti ser feliz, nunca me achei digna de ser amada, de ser respeitada. O dinheiro sempre foi algo muito desejado em minha vida, e ao mesmo tempo tinha um sentimento de culpa, uma urgência em deixá-lo, porque o dinheiro é “sujo” e “só os pobres herdaram o céu”.
Sempre apanhei muito, da minha mãe, e meu pai nos colocava de joelhos para rezar o terço, em cima de grãos de milho e de braços abertos. Carreguei comigo o padrão de que eu merecia ser espancada, que eu não era boa, era porca relaxada, preguiçosa, vagabunda e merecia todo o tipo de “castigo”. Tudo o que acontecia ao meu redor, eu me sentia culpada, e isso me levava a sempre tentar “consertar as coisas”, quando não conseguia, eu mentia porque não suportava a culpa de ver os outros sofrendo “por minha causa”.
Não conseguia entender que era eu que causava o sofrimento dos “outros” com minha mentira. Tentado ser “boazinha”, na verdade tentando desesperadamente ser vista, ser ouvida, que alguém no mundo me enxergasse. Eu queria ser necessária para alguém.
Não me sentia necessária nem para os meus filhos.
Conclui daí que toda a minha vida havia sido até aquele momento um constante recriar da minha infância. Tudo o que eu fazia tudo o que eu falava, tudo o que eu viva, era com o intuito de reviver a dor que sofri na minha infância, e talvez assim entender o motivo de tanta dor ser imposta a uma criança.

Fique na luz e na paz
Fátima Jacinto
Uma Mulher.


publicado por araretamaumamulher às 18:53 | link do post | comentar | ver comentários (1) | favorito

Quinta-feira, 22.10.09
Onde começa a violência? Onde começa a aceitação da violência? Difícil de serem respondidas essas duas perguntas. Todos nós sabemos que ela se inicia na infância, mais para termos tido pais violentos tivemos também avôs violentos? É um circulo vicioso, sempre.
Minha infância foi uma infância de culpa, castigos, surras, sacrifícios, e muitas pregações e orações católicas.
Eu sempre me senti no olho do furacão, tudo era minha culpa. Passei grande parte da minha infância ouvindo minha mãe contar para sua família, minhas tias e avó o quanto eu era porca, relaxada, preguiçosa, mentirosa. Tudo o que eu fazia ou dizia cabia em um desses adjetivos. Eu nunca ia dar certo. Tudo o que estava errado era culpa minha. O simples fato de ter nascido, já era o principal problema. Afinal eu era uma menina.
Sempre era enfatizando o fato de que eu recebia muito mais do que merecia. Seja em bens materiais ou em afeto, atenção, e outros. Como eu nunca recebia nada de nenhum dos itens, conclui que não merecia ter nada.
Não me lembro de poder brincar, me divertir, ser feliz. Tudo na minha infância vinha carregado de um sentimento muito pesado de culpa e de medo, de castigo e de sacrifício. Quase nunca íamos a festas, e quando íamos, o sentimento de esta fazendo uma coisa que “Deus” não gostava era enorme.
O Deus que conheci na minha infância, era um Deus terrível, que não gostava dos ricos, que não gostava que fossemos alegres e felizes. Era um Deus que cobrava um preço muito alto, por nada, ou melhor, para a destruição.
O único prazer totalmente liberado em minha casa era comer, minha mãe fazia comidas e mais comidas...
Carreguei comigo esse ranço de pecado, de humilhação, de medo, de verdadeiro terror mesmo, durante todo o meu casamento. Esse medo do que iam pensar de mim, do que ia acontecer comigo.
A sensação de que eu tinha algo que, poderia ser descoberto e que faria com que as pessoas não me aceitassem. Um medo terrível, eu vivia em sobressalto. Foi assim que passei minha infância, minha adolescência e o meu casamento.
Na verdade muitos anos depois do meu casamento ter acabado, eu ainda me sentia assim. Aquele medo terrível, de que as pessoas fossem descobrir algo, a meu respeito.
Hoje fico me perguntando descobrir o que?
Jamais me senti digna de reclamar, de dizer o que estava sentindo. Alias era proibido isso na minha infância.
O fato de me sentir o bode expiatório em uma família desestruturada, desajustada, e totalmente insana, não podia de forma alguma ser reclamado. Eu ainda deveria era me sentir feliz, por eles ser tão religiosos.
Assim aprendi a fugir, e a esconder no meu corpo, toda a dor, todo medo, toda a humilhação.
Aprendemos um modo de viver, ou melhor, de sobreviver às adversidades, e nos adaptamos a ele de tal forma que depois fica muito difícil sair. Sermos transformados.
Sempre me senti incapaz de cuidar de mim, sempre ter alguém que me amparasse, e por isso me vi incapaz de cuidar dos meus filhos também. Foi por isso que nunca entrei judicialmente contra o pai deles, por não me achar digna de cuidá-los, ou capaz de fazê-lo.
Assim fui me tornando alguma coisa solta, sem uma estrutura, sem historia, sem um grupo, ao qual eu pudesse dizer que fazia parte.
Nunca me senti parte da minha família, nunca me senti filha da minha mãe, irmã dos meus irmãos, filha do meu pai. Sobrinha das minhas tias, neta da minha avó. Eu sempre tive comigo a certeza de ser uma presença incomoda para todas essas pessoas.
E, por conseguinte nunca me senti namorada, esposa, mãe de ninguém...
Na verdade não conseguia me sentir parte integrante da vida.
Isso me levou a me valorizar tão pouco, me sentir pouco, ou melhor, não digna, me sabotar e não me preocupar em cuidar do meu ser.
Eu sempre fui de encontro com as humilhações, com a vergonha, e com o medo, por achar ser isso a única coisa que eu merecia receber da vida.
Não eu não tinha a menor consciência de tudo isso até passar por um processo longo de terapia, até conhecer o Pathwork eu não sabia de nada disso, eu simplesmente vivia esse drama, sem nem saber que isso era um grande drama.
Não tinha a menor consciência do quanto essas minhas atitudes me prejudicavam, e prejudicava a todos ao meu redor, principalmente aos meus filhos. Tinha o péssimo habito de achar que isso não causava dor em mais ninguém a não ser em mim. Achava que minha ferida estava tão bem guardada, escondida em quilos e mais quilos de gordura, que ninguém era capaz de percebê-la.
E que se alguém tentasse vê-la ainda tinha a cortina de fumaça dos meus cigarros.
Foi preciso me olhar no mais fundo do meu ser e assumir o que eu era e o que eu queria me tornar.
Achava-me indigna e queria ser digna, me achava feia e queria ser bonita, me achava desconectada e queria ser conectada, me achava solta e queria fazer parte de algo,
Achava-me amarga e queria ser doce, me achava péssima e queria ser ótima.
Na realidade eu não achava nada, eu sentia tudo isso e gostaria de me sentir diferente, de outra forma, porque aquela estava doendo muito e não agüentava mais.
Queria-me sentir amada, querida, desejada, esperada, conectada, inteligente, doce, bonita. Queria principalmente desesperadamente ser amado, saber que alguém no mundo sente falta de mim.
Eu então falei com Deus, como nunca tinha falado antes: “Deus eu te busco tanto, Você tem sido a única constante da minha vida. A minha busca por Você. Mas não nunca te encontrei. Quero que me diga que todo o meu erro tem concerto e que tudo isso, que venho vivendo não passa de um sonho ruim e que de agora em diante eu estarei segura nos seus braços.”
Sinto que tenho um caminho a seguir, o de descobrir o que isso tudo fez em minha vida.
Até hoje não consigo ser completamente inteira, às vezes fico pensando se um dia será.
Fique na luz e na paz
Fátima Jacinto
Uma Mulher


publicado por araretamaumamulher às 11:33 | link do post | comentar | favorito

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