Quarta-feira, 17.03.10
A violência e as suas expressões sociais parecem ter invadido a vida e o cotidiano das pessoas.
Não podemos deixar de pensar nesse problemas, como questão social – expressando antagonismos de classe e colocando em relevo, as condições gerais de existência de parcelas significativas da população.
Embora o desenho da violência como objeto de estudo seja recente, seu papel é importante na história e nas atividades da humanidade. Especialmente, esse tema vem ganhando corpo no Brasil, pelos acontecimentos ocorridos nos grandes centros, pelo medo social instaurado e pelo questionamento aos valores, inclusive dos estudiosos do assunto. Se antes, falava-se em Direitos Humanos referentes aos responsáveis pela violência, hoje fala-se dos Direitos das Vítimas.
Frente a esta realidade que a todos inquieta e desafia, é hora de perguntar o que mudou? O quantitativo ou o qualitativo da violência? A violência mesma ou sua representação social? O comportamento delituoso ou as marcas político-ideológicas do sistema? Também é tempo de compreender as determinações sociais da violência, entendendo que a pobreza, em si, não leva nem conduz ao caminho inexorável da criminalidade
Segundo Hannah Arendt, a violência objetiva a anulação da vontade do outro, mantendo a realização da dominação, faz a “distinção entre a violência vermelha, que leva à morte (relação de força) e a violência branca, que mantém a vida física e marca indelevelmente a vida social e psicológica”
Historicamente a violência contra a mulher é uma ofensa à dignidade humana e manifestação das relações de poder desiguais, entre homens e mulheres. Constitui uma violência contra os Direitos Humanos e as liberdades fundamentais pois limita total ou parcialmente à mulher, o reconhecimento e o exercício de direitos e liberdades. Baseada no gênero, a violência contra a mulher transcende todos os setores da sociedade, ocorre independentemente de classe, raça ou grupo étnico, nível de salário, cultura, educação, idade ou religião. Ela se dá nos lares, nos locais de trabalho, nas ruas. É física e/ou sexual, e/ou psicológica, psicológica e/ou física, ou tudo isto junto!
Entre os tipos de violência mais comuns, estão aquelas ocorridas dentro do espaço doméstico, as ameaças, o abandono material, o atentado violento ao pudor, o estupro. A violência contra a mulher geralmente ocorre no âmbito do privado, no isolamento do doméstico e das relações mais pessoais, gerando agressões e mascaramento de conflitos. Em muitos casos, situações reprimidas podem até vir à tona em forma de somatizações importantes, gerando doenças misteriosas e dificultando o enfrentamento do problema.
Mulheres jovens podem tomar consciência de seu próprio problema quando percebem que este pode não ser um problema pessoal, isolado de um contexto social mais amplo, geralmente originado de condições culturais adversas e naturalizado pela prática. Esta percepção pode ajudar as pessoas e a comunidade mais ampla a se mobilizar em torno da questão da violência, sensibilizando instituições, o poder público local e a sociedade de modo geral.
A violência contra a mulher é um fenômeno generalizado que alcança grande número de mulheres. “ Dados da ONU demonstram que a violência doméstica é a principal causa de lesões em mulheres entre 15 e 44 anos, no mundo.
A gravidade dos problemas da violência contra a mulher, pode resultar em muitos casos, em índices absurdos de morbidade e mortalidade maternas, altos índices de gravidezes precoces, de gravidez por estupro, de abortos, etc. Isto exige posicionamentos oficiais por parte das instituições públicas, provendo serviços e orientações à grande parcela da população feminina.. Políticas de atenção à mulher podem e devem ser adotadas, contemplando amplos segmentos da população direta ou indiretamente afetados. Afinal, a mulher não é a única vítima numa família onde a violência pode representar uma forma de comunicação. È importante atender nos programas oferecidos, a própria mulher, os familiares, mas também o agressor.
Relatório do Banco Mundial, como subsídio ao evento da ONU afirma que países que diminuem as desigualdades entre mulheres e homens, têm índices menores de corrupção, e taxas de crescimento mais altas. Importante lembrar que entre os exemplos de políticas de desenvolvimento condicionadas por questões de gênero, estão a garantia de direitos iguais, o desenho de sistemas de saúde, educação, assistência e mais – que levem em conta as condições e os interesses das mulheres.
Pensar e melhorar a atenção à mulher vítima de violência, poderá contribuir para diminuir desigualdades e melhorar a condição das mulheres. A violência doméstica contra a mulher tem pontos importantes: quando a violência é crônica, a mulher não é a única vítima; todos os membros da família sofrem as conseqüências ... a violência tende a se cronificar porque as mulheres se sentem ambivalentes em relação a confrontar seus maridos, devido ao prejuízo sofrido na formação de sua identidade no que diz respeito à socialização do seu papel sexual. Outras razões mais objetivas podem ser: medo do empobrecimento que virá seguramente após o divórcio, perda de status e até sentimento de culpa que as mulheres referem pelos sentimentos de fracasso em relação às suas expectativas de desempenho como mãe e mulher.
A violência como um problema social é conceito do século XX. É a partir da década de 1960, com o surgimento do movimento de mulheres que o problema passa a ser encarado como patologia social. “ Não apenas por suas preocupações quantitativas mas também pela gravidade de suas conseqüências “ ( Azevedo, 1985:37 ).
Atualmente a mulher não precisa mais ser anulada permanecendo dentro de um casamento frustrado/violento, pois existe uma rede de apoio preparada para recebê-la e orientá-la, tais como: casa abrigo de mulheres vítimas de violência, delegacias de defesa da mulher, ONGs especializadas na atenção à mulher, conselhos de direitos.
Na internet atualmente existe um grande numero de grupos e redes de apoio a mulher, pesquisas comprovam ser a internet o primeiro lugar onde mulheres da classe A e B, procuram ajuda, já que contam com o anonimato. Em todas estas instancias, podemos observar o atendimento ou a busca do atendimento interdisciplinar pelo menos como uma interface do trabalho técnico profissional. Vejamos um exemplo: as casas abrigo são lugares que oferecem proteção e moradia provisória dentro de um clima residencial e com atendimento técnico para pequenos grupos de mulheres e seus filhos, sem estarem apartados da vida da comunidade e utilizando recursos sociais básicos, como escolas, centros médicos, áreas de lazer e outros. Estas moradias são projetos sociais em geral sob a responsabilidade do poder público ou com a sua supervisão. Tem na sua coordenação profissionais da área de Serviço social, psicologia ou outros profissionais da área das ciências humanas e sociais. O trabalho de atenção às mulheres, é feito de forma articulada entre profissionais de diversas áreas, destacando-se a interface do trabalho técnico profissional. ( É obvio que ainda não existem tantas casas de apoio as mulheres com deveriam)
Intervenções são ações profissionais com o intuito de modificar, alterar uma dada situação social. No Brasil, falamos de intervenção de maneira indistinta – tanto quando nos referimos a abordagem individual como quando nos referimos às práticas com dimensão coletiva ou ao trabalho em rede. Um exame das práticas desenvolvidas pelos assistentes sociais na área de atenção à mulher vítima de violência e desenvolvimento de políticas de atenção, mostra sempre que a gravidade das situações e o alcance coletivo dos problemas, demonstram que as situações enfrentadas uma a uma, não levam a reais conquistas efetivas, daí a necessidade de trabalhar a perspectiva interdisciplinar.
É necessário que todas as mulheres saibam que é um crime. E é necessário poder receber apoio por parte das autoridades sociais, desde a polícia aos magistrados. ..Gostaria de dizer a todas as mulheres que vivem atualmente uma relação violenta que é possível partir e construir uma vida nova. Eu sei o que isso significa. Culpabilizamo-nos, ele tem o controle de tudo e nós estamos sempre com medo, de dia e de noite. Imagine o que é ter medo da pessoa com quem vivemos, por quem nos apaixonámos, de quem temos filhos. A pessoa mais importante da nossa vida transforma-se numa ameaça. É preciso entender que não é aceitável e partir para construir uma vida nova.
Terça-feira, 26.01.10
por Sandra Pereira Aparecida Dias
1.1. BREVE HISTÓRICO
Desde os tempos bíblicos que a mulher tem passado por gravíssimas violações em seus direitos mais elementares, como direito à vida, à liberdade e a disposição de seu corpo.
Embora não se possa concluir, esta visão de cunho religioso, talvez tenha sido responsável pela disseminação da violência no seio familiar e social. Haja vista, a forma em que são educados pelo casal os meninos e as meninas, fazendo nascer diuturnamente a diferença imposta pelo machismo e pela religiosidade.
Nas sociedades antigas, a mulher tinha pouca expressão, era vista como um reflexo do homem, e tida como objeto a serviço de seu amo e senhor. Também era vista como instrumento de procriação. Enfim, era a mulher a fêmea, sendo por muitas das vezes, comparada mais a um animal do que a um ser humano.
Há pelo menos 2500 anos, alicerçou-se a construção ideológica da superioridade do homem em detrimento da mulher, e consequentemente a sua subordinação ao mesmo.
Nas civilizações Gregas, a mulher era vista como uma criatura subumana, inferior ao homem. Era menosprezada moral e socialmente, e não tinha direito algum.
Na Alexandria romanizada no séc. I d.C, Filón, filósofo helenista lançou as raízes ideológicas para a subordinação das mulheres no mundo ocidental. Ele uniu a filosofia de Platão, que apontava a mulher como tendo alma inferior e menos racionalidade, ao dogma teológico hebraico, que mostra a mulher como insensata e causadora de todo o mal, além de ter sido criada a partir do homem.1
Na Idade Média a mulher desempenhava o papel de mãe e esposa. Sua função precípua era de obedecer ao marido e gerar filhos. Nada lhe era permitido.
Na Idade Moderna, ao lado da queima de sutiãs em praças públicas, simbolizando a tão sonhada liberdade feminina, vimos também as esposas serem queimadas nas piras funerárias juntas aos corpos dos marido falecidos ou incentivadas , para salvar a honra da família, a cometerem suicídio, se houvessem sido vítimas de violência sexual, mesmo se a mesma tivesse sido impetrada por um membro da família, um pai ou irmão, que nem sequer era questionado sobre o ato.
Recentemente em Bagdá, embora a Constituição provisória adotada em março de 2004, determine a igualdade entre os sexos, a instabilidade e a violência têm mantido muitas estudantes em casa. Maus tratos à mulheres sem véu e ataques a alojamentos femininos criaram tensão nos campi, e clérigos xiitas e sunitas conservadores preconizam educação separada para homens e mulheres2 .
Embora exista uma vontade mundial, no sentido de se combater a violência de gênero, o problema encontra-se longe de ser erradicado.
Várias são as espécies de violência contra a mulher. E a história relata-nos que a violência doméstica tem suas raízes alicerçadas de forma a definir o papel da mulher no âmbito familiar e consequentemente social. Visa resguardar o homem de forma a não lhe trazer inquietação, garantindo-se assim o poder masculino em uma sociedade patriarcal, cujos valores são passados de pai para filho.
Em se tratando de Brasil a luta contra a violência ao longo do tempo tem alcançado avanços e retrocessos, em nível institucional e governamental.
Vários serviços de proteção foram criados e fechados; as leis são retrógradas e várias mudanças pretendidas não lograram êxitos.
1.2. CONSIDERAÇÕES SOBRE A VIOLÊNCIA DE GÊNERO - DEFINIÇÃO
A violência de gênero segundo Saffioti “ Violência de Gênero é tudo que tira os direitos humanos numa perspectiva de manutenção das desigualdades hierárquicas existentes para garantir obediência, subalternidade de um sexo a outro. Trata-se de forma de dominação permanente e acontece em todas as classes sociais, raças e etnias”3
1.3. VIOLÊNCIA DE GÊNERO
Atualmente a violência contra a mulher tem sido denominada como “violência de gênero” esta expressão significa que não são as diferenças biológicas entre os homens e mulheres que determina o emprego da violência contra a mulher, significa que sob os papéis sociais impostos a homens e mulheres, reforçados por culturas patriarcais, se estabelecem as relações de violência entre os sexos.
A violência de gênero é uma das formas mais graves de discriminação em razão do gênero, manifesta-se de diferentes formas, tais como, o estupro, a violência sexual, a prostituição forçada, o assédio sexual nas ruas ou local de trabalho, e violência nas relações do casal, também conhecida como violência doméstica ou familiar. A prática de violência de gênero é uma forma de controlar e reprimir as iniciativas das mulheres.
Compreender o fenômeno da violência contra a mulher é reconhecer a discriminação histórica da mulher, que tem aprofundado as relações de desigualdade econômicas sociais e políticas entre os sexos, onde a mulher ocupa uma posição de inferioridade em relação ao homem. Ressalvando que a falta de igualdade é que torna a mulher vulnerável à violência e em especial a violência no âmbito doméstico e das relações intrafamiliares, que acarretam sérias e graves conseqüências não só para o seu desenvolvimento pessoal integral e pleno, comprometendo o exercício da cidadania e dos direitos humanos, mas também para o desenvolvimento econômico e social do país. O custo dessa violência reflete-se em dados concretos.
No mundo, um em cada cinco dias de falta ao trabalho é decorrente de violência sofrida por mulheres em suas casas, a cada cinco anos a mulher perde um ano de vida saudável se ela sofre violência4.
No Brasil, 76% dos crimes contra a mulher acontecem dentro de casa e o agressor é o próprio marido ou companheiro, a violência doméstica custa para o país 10,5% do seu PIB, ou seja, 84 bilhões de dólares.5
Apesar dos índices mencionados existe uma conspiração do silêncio que cerca essa violência isso impede que dados quantitativos e qualitativos possam melhor revelar a magnitude desse fenômeno que é considerado uma espécie de território fora do alcance da lei.
A violência de gênero é denomina como violência física, sexual e psicológica contra a mulher e é também a manifestação das relações de poder historicamente desiguais estabelecidas entre homens e mulheres. Tem, portanto no componente cultural o seu grande sustentáculo e fator de perpetuação.
1.4. GÊNERO
Gênero, parte de uma cultura arcáica que afirma ser o homem superior à mulher, os homens assimilaram este desajuste e passaram a exigir das mulheres total submissão às suas ordens e desordens. A relação homem-mulher é firmada na autoridade masculina, muitas vêzes reforçada pela própria mulher. As relações de gênero estão marcadas pela relação de poder onde prevalecem o conceito de subordinação dos recursos e bens familiares, aumentando assim seu poder de decisão e domínio sobre a mulher.
1.5. PRINCIPAIS FORMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
A violência doméstica, segundo alguns autores é resultado de agressão física ao companheiro ou companheira. Na maior parte das vezes porem, a vítima da é uma mulher, e o agressor, tem com ela um relação de poder, seja ele justo e necessário ou ditatorial.
A expressão ‘violência contra a mulher se refere a qualquer ato de violência que tenha por base o gênero, e que resulta ou pode resultar em dano ou sofrimento de natureza física, sexual ou psicológica. Coerção ou privação arbitrária da liberdade quer se reproduzam na vida prática ou privada, podem ocorrer como formas de violência”. (IV Conferência Mundial Sobre a Mulher, China, 1996).6
A violência contra a mulher é uma expressão abrangente, abarca a violência física, psíquica e sexual, que ocorre no espaço doméstico.
Conceitualmente, a violência física ocorre quando há uma ação destinada a causar dano físico a outra pessoa, produzindo lesões corporais, interna e/ou externa, com a utilização de agentes lesivos que podem ser analisados sobre diferentes aspectos tais como classificação de ação e lesões resultantes.
Maria Amélia Azevedo define a violência física ou, mas especificamente, o espancamento como sendo [...] exacerbação de um relacionamento hierárquico entre sexos: a violência masculina é um exercício perverso de dominação do macho sobre a fêmea7 .
A violência psicológica é toda ação ou omissão destinada a produzir dano psicológico ou sofrimento moral a outra pessoa, como sentimento de ansiedade, insegurança, frustração, medo humilhação e perda de auto estima.
A violência doméstica produz vários danos e desequilíbrios humanos, levando a sociedade à reprodução do mesmo comportamento machista, além de causar várias espécies de transtorno à vítima, dificultando, e, até impossibilitando sua reintegração ao trabalho e a escola, além de incentivar a fuga pelas drogas e o suicídio.
A violência doméstica é uma das formas mais comuns de violação dos direitos humanos e também a mais praticada. Não existem fronteiras, por tratar-se de um fenômeno mundial. Disseminada em todas as camadas sociais, independente de raça, religião, etnia ou grau de escolaridade.
É a violência perpetrada contra a mulher no seio da família por membro desta. Pode ser definida segundo duas variáveis: quem agride, onde agride. Para que a violência sofrida por uma mulher esteja enquadrada na categoria “doméstica” é necessário que o agressor seja algum familiar seu, pessoa que freqüente sua casa, ou cuja casa ele freqüentava, ou pessoa que more com ela – namorado, noivo, amigo, agregado, etc. O espaço doméstico, portanto, torna-se a segunda variável, delimitando o agressor como pessoa que tem livre acesso a ele.9
Várias são as formas de violência praticada contra a mulher e constitui crime. O agente trata-se de pessoa de sua estreita convivência e que tem acesso ao espaço doméstico.