Segunda-feira, 11.01.10
Se violência gera violência, submeter um jovem infrator ao cárcere só fortalece seu lado agressivo. Esta é uma das várias declarações humanistas do filósofo francês Edgar Morin, que está no Brasil para uma série de palestras e seminários. Enquanto o mundo se preocupa com os conflitos entre iranianos, é o pobre e esquecido povo do Sri Lanka que ele lembra em primeiro lugar quando perguntado sobre formas de violência que mais o preocupam.
Na entrevista ele explica sua Teoria da Complexidade. Autor de 30 livros, entre eles a obra em seis volumes O Método e Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro, Morin avalia que o mundo ainda não compreendeu a importância do erro - um desses sete saberes - e revela que a educação mudou pouco nos últimos anos, pois permanece ainda muito negativa.
Prestes a completar 88 anos, Morin se empenha em popularizar os conceitos de Política da Civilização e Política de Humanidade. Admirador do Brasil, o professor concedeu a entrevista em português. Recém-chegado da França, ainda não tinha “tomado um banho de português” necessário para deixar suas frases mais “belas”. A mistura, porém, não tirou o caráter inovador de suas ideias.
Eis a entrevista.
O assunto que o traz a Brasília são os direitos humanos e, em especial, as formas de violência. Nesse tema, que tipo de violência mais o preocupa?
A mais preocupante é a violência que vem com as guerras, as perseguições, como é a violência que chegou ao Sri Lanka há poucas semanas. A população, aos milhões, está em situação de horror, de matança. Isso é o mais grave. Mas também são as violências urbanas, cotidianas, matrimoniais, muitos homens que golpeiam as mulheres, os pequenos, uma situação muito impressionante. Mas a coisa mais importante é quando se diz, vamos fazer violência para acabar com violência. Em condições gerais, violência, gera outra violência. É um ciclo que não se interrompe. A questão fundamental é como parar a violência. Fazer com que em um momento não exista mais violência. E há vários caminhos: são os caminhos da compreensão. Por exemplo: a violência juvenil. Ser jovem é um momento de transição. Se essa violência é respondida com a violência do cárcere, vai se produzir delinquentes mais fortes. Outra política de compreensão para a pessoa fazer sua transformação é um momento de magnanimidade, de perdoar a pessoa e interromper o ciclo de violência. Existem exemplos, limitados, como de Gandhi, que sem violência teve sucesso contra o império inglês. Há vários tipos de meios. Hoje podemos pensar em lutar contra todas as formas de violência, com os modos apropriados para cada forma de violência.
O senhor é conhecido no mundo inteiro, e muito estudado, também no Brasil, pela Teoria da Complexidade. Como se poderia resumi-la?
Falamos primeiro de violência. Na complexidade, não podemos reduzir uma pessoa a seu ato mais negativo. O filósofo Hegel disse: se uma pessoa é um criminoso, reduzir todas as demais características de sua personalidade ao crime é fácil. Entender, não reduzir a uma característica má uma pessoa que tem outras característica, isso é a complexidade. Uma pessoa humana tem várias características, é boa, má e muito mais. Devemos entender que a palavra latina complexus significa tecido. Em geral, o nosso modo de conhecer que vem da escola nos ensina a separar as coisas, e não religá-las. A complexidade significa religar. Por exemplo: um evento, um acontecimento, uma informação. Quando chega uma informação sobre o que ocorre no Irã, por exemplo, devemos entender o contexto político, histórico, social. A complexidade busca favorecer uma compreensão maior que a compreensão que vem de se isolar a coisas, colocar o contexto, todos os contextos em uma situação.
Em “Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro”, o senhor fala da importância do erro. A humanidade já compreende e já aceita melhor o erro?
É uma coisa que disse Descartes, o problema de errar é não saber que se erra. Eu penso que é muito inteligente quando se sabe que se comete um erro e se esquece do erro. Penso que é muito importante conhecer as fontes do erro. De onde vem o erro.
Mas a humanidade vê melhor o erro do que há dez, vinte ano atrás?
Penso que não há progresso, o sistema de educação não mudou, é cada vez mais negativo. Os problemas globais fundamentais são cada vez mais fortes. Por isso penso que há a necessidade de reformar a educação. Com uma idéia melhor de como se faz o conhecimento e também compreensão humana dos outros. Penso que minha proposta será muito útil para o desenvolvimento nosso futuro.
Para aceitarmos a complexidade, é preciso uma reforma do pensamento e enxergar o mundo de outra maneira. O senhor acha que os meios de comunicação tradicionais essa reforma do pensamento ou é uma tarefa para a internet?
A internet hoje dá uma possibilidade de multiplicação de informação e comentários, que é muito útil, por que a vida de uma democracia é a pluralidade das opiniões, visões, sem a homogeneidade da imprensa. Não há muitas diferenças na grande imprensa. É muito útil a internet, o que não significa que não há coisas falsas que venham dessas redes. Mas é a educação que dá à pessoa condição de ver e confrontar o que vê na internet e na televisão. Penso que hoje a internet dá uma possibilidade de mudança muito grande, por exemplo, pela complexidade. No México, há um curso de complexidade da educação virtual, com 25 países.
O senhor tem se dedicado muito a pensar a política e tem feito a separação da política da civilização e da política da humanidade. Qual a diferença?
A política de civilização luta contra todos os efeitos negativos da civilização ocidental. É para restabelecer a solidariedade, humanizar a cidades, revitalizar os campos. Cada civilização tem suas virtudes, qualidades, suas diferenças, isso é verdade também para a civilização ocidental. Também para as civilizações de pequenos povoados, como índios da Amazônia, conhecimentos de plantas, animais, arte de viver, novos curativos, como os xamãs. A política de humanidade é combinar o melhor de cada civilização, fazer um simbiose no nível do planeta onde o melhor do mundo ocidental, que são os direitos humanos, direitos da mulher, a possibilidade do individualismo - mas não do egocentrismo - que combine outras civilizações, onde há mais solidariedade. A questão é lutar contra os defeitos das civilizações e pegar o que há de melhor. Porque nas civilizações tradicionais não há só coisas boas como solidariedade. Há também dogmatismo, autoridade demasiada dos mais velhos, do homem sobre a mulher. A ideia é tirar o melhor de cada, não idealizar a civilização tradicional ou a ocidental.
Sexta-feira, 08.01.10
É dispensável relacionar aqui as situações familiares bizarras e extremas, capazes de prejudicar o bom desenvolvimento emocional de seus membros, incluindo os filhos, cônjuge, netos, sobrinhos e até o cachorro da casa. Normalmente essas situações dizem respeito ao alcoolismo, drogadicção, histerias de várias formas, violência doméstica, chantagens emocionais, enfim, toda sorte de excessos capazes de perturbar o bom andamento das coisas familiares.
Pode parecer estranho mas, de fato, o que interessa considerar aqui é o exercício da maldade, tortura e crueldade. Mas não se trata da maldade, tortura e crueldade clássicas e francas. Aí ficaria muito fácil diagnosticar a dinâmica familiar deturpada. Mas não, o que nos interessa é o exercício da maldade, tortura e crueldade exercidas velada e dissimuladamente. Esse tipo disfarçado de crueldade e maldade inclui toda espécie de chantagens emocionais, cerceamentos de liberdade, desrespeito, omissões e opressões que familiares dirigem uns contra os outros de forma surda, calada e, muitas vezes, socialmente irreprimível.
Esse tipo de família onde existem pessoas capazes de gerar ansiedade e mal estar emocional em outros familiares, constitui aquilo que chamamos de Família de Alta Emoção Expressa. O termo Alta Emoção Expressa foi adotada, inicialmente, para indicar características de famílias que favoreciam a recaída dos sintomas de pacientes psiquiátricos. Hoje em dia, podemos empregar o termo para designar famílias que favorecem o desenvolvimento de estados emocionais desconfortáveis.
Na maior parte das vezes, o discurso de tais famílias nos dá a impressão de que todos são ótimos e desejam ardentemente o bem estar dos demais. Mas, avaliando com mais cuidado, surdamente, nas entrelinhas e dissimuladamente, veremos que, as coisas são feitas de forma a piorar o estado emocional dos demais ou de alguém, especificamente:
1. O número de comentários críticos, mordazes, amargos ou depreciativos,
2. A presença de hostilidade, direta ou dissimulada e
3. O nível de envolvimento emocional estressante
As Agressões Emocionais
Agressões Emocionais são aquelas que, independentemente do contacto físico, ferem moralmente. A Agressão Emocional, como nas agressões em geral, depende do agente agressor e do agente agredido. Quando não há intencionalidade agressiva e o agente agredido se sente agredido, independentemente da vontade do agressor, a situação reflete uma sensibilidade exagerada de quem se sente agredido.
Havendo intencionalidade do agressor, o mal estar emocional produzido por sua atitude independe da eventual sensibilidade aumentada do agente agredido e outras pessoas submetidas ao mesmo estímulos, se sentiriam agredidas também.
A Agressão Emocional é especialidade do meio familiar, chegando-se ao requinte de agredir intencionalmente com um falso aspecto de estar fazendo o bem ou de não saber que está agredindo.
O simples silêncio pode ser uma agressão violentíssima. Isso ocorre quando algum comentário, uma posição ou opinião é avidamente esperado e a pessoa, por as vezes, se fecha num silêncio sepulcral, dando a impressão politicamente correta de que “não fiz nada, estava caladinho em meu canto...”. Dependendo das circunstâncias e do tom como as coisas são ditas, até um simples “acho que você precisa voltar ao seu psiquiatra” é ofensivo ao extremo, assim como um conselho falsamente fraterno, do tipo “não fique nervoso e não se descontrole”.
Não é o freqüente, na família, a agressão sem intencionalidade de agredir, ou seja, a agressão que é sentida pelo agente agredido, independentemente da vontade do agressor. Normalmente, pelo fato da família ser um grupo onde seus membros têm pleno conhecimento da sensibilidade dos demais, mesmo que a situação de agressão refletisse uma sensibilidade exagerada de quem se sente agredido, o agressor não-intencional deveria ter plena noção das conseqüências de seus atos. Portanto, argumentar que “não sabia que você era tão sensível” é uma justificativa hipócrita.
As atitudes agressivas refletem a necessidade de uma pessoa produzir alguma reação negativa em outra, despertar alguma emoção desagradável. As razões dessa necessidade são variadíssimas e dependem muito da dinâmica própria de cada família. Podem refletir sentimentos de mágoa e frustrações antigas ou atuais, podem refletir a necessidade de solidariedade emocional não correspondida (estou mal logo, todos devem ficar mal), podem representar a necessidade de sentir-se importante na proporção em que é capaz de mobilizar emoções no outro.... enfim, cada caso é um caso.
Tipos de Agressão Emocional:
1 – Estimular sentimentos de preocupação, remorso e/ou culpa.
2 – Estimular sentimentos de inferioridade e dependência.
3 – Comportamento opositor e aversivo.
Um tipo comum de Agressão Emocional é a que se dá sob a autoria dos comportamentos histéricos, cujo objetivo é mobilizar emocionalmente o outro para satisfazer a necessidade de atenção e de importância da pessoa que agride. A intenção do agressor histérico é mobilizar outros membros da família, tendo como chamariz alguma doença, alguma dor, algum problema de saúde, enfim, algum estado que exija atenção, cuidado, compreensão e tolerância (veja Transtornos Histéricos).
No histérico, o traço prevalente é o “histrionismo”, palavra que significa teatralidade. O histrionismo é um comportamento caracterizado por colorido dramático e com notável tendência em buscar contínua atenção.
Normalmente a pessoa histérica conquista seus objetivos através de um comportamento afetado, exagerado, exuberante e por uma representação que varia de acordo com as expectativas da platéia. Mas a natureza do histérico não é só movimento e ação; quando ele percebe que ficar calado, recluso, isolado no quarto ou com ares de “não querer incomodar ninguém” é a atitude de maior impacto para a situação, acaba conseguindo seu objetivo comportando-se dessa forma.
Os pacientes histriônicos exageram seus pensamentos e sentimentos, apresentam acessos de mau humor, lágrimas e acusações sempre que percebem não serem o centro das atenções ou quando não recebem elogios e aprovações. Há grande possibilidade das “doenças” do histérico piorarem quando sente que alguém da família não está reservando parte de sua vida para preocupar-se com ele, quando alguém está se preparando para passear, sair, divertir-se.
Representar papéis é a especialidade mais meritosa da pessoa histérica, assim sendo, com muita propriedade, ela representa a mãe zelosa e preocupada, podendo estar sofrendo do coração, piorando quando fica “nervosa”, “passando mal” quando contrariada ou preocupada, e assim por diante.
Essa tentativa (e sucesso) da pessoa histérica em conseguir quase tudo através da mobilização emocional dos demais membros da família causa, cronicamente, um expressivo Sofrimento Emocional. O sentimento de culpa aparece quando alguém percebe que o histérico da família “adoeceu” por sua causa.
Se forem os pais os histéricos, normalmente tendem a chamar atenção quando o(s) filho(s) saem, arranjam namorado(a), deixam de cumprir seus compromissos, se comportam de maneira não esperada, etc. A postura histérica, com suas características de somatizações, surge ainda quando não há reconhecimento festivo de seus esforços para manter a família, da maneira heróica com que lidam com a vida.
Os sintomas histéricos acabam resultando em sentimentos de culpa ou remorso quando, sabidamente, aparecem se a pessoa ficar contrariada. Os familiares acabam sabendo que aquele mal estar e sofrimento da pessoa doente poderiam ser evitados se a pessoa não se aborrecesse, se todos não a deixassem nervosa.
Sendo histéricos os filhos, a teatralidade aparece como justificativa, mais que plausível, pelos fracassos e falhas do cotidiano, pela impotência na solução dos problemas e eventuais insucessos. Para melhor clareza das atitudes histéricas e sua relação com a busca de solidariedade e apoio por parte dos outros membros da família, veja o seguinte exemplo:
A paciente X queixa-se, logo que entra no consultório:
- Doutor, essa noite não dormi e não deixei ninguém dormir.
- Porque? Perguntei, já imaginando a resposta.
- Sentia dores pelo corpo e um mal estar esquisito...
Tentando um misto de ironia e correção, arrisquei...
- Então, depois de ter acordado a todos, suas dores melhoraram.
- Não. Continuei sentindo mal até de manhã, como vem acontecendo há muito tempo.
- Mas então, porque acordou a todos se as dores e o mal estar, como de costume, não melhoram quando você acorda todo mundo?
Sem pensar ou, pior, com a crítica ofuscada pelo egoísmo típico dos histéricos, respondeu:
- Mas o senhor queria, então, que eu sofresse sozinha?
Na prática clínica vemos, ainda, casos curiosos onde a esposa adoece cada vez que o marido agenda uma pescaria, ou na hora do jogo de futebol com os amigos... Também o homem passa mal quando tem contas a pagar, é demitido, não consegue resolver problemas do cotidiano, etc (veja mais: somatização, homens histéricos) Esse tipo chantagista e histérico de produzir Agressão Emocional pode ocorrer de vários modos. Tem aqueles casos de manipulação clássica e franca, onde o agressor é capaz de falar claramente coisas do tipo “você vai acabar me matando...”, “não dormi a noite toda esperando você chegar...”, etc.
Existem, por outro lado, os agressores que não falam mas sugerem continuadamente e com muita eficiência tudo aquilo que querem transmitir. Comportam-se “doentemente”, colocam a mão no peito para sugerir dor no coração mas, perguntados se sente alguma coisa, apressam-se a dizer que não. Na realidade estão torturando os outros duas vezes; primeiro por deixar todo mundo apreensivo sobre essa misteriosa dor no peito, e em segundo, por transmitir a impressão de que não se queixam, logo, nunca saberão se está com dor ou não.
Existem ainda aqueles que se comportam placidamente, resignadamente, “quietinhos em seu canto”, deixando claro seu mal estar e profundo aborrecimento com alguma coisa que está ocorrendo no lar. Esses são piores porque querem que todos saibam o que estão querendo sem que tenham de dizer.
Estimular sentimentos de preocupação, remorso e/ou culpa pode aparecer em pais nas seguintes diante (entre outras) das seguintes situações que envolvam:
• Noras ou genros não plenamente desejados;
• Filhos ou filhas que preferem (naturalmente) a convivência com o cônjuge;
• Filhos ou filhas que saem muito à noite;
• Filhos ou filhas que bebem ou usam drogas;
• Maridos que saem muito;
• Maridos que bebem;
• Maridos que vão pescar com amigos;
• Maridos que vão pescar;
• Esposas que gastam muito;
• Na falta de colaboração de todo mundo para afazeres domésticos...
Estimular sentimentos de preocupação, remorso e/ou culpa pode aparecer em filhos nas seguintes diante (entre outras) das seguintes situações que envolvam:
• Reprovação na escola;
• Acidente de carro;
• Falta de iniciativa para arranjar emprego;
• Ciúme dos irmãos;
• Separação do(a) namorado(a);
• Fracassos em geral...
Fazer o outro se sentir inferior e/ou dependente é um dos tipos de agressão dissimulada mais terríveis. A mais virulenta atitude com esse objetivo é fazer tudo corretamente, não com o propósito de ensinar, mas para mostrar ao outro o tamanho de sua incompetência.
Normalmente é o tipo de agressão dissimulada pelo pai em relação aos filhos homens, quando esses não estão saindo exatamente do jeito que o pai idealizou. Alguns comentários “inocentes” e falsamente destinados à orientação paterna podem ser do tipo:
• Na sua idade eu já era...
• Deixa que eu faço, meu bem (enfatizando o ‘meu bem’)
• Você não tem noção sobre isso, mas não é sua culpa...
• Sabia que iria acontecer isso...
• Gostaria que você fizesse só isso para mim, só isso...
A atitude do agressor que faz sentir inferior e/ou dependente, além da agressão verbal irônica e mordaz, também pode ser através de atitudes que sugerem ter resolvido tudo de forma “natural”, sem esforços.
Essa atitude é costumeiramente reforçada com postura autoritária e imperiosa, como se o outro tivesse que pagar, por sua inferioridade e dependência, através da obediência e solicitude. Dessa forma o agressor procura ser tratado “com tudo nas mãos”, exigindo que os outros o atendam serviçalmente.
Outro tipo de Agressão Emocional é o comportamento de oposição e aversão. As pessoas que pretendem agredir se comportam contrariamente àquilo que se espera delas. Demoram no banheiro quando percebem que se espera que saiam logo, deixam as coisas fora do lugar quando isso é reprovado, etc. Até as pequenas coisinhas do dia-a-dia podem servir aos propósitos agressivos, como deixar uma torneira pingando, apertar o creme dental no meio do tubo e coisas assim. Mas isso não serviria de agressão se não fossem atitudes reprováveis por alguém da casa.
Esses agressores estão sempre a justificar as atitudes de oposição como se fossem totalmente irrelevantes, como se estivessem corretas, fossem inevitáveis ou não fossem intencionais. Entretanto, sabendo que são perfeitamente conhecidos as preferências e estilos de vida dos demais, atitudes irrelevantes e aparentemente inofensivas podem estar sendo propositadamente agressivas.
Enfim, as agressões emocionais do tipo Comportamento Opositor e Aversivo são variadíssimas, de acordo com as características de cada família. E nem sempre é apenas a atitude ativa que agride. A não-atitude também pode ter propósitos agressivos; o silêncio e o emudecimento podem agredir, assim como a apatia, a omissão, desinteresse e o não-fazer-nada.
Algumas pessoas têm a incrível necessidade de provocar emoções negativas nos outros quando, elas próprias, estão emocionalmente complicadas. É como se “o condenado se consolasse na dor do semelhante”. Assim sendo, quando essas pessoas estão irritadas, magoadas, contrariadas, será muito pior sua irritabilidade, mágoa e contrariedade se não tiverem, ao seu redor, pessoas com iguais ou piores sentimentos.
A maior evidência de que os comportamentos opositores são agressivos na medida em que causam mal estar emocional no outro, é a ausência deles na ausência do espectador que se quer agredir. Um marido irritado, por exemplo, que chega em casa de péssimo humor e, descontente com a comida, atira o prato o chão, jamais teria esse comportamento se estivesse sozinho em casa ou se não houvesse perspectiva de vir alguém para assistir a cena ou os cacos do prato no chão.
Os agressores emocionais de oposição e aversão costumam ter frases costumeiras, como por exemplo as do tipo:
• Mas porque sou eu quem tem de mudar?
• Será tão difícil ter um pouco de paciência comigo?
• Acho que deveriam cuidar de suas vidas e deixar eu cuidar da minha.
• Nessa casa sempre fui tratado de maneira diferente.
• Porque meu irmão pode fazer isso e eu não?
• Os incomodados que se mudem...
No caso da agressão que estimula remorso e culpa os agressores são, predominantemente, mulheres (mães e irmãs, nessa ordem), mas na agressão de oposição e aversão os homens são mais capazes.
Para essas pessoas, normalmente, as agressões emocionais aparecem sob a forma de falsos conselhos bem intencionados. De fato tais conselhos têm objetivo de censurar, repreender, diminuir, envergonhar, humilhar, culpar, constranger, enfim, a intenção real de causar dor moral no outro. Um agravante e a sempre presente consciência do agressor sobre os efeitos reais de seus comentários, embora diga que “eu apenas disse que...” ou “não sabia que você era tão sensível, desculpe”.
Vejamos alguns poucos comentários pinçados no cotidiano que, muitas vezes, os familiares de pacientes psiquiátricos fazem, motivados pela intenção de agredir dissimulada através de comentários “inocentes”.
• Você deve reagir, ter pensamentos positivos, fortes...
• Sua irmã sim, tem a cabeça boa.
• Acho que se você se ocupasse de alguma coisa...
• Já passei por situações piores e nunca fiquei assim, como você.
• Acho que seu remédio não está fazendo efeito.
• Não te contei porque você não pode passar nervoso.
• Veja como seus irmãos se comportam e procure fazer o mesmo.
• Não posso me dar ao luxo de ficar doente como você.
• Se você tivesse metade de minhas preocupações...
• Se alguém nessa casa faz tratamento, não sou eu...
• Por causa de seu nervoso, daqui pra frente não conto mais nada pra você...
• O médico disse pra eu ter muita paciência com você.
• ... mas para sair de casa você está normal, não é?
• ... se um dia você ficar normal eu prometo que...
Finalizando, é bom ter em mente que o bem estar psicológico dos membros da família não depende apenas da sucessão de eventos proporcionada pelo destino, não apenas das adversidades materiais mas, sobretudo, da intencionalidade expressa ou dissimulada de agredir os demais.
Sábado, 12.12.09
Muitas vezes, o profissional que atende a mulher vitima de violência,
reproduz a situação de violência e vitimização vivenciada pela mulher, ao desqualificar a fala da mulher, ao adotar uma atitude de julgamento ou de indiferença, e ou ainda ao minimizar a situação de violência relatada.
Essas são as formas mais comuns:
• Minimizar o abuso, não levando em consideração a seriedade dos riscos que a mulher reporta;
• Culpar a vítima, perguntando o que a mulher fez para
Provocar a situação de violência ou perguntando “como deixou que ele fizesse isso como você?”
• Violar o sigilo, entrevistando a mulher na frente de membros da família, do parceiro ou chamando a polícia sem o consentimento da paciente.
• Não respeitar a autonomia da mulher agredida, impondo opções a vitima – como, por exemplo, o divórcio, terapia de casal, uso de ansiolíticos - sem considerar seus desejos e possibilidades;
• Ignorar a necessidade de segurança da mulher, não realizando uma avaliação de riscos com a mulher agredida.
O profissional que lida com a violência da mulher deveria esta apto a:
• Validar a experiência da mulher agredida – compreender e acreditar no depoimento da mulher.
• Respeitar o sigilo – as entrevistas devem ser realizadas sem a presença de familiares ou do parceiro, e em locais que garantam a privacidade.
• Reconhecer a situação de vitimização- é fundamental reforçar que a violência doméstica não é culpa da mulher.
• Respeitar a autonomia da mulher em situação de violência - o direito da mulher tomar decisões quanto a sua própria vida deve ser respeitada, cabendo ao profissional apenas orientá-la quanto aos recursos disponíveis.
• Promover acesso aos serviços disponíveis, tais como: casas-abrigo, delegacias, grupos de apoio, etc.
• Auxiliar a mulher no planejamento de estratégias de segurança, por meio da realização de avaliação de riscos.
Recomendações para os gestores:
Oferecer capacitação na atenção psicossocial à mulher em situação de violência
• Dada a complexidade do fenômeno da violência, faz-se necessário que sejam promovidas capacitações sobre a questão da violência contra a mulher, sob um enfoque de gênero.
• A capacitação deverá contar com aspectos teóricos conceituais sobre o conceito de gênero, violência contra a mulher, direitos humanos, impactos da violência na saúde física e mental das mulheres; assim como com situações vivenciais e estudo de casos no sentido de discutir a assistência.
• Criar mecanismos para supervisão técnica da equipe envolvida na assistência - Ao lidar com pessoas em situação de violência, o profissional de saúde experimenta sentimentos e emoções que precisam ser reconhecidos e trabalhados em prol da qualidade do atendimento e do bem estar do (a) profissional envolvido (a).
• A equipe de supervisão técnica deve contar com especialistas na questão da violência de gênero e saúde mental.
Sugestão para o atendimento:
• Ajudar a mulher a estabelecer um vínculo de confiançaindividual e institucional para avaliar o histórico de violência, riscos, motivação para romper a relação, limites e possibilidades pessoais, bem como seus recursos sociais e familiares.
• Sugerir encaminhamento para atendimento psicológico individual, de acordo com a avaliação do caso.
• Estimular a participação em grupo de mulheres ou associações comunitárias com a finalidade de trabalhar as questões de gênero, poder, violência, fortalecimento da autonomia e formas alternativas de resolução de conflitos;
• Facilitar o acesso a uma rede de apoio social (trabalho,
(Moradia, etc.), buscando incluir a mulher e elevar sua condição de cidadania;
• Sugerir encaminhamento a órgãos competentes, tais como unidades de saúde da família e hospitais e maternidades de referência, SOS Mulher, Delegacias da Mulher, Instituto médico Legal, disque-denúncia, casas-abrigo, Defensorias Públicas, entre outros.
• Ajudar a mulher a estabelecer passos graduais, concretos e realistas, construindo em conjunto um mapa dos recursos e opções disponíveis.
• Avaliar, junto com a mulher, os riscos reais que ela corre no momento de tomar qualquer decisão (denunciar, afastar-se do (a) agressor (a) ou voltar para o seu convívio, (etc.). Algumas perguntas podem ser feitas com este propósito: O companheiro possui arma em casa? Você já foi ameaçada de morte? A violência vem aumentando nos últimos meses?
• A partir da avaliação dos riscos, deve-se desenvolver,
Junto com a mulher, um plano de segurança, que inclua orientações diversas, tais como: 1) que a mulher busque uma pessoa de confiança para relatar a situação que está vivendo e pedir apoio; 2) que a mulher combine com uma vizinha algum sinal que indique necessidade de ajuda; 3)
que a mulher mantenha cópia da chave de casa, documentos e algum dinheiro em lugar seguro, fora de casa; 4) que a mulher mantenha uma bolsa com roupas ou objetos de uso pessoal, a serem utilizadas numa situação de
fuga.
• A mulher em situação de violência doméstica é, por vezes, encaminhada ao psicólogo sob o rótulo de um diagnóstico psiquiátrico. São as pacientes ‘poliqueixosas’, ‘histéricas’, ‘ansiosas’.
• A primeira função do psicólogo é investigar a história de vida da paciente, de forma a melhor compreender a complexidade da situação da mulher, ao invés de contribuir para a patologização ou psicologização da queixa da mulher.
• A violência acarreta agravos à saúde mental , mas não deve ser considerada como uma questão meramente psicológica. A violência doméstica é, ao mesmo tempo, um problema pessoal e uma questão sócio-cultural, que tem por base a questão de gênero.
• Não há fórmulas quanto ao atendimento psicológico, é possível utilizar
diferentes referenciais teóricos para o atendimento da mulher em situação de violência. O que se torna imprescindível o psicólogo.
É importante que o terapeuta trabalhe, em grupo ou individualmente, os sentimentos de culpa, medo, raiva, e a auto-estima das mulheres em situação de violência. Segundo Dutton (1992), o trabalho terapêutico deve objetivar: o aumento da segurança, o empoderamento da mulher e a ‘cura’ do trauma psicológico acarretado pela situação de violência.
• Como vantagens do trabalho em grupo, podem-se citar: favorecer o empoderamento das mulheres; fazer uma conexão entre o mundo privado/público e eliminar o situação de isolamento vivenciada pela mulher; por meio do compartilhamento de experiências.
Não patologize a mulher, considerando-a como masoquista ou desconsiderando as dimensões de gênero presentes no fenômeno da violência.