Terça-feira, 23.03.10
É difícil o relato de violência sofrida por mulheres. Trata-se da invisibilidade da violência que afeta as relações usuais da mulher essa violência é silenciosa e a vítima a sofre de maneira silenciosa, porque se trata de uma violência velada e insidiosa, não assumida pelo agressor, negada e denegada por ele, que sutilmente inverte a relação acusando o outro de ser o culpado pela situação.
O assédio moral é uma forma característica e peculiar de violação dos direitos da personalidade, à integridade psíquica, em especial, que se protrai no tempo; é marcado pela sutileza das ações, é sempre bilateral, pois estão, de um lado, o assediado (vítima) e, de outro, o assediador, ambos vinculados por uma relação hierárquica ou de dominação deste último em relação ao primeiro.
Trata-se de um modo de agir, individual ou coletivo, contínuo e repetitivo, que tende a violar os direitos da personalidade, atingindo a dignidade e, especialmente, a integridade psíquica da pessoa assediada, independentemente da ocorrência de um dano e da intencionalidade do agente individual ou coletivo.
Assim, o assédio moral é a prática sutil e repetitiva, de um agressor em posição de dominação com relação à vítima, que, por palavras, gestos e atitudes destrói sua autoconfiança e a “aprisiona”, minando, aos poucos, importantes feições de sua personalidade.
As principais características destacadas são: permanência no tempo (continuidade de agressões), sutileza (mecanismos de comunicação que o agressor estabelece, para que os outros não percebam a violência dirigida à vítima) e bilateralidade (posição de dominação do agressor com relação à vítima).
O assédio moral se inicia por meio da sedução perversa. Essa é a etapa em que a vítima sofrerá um processo denominado enredamento: “O enredamento consiste na influência intelectual e moral que se estabelece em uma relação de dominação. O poder leva o outro a segui-lo por dependência, isto é, por aquiescência e adesão” .
Nas relações entre marido e mulher (ou relações entre casais de um modo geral), a autora prevê que “o movimento perverso instala-se quando o afetivo falha, ou então quando existe uma proximidade excessivamente grande com o objeto amado”. É justamente a proximidade que causa no assediador o temor de que a mulher invada seu íntimo e, por isso, ele constrói “uma relação de dependência, ou mesmo de propriedade, para comprovar a própria onipotência”.
Entre as quatro paredes de um casamento, é nas palavras, no tom, no olhar, na ironia, na indiferença e na humilhação que se descobrem os primeiros sinais da crueldade psicológica. As cicatrizes, às vezes, são mais profundas do que as de uma agressão física. O jogo do poder se instala insidiosamente nas refeições, nos passeios de fim de semana, na educação dos filhos, no aproveitamento maldoso das confidências...
Diante da vítima, destarte, o homem desenvolve a voraz capacidade de imobilização, subtraindo da mesma todo o conteúdo que lhe interessa, enquanto aquela remanesce desprovida de qualquer potencial de reação. O resultado: uma vitima, coisificada, que obedece “primeiro, para dar prazer a seu parceiro, para compensá-lo, pois ele tem um ar infeliz. Depois, obedece por ter medo”. Ou seja, o processo só se instala, na realidade, porque a atitude da mulher chega a ser pacífica. A vítima duvida da existência do assédio moral e, logo que o fenômeno se inicia, prefere acreditar que é exagero seu, ou que o agressor precisa de ajuda e que poderá modificá-lo.
Em razão da sutileza das agressões, que se perpetuam por comentários sarcásticos, ironia, ou até mesmo pelo descaso, as pessoas alheias à agressão dificilmente percebem a situação da mulher. Todavia, caso percebam e incentivem-na a buscar ajuda, provocam no homem assediador o ódio em seu estado mais puro: O ódio já existia desde a fase inicial, de enredamento e controle, mas estava desviado, mascarado pelo perverso, de modo a manter a relação estacionária. Tudo aquilo que já existia de forma subterrânea aparece agora claramente. A tarefa de demolição torna-se sistemática.
Por isso, a reação da mulher é tão ou mais difícil do que em casos de violência física.
Afinal, “se ela reage, é geradora do conflito; se não reage, deixa desenvolver-se uma destruição letal”.
Dentre relatos transcritos no livro “Assédio Moral: A violência perversa no cotidiano”, no capítulo que trata da violência privada, grande parte é de mulheres que se destacavam profissionalmente, situação esta que incomodava os parceiros e acabava gerando um conflito que desembocava na prática do assédio.
Deve-se compreender, todavia, que há um perfil próprio do assediador. Este, geralmente, é marcado pela perversidade e tem traços de caráter e comportamento que variam entre a crueldade e a malignidade, além de acreditar, insistentemente, que está acima de tudo e de todos. O psicólogo Flávio Carvalho Ferraz conceitua o agressor como alguém que “não se encontra sujeito às insatisfações, inibições, ruminações de culpa, dúvidas, medos e todas as demais formas de tormento psíquico”. Desta forma, “a perversidade implica estratégia de utilização e depois de destruição do outro, sem a menor culpa”.
É perverso, pois anti-social, é falso, mentiroso, irritável. Não tem preocupação com a segurança dos demais e não tem nenhum remorso dos atos que pratica. Nega a existência do conflito para impedir a reação da vítima. É incapaz de considerar os outros como seres humanos. É narcisista porque se acha um ser único e especial. É arrogante. Ávido de admiração, holofotes. Dissimula sua incompetência. Acha que tudo lhe é devido e tem fantasias ilimitadas de sucesso. Nunca é responsável por nada e ataca os outros para se defender. Projeta no (a) assediado (a) as falhas que não pode admitir serem suas.
Apesar de ser possível identificar o perfil próprio do homem assediador, não são todas as mulheres que se enquadram na qualidade de vítima.
A vítima é vítima porque foi designada como tal pelo perverso. Torna-se o bode expiatório, responsável por todo o mal. Será daí em diante o alvo da violência, evitando o seu agressor a depressão ou o questionamento. [...] Por que foi escolhida? Porque estava à mão e, de um modo ou de outro, tornara-se incômoda. Entretanto, acredita-se que “a vítima ideal é uma pessoa conscienciosa que tenha propensão natural a culpar-se” . Assim, quando o “jogo perverso” suplanta a capacidade de resistência da mulher e os que com ela convivem passam a acreditar que é exagero seu dizer que está sendo assediada, surgirá nela o sentimento de culpa. Afinal, em nome da tolerância e da cultura da lealdade familiar, ela acredita que deve suportar sem nada dizer. É desse sentimento que o assediador irá se aproveitar, incitando ainda mais a crença de que a culpa é da própria vítima.
As implicações de todo este fenômeno variam do isolamento ao medo, à depressão, ao estresse, além de quadros clínicos mais graves. Em recente pesquisa, Margarida Barreto identificou que 60% das mulheres vítimas sofrem de depressão; 40%, de aumento da pressão arterial; 40% têm dores de cabeça; 40% são acometidas por distúrbios digestivos e, surpreendentemente, 16,2% têm idéias de suicídio. Isso tudo, até que a própria identidade da mulher seja destruída, momento este em que nem mesmo ela se reconhecerá: “Vemos que o assédio moral é um processo singular, no qual a pessoa se transforma naquilo de que é acusada. Dizem-lhe: ‘você é uma nulidade’ e ela perde a capacidade e se sente uma nulidade”.
Essa situação culmina com um prejuízo irreparável à integridade psicológica da mulher, restando justificada a preocupação com o resguardo deste bem jurídico.
Contudo, a maior dificuldade enfrentada durante todo o processo de assédio diz respeito à coleta de provas. Não raro inclusive o juiz se mostra cético diante da prática. O depoimento de uma vítima exprime, exatamente, esta realidade:
Depois da separação, mesmo tendo tido um consultório cheio por mais de 25 anos, me senti incapaz de atender qualquer cliente por quase três anos. Em quatro meses, perdi 8 quilos. Senti o desespero do isolamento. Eu havia sido a luz da vida daquele homem e, da noite para o dia, ele me ignorava e dizia aos amigos que me evitava para que eu sofresse menos ou, se contradizendo, que eu devia estar feliz porque, afinal, não gostava mais dele e ele me fizera o favor de sumir da minha existência.
Não quis advogado na separação. Para mim, só valeria a pena entrar na Justiça se desse para provar o assédio moral, a lenta e gradual destruição da auto-estima.
Mas isso ainda é um tabu no Brasil. Ninguém fala, ninguém vê, ninguém reconhece.
Sexta-feira, 12.03.10
E eu fico me perguntando: até que ponto perdoar e esquecer é uma alternativa possível?
Hannah Arendt – teórica política judia perseguida pelo nazismo – fala da diferença entre perdoar e compreender. Para ela, perdoar é fazer o impossível: é praticamente desfazer o que foi feito, mas sem eliminar a consciência de que aquilo de fato ocorreu. Já compreender é entender que tal atitude é válida, dadas as circunstâncias. Assim, ela mesma dizia perdoar o nazismo, mas nunca compreendê-lo, pois compreender tamanha atrocidade seria reconhecer o mundo onde o nazismo existe como aceitável.
Tanto compreender quanto perdoar são ferramentas de crescimento e evolução pessoal, espiritual, filosófica, transcendental (escolha aí o nome que mais lhe apetece), desde que sejam puxadas do nosso “cinto de utilidades” na hora certa.
Perdoar não é fácil. Ou melhor! Perdoar não é difícil! Difícil é chegar a esse estado de espírito que permite o perdão. Uma vez que se chegue lá, é muito natural e faz mais bem a quem perdoa do que a quem é perdoado. Alivia os pesos da alma, retira de nós uma bagagem que em nada nos seria útil. E perdoar não é esquecer, porque quando perdoamos, a lembrança continua conosco como aprendizado, mas não como mágoa.
Compreender é exercer a empatia no seu grau mais elevado e ir além: é estar disposto a sair da zona de conforto e mudar o “ponto de observação”. É calçar os sapatos do outro percebendo suas motivações e suas angústias. É ganhar uma nova perspectiva – algo que só nos enriquece, mas que demanda um esforço que quase ninguém está de fato disposto a fazer.
De qualquer forma, vejo tantas mulheres se esforçando para compreender e perdoar toda sorte de atitudes vindas do amado da vez… Mas, a mesma mulher, capaz de tamanha compaixão, não perde muito tempo tentando compreender uma amiga, uma pessoa da família ou um colega de trabalho que pisou na bola.
Mas o único risco que corremos ao fazer o esforço de TENTAR compreender um amigo é o de abandonarmos um monte de bobagens que julgávamos imprescindíveis.
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As relações familiares, em sua grande maioria, têm origem em um elo de afetividade. Surgem de um enlaçamento amoroso. A essa realidade evidente por si só cabe questionar, afinal, por que as relações afetivas migram para a violência em números tão chocantes e surpreendentes? O mais intrigante é que nem sempre é por necessidade de sustento ou por não terem condições de prover sozinhas a própria existência que as mulheres se submetem, calam e não denunciam as agressões de que são vítimas.
Por que as mulheres sofrem em silêncio? Medo, vergonha, temor da incompreensão, sentimento de incapacidade, de impotência, tolerância à submissão, desrespeito a si próprias? Mas essas são as causas da violência ou são os motivos do silêncio?
O desejo do agressor é submeter a mulher à vontade própria, é dominar a vítima, daí a necessidade de controlá-la. Para isso, busca destruir sua auto-estima. As críticas constantes fazem ela acreditar que tudo que faz é errado, de nada entende, não sabe se vestir nem se comportar socialmente. É induzida a acreditar que não sabe administrar a casa nem cuidar dos filhos. A alegação de não ter um bom desempenho sexual leva ao afastamento da intimidade e à ameaça de abandono.
O silêncio passa à indiferença e às reclamações, reprimendas, reprovações. Depois vêm os castigos, as punições. Os gritos transformam-se em empurrões, tapas, socos, pontapés, num crescer sem fim. As agressões não se cingem à pessoa da vítima. O varão destrói seus objetos de estimação, a envergonha em público, a humilha diante dos filhos. Sabe que eles são o seu ponto fraco e os usa como massa de manobra, ameaçando maltratá-los.
Para dominar a mulher, procura isolá-la do mundo exterior, afastando-a da família. Proíbe as amizades, denigre a imagem dos amigos. No entanto, socialmente, o agressor é agradável, encantador. Em público se mostra um belo companheiro, a não permitir que alguma referência a atitudes agressivas mereça credibilidade.
Muitas vezes impede a esposa ou companheira de trabalhar, levando-a a se afastar de pessoas junto às quais poderia buscar apoio. Subtrai a possibilidade de ela ter contato com a sanidade e buscar ajuda. O medo da solidão a faz dependente e sua segurança resta abalada. A mulher não resiste e se torna prisioneira da vontade do par, o que gera uma situação propícia a uma verdadeira lavagem cerebral, campo fértil para o surgimento do abuso psicológico.
Assim, facilmente a vítima encontra explicações, justificativas para o comportamento do parceiro. Acredita que é uma fase, que vai passar, que ele anda estressado, trabalhando muito, com pouco dinheiro. Procura agradá-lo, ser mais compreensiva, boa parceira. Para evitar problemas, afasta-se dos amigos, submete-se à vontade do agressor, só usa as roupas que ele gosta, deixa de se maquiar para não desagradá-lo. Está constantemente assustada, pois não sabe quando será a próxima explosão, e tenta não fazer nada errado. Fica insegura e, para não zangar o companheiro, começa a perguntar a ele o que e como fazer, torna-se sua dependente. Anula a si própria, seus desejos, sonhos de realização pessoal, objetivos próprios.
O agressor sempre atribui a culpa à mulher, tenta justificar seu descontrole na conduta dela, suas exigências constantes de dinheiro, seu desleixo para com a casa e os filhos. Alega que foi ela quem começou, pois não faz nada certo, não faz o que ele manda. Ela acaba reconhecendo que ele tem razão, que em parte a culpa é sua. Assim o perdoa. Para evitar nova agressão, recua, deixando mais espaço para a agressão.
Nesse momento a mulher vira um alvo fácil. A angústia do fracasso passa a ser seu cotidiano, questiona o que fez de errado, sem se dar conta de que para o agressor não existe nada certo. Não há como satisfazer o que nada mais é do que desejo de dominação, de mando, fruto de um comportamento controlador.
Depois... vem o arrependimento, pedidos de perdão, choro, flores, promessas. A vítima acredita que ele vai mudar e se sente protegida, amada, querida. As cenas de ciúmes são recebidas como prova de amor, e ela fica lisonjeada.
Tudo fica bom até a próxima cobrança, ameaça, grito, tapa...
Forma-se um ciclo em espiral ascendente que não tem mais limite.
O homem não odeia a mulher, ele odeia a si mesmo. Muitas vezes ele foi vítima de abuso ou agressão e tem medo, precisa ter o controle da situação para se sentir seguro. A forma de se compensar é agredir.
A sociedade protege a agressividade masculina, constrói a imagem da superioridade do homem. Afetividade e sensibilidade não são expressões da masculinidade. O homem é retratado pela virilidade. Desde o nascimento, é encorajado a ser forte, não chorar, não levar desaforo para casa, não ser “maricas”. Os homens precisam ser super-homens, não lhes é permitido ser apenas humanos.
A idéia da família como uma entidade inviolável, protegida da interferência até da Justiça, faz com que a violência se torne invisível.
A violência é protegida pelo segredo; agressor e agredida fazem um pacto de silêncio, que o livra da punição. Estabelece-se um verdadeiro ciclo, a mulher não se sente vítima, o que faz desaparecer a figura do agressor. Mas o silêncio não gera nenhuma barreira. A falta de um limite faz com que a violência se exacerbe. O homem testa seus limites de dominação. Quando a agressão não gera reação, aumenta a agressividade. O agressor, para conseguir dominar, para manter a submissão, exacerba na agressão.
A ferida sara, os ossos quebrados se recuperam, o sangue seca, mas a perda da autoconfiança, a visão pessimista, a depressão, essas são feridas que não curam.
Por isso, é preciso romper o pacto de silêncio, não aceitar sequer um grito, denunciar a primeira agressão. É a única forma de estancar o ciclo da violência da qual a mulher é a grande vítima.
PS: Prestando um serviço de utilidade pública, vale dizer que em 85% dos casos, só o fato de o agressor ser denunciado e chamado pela polícia a se explicar, já é o bastante para que não volte a agredir. Portanto, no tocante a violência doméstica, perdoar e compreender depende de cada caso. DENUNCIAR É IMPERATIVO A TODOS ELES
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Terça-feira, 02.02.10
Na definição da Convenção de Belém do Pará (Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, adotada pela OEA em 1994), a violência contra a mulher é “qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada”.
“A violência contra as mulheres é uma manifestação de relações de poder historicamente desiguais entre homens e mulheres que conduziram à dominação e à discriminação contra as mulheres pelos homens e impedem o pleno avanço das mulheres...” Declaração sobre a Eliminação da Violência contra as Mulheres, Resolução da Assembléia Geral das Nações Unidas, dezembro de 1993.
A Conferência das Nações Unidas sobre Direitos Humanos (Viena, 1993) reconheceu formalmente a violência contra as mulheres como uma violação aos direitos humanos. Desde então, os governos dos países-membros da ONU e as organizações da sociedade civil têm trabalhado para a eliminação desse tipo de violência, que já é reconhecido também como um grave problema de saúde pública.
Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), “as conseqüências do abuso são profundas, indo além da saúde e da felicidade individual e afetando o bem-estar de comunidades inteiras.”
De onde vem a violência contra a mulher?Ela acontece porque em nossa sociedade muitas pessoas ainda acham que a melhor maneira de resolver um conflito é através da violência. Os homens são mais fortes e superiores às mulheres. É assim que, muitas vezes, os maridos, namorados, pais, irmãos, chefes e outros homens acham que têm o direito de impor suas vontades às mulheres.
Embora muitas vezes o álcool, drogas ilegais e ciúmes sejam apontados como fatores que desencadeiam a violência contra a mulher, na raiz de tudo está a maneira como a sociedade dá mais valor ao papel masculino, o que por sua vez se reflete na forma de educar os meninos e as meninas. Enquanto os meninos são incentivados a valorizar a agressividade, a força física, a ação, a dominação e a satisfazer seus desejos, inclusive os sexuais, as meninas são valorizadas pela beleza, delicadeza, sedução, submissão, dependência, sentimentalismo, passividade e o cuidado com os outros.
Por que muitas mulheres sofrem caladas?Estima-se que mais da metade das mulheres agredidas sofram caladas e não peçam ajuda. Para elas é difícil dar um basta naquela situação. Muitas sentem vergonha ou dependem emocionalmente ou financeiramente do agressor; outras acham que “foi só daquela vez” ou que, no fundo, são elas as culpadas pela violência; outras não falam nada por causa dos filhos, porque têm medo de apanhar ainda mais ou porque não querem prejudicar o agressor, que pode ser preso ou condenado socialmente. E ainda tem também aquela idéia do “ruim com ele, pior sem ele”. Muitas se sentem sozinhas, com medo e vergonha. Quando pedem ajuda, em geral, é para outra mulher da família, como a mãe ou irmã, ou então alguma amiga próxima, vizinha ou colega de trabalho. Já o número de mulheres que recorrem à polícia é ainda menor. Isso acontece principalmente no caso de ameaça com arma de fogo, depois de espancamentos com fraturas ou cortes e ameaças aos filhos.
O que pode ser feito? As mulheres que sofrem violência podem procurar qualquer delegacia, mas é preferível que elas vão às Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAM), também chamadas de Delegacias da Mulher (DDM) para registrar a Ocorrência. Neste caso, constatando-se lesões corporais pela autoridade policial, a vítima será encaminhada ao IML, podendo, ainda, os serviços que funcionam em hospitais e universidades e que oferecem atendimento médico, assistência psicossocial e orientação jurídica, o que será estendido aos familiares da mulher, se preciso for. A mulher que sofreu violência pode ainda procurar ajuda nas Defensorias Públicas e Juizados Especiais, nos Conselhos Estaduais dos Direitos das Mulheres e em organizações de mulheres. Todos estes Orgãos são gratuitos e, em regra, possuem atendimento em regime de plantão.
Como funciona a denúncia? Se for registrar a ocorrência na Delegacia é importante contar tudo em detalhes, indicar testemunhas, se houver, ou informar o nome e endereço delas. Se a mulher achar que a sua vida ou a de seus familiares (filhos, pais etc.) está em risco, ela pode também procurar ajuda em serviços que mantêm casas-abrigo, que são moradias em local secreto onde a mulher e os filhos podem ficar afastados e protegidos do agressor. A mulher deve ser assistida por advogado ou defensor público que a representará perante o Poder Judiciário em todos os atos processuais. Está na Lei, portando não é uma faculdade, mas sim um dever do Estado. Este procedimento garante à mulher maior proteção do cumprimento da norma legal, porque possui profissional capacitado em Direito para auxiliá-la.
Muitas vezes a mulher se arrepende e desiste de levar a ação adiante, o que com a Lei Maria da Penha não é possível. A mulher somente poderá desistir da representação perante o Juiz e o Ministério Público, mas nem assim impede que este último denuncie o agressor em se constatando a realização de crime.
Em alguns casos, a mulher pode ainda pedir indenização pelos prejuízos sofridos. Para isso, ela deve procurar a Promotoria de Direitos Constitucionais e Reparação de Danos, consultar advogado ou Defensor Público.
Pressão psicológica, traição, abandono, maus tratos, crimes contra a honra (injúria, calúnia e difamação), lesões corporais, falta de assistência material e transmissão de doença venérea são exemplos de violação aos deveres do matrimônio e da união estável que podem motivar o pedido e a reparação por danos morais. Considerando que hoje o atraso de vôo, a devolução de um cheque ou até mesmo a compra de um eletrodoméstico com defeito podem configurar situações ensejadoras de reparação por dano moral, recebendo o amparo do poder judiciário, com muito mais razão é cabível a indenização por danos morais no término das relações conjugais. Questões como divisão de bens, guarda de filhos e pensão alimentícia são amplamente discutidas no término das relações conjugais. Entretanto, a indenização por dano moral, muitas vezes cabível, não é requerida porque o cônjuge ofendido desconhece ter tal direito. O direito à indenização surge quando o comportamento de um dos cônjuges atinge o outro de forma a lhe causar dor, humilhação, vergonha, constrangimento e sofrimento. Dessa forma, por exemplo, a manutenção de relacionamentos extra-conjugais, reiterados ou duradouros, que acabem por se tornar de conhecimento da família e do grupo social a que pertençam os cônjuges, causando constrangimento, vergonha e humilhação ao cônjuge inocente, assim como o comportamento agressivo e violento de um dos cônjuges, causado por embriaguez habitual, que pode colocar em risco a integridade física e psicológica do outro, são situações que caracterizam motivos justos para a separação e também para o pedido de indenização por dano moral.
A ruptura de um casamento ou de uma união estável sempre, ou pelo menos quase sempre, trará a frustração de um futuro e planos comuns, mágoas e um certo sofrimento. Não é, todavia, qualquer situação que deve merecer a concessão de danos morais. A questão deve ser abordada com sensatez para que não se banalizem os pleitos, tornando-se mais um fator de pressão e até mesmo de vingança entre os ex-cônjuges. Para a fixação da indenização por danos morais, deve o julgador analisar as peculiaridades de cada caso e fixar um valor que represente uma punição ao ofensor e uma compensação razoável ao ofendido.