Terça-feira, 09.03.10
É necessário e urgente uma busca sistematizada para investigar e caracterizar condutas socialmente desviantes e atentatórias da liberdade, dignidade e independência pessoais, da mulher.
Entretanto, uma reflexão sobre á realidade há muito percebida, e evidente de um todo que, por razões culturais e sociais, até agora era comumente aceita como fazendo parte da “normalidade” entre pessoas ligadas pelos laços afetivos ou, mais simplesmente, por laços de intimidade, em namoros, casamentos ou relações de fato. Bastará uma simples pesquisa na memória de nossas avós e até de nossas mães, ou relembrar os conteúdos de alguns filmes ou letras de algumas musicas tradicionais para se perceber quão antiga é esta prática, até há pouco, esmagadoramente, da responsabilidade dos homens.
Há uma geração, ou duas, atrás, a própria definição de um “bom marido”, nas classes mais populares, nem sequer contemplava a ausência desta tendência ou manifestação evidente como uma “qualidade” melhor classificada na hierarquia: primeiro estaria o ser trabalhador e “amigo de trazer para casa”, segundo o de não ser bêbado e de não bater na mulher...
Embora se continue a valorizar mais a agressão física na violência doméstica, pelas razões óbvias das suas conseqüências visíveis (e ultimamente a contribuírem assustadoramente para a dramática estatística dos homicídios qualificados), o “abuso emocional”, excluindo o risco de vida imediato, mesmo sendo causa relativamente freqüente de suicídios, tem, quase sempre, conseqüências trágicas na vida emocional e afetiva das vitimas.
O abuso emocional, tal como qualquer outra ação psicológica que vise a destruição da identidade individual, da dignidade, da auto-estima e da liberdade, cujo exemplo mais comum é a chamada “lavagem cerebral”, pretende alcançar o domínio e o controle sobre a pessoa abusada através do medo; da restrição indireta ou direta da sua liberdade e da imposição de um clima de coação emocional tendente a submergir a vontade individual, a modelar comportamentos e atitudes conformes aos desejos do abusador, a provocar o isolamento familiar, social e afetivo e a criar uma dependência absoluta em relação ao agressor, pela desvalorização do seu “eu” global, das suas idéias, atitudes, sentimentos e comportamentos. As ameaças de violência física, da exposição pública das hipotéticas falhas ou defeitos ou até do abandono tumultuoso da relação, com versões de homicídio ou suicídio, numa evidente chantagem emocional; o terror infundido através de constantes crises de violência verbal ou violência sobre objetos; o desprezo ostensivo perante queixas ou lamentações e a ignorância dos sentimentos; o aviltamento em relação aos saberes ou práticas culturais ou domésticas; o controlo permanente (policiamento) sobre as atividades e, por vezes, as humilhações sexuais acabam por conduzir a vitima a um estado de submissão, marcado permanentemente pela necessidade de não importunar ou provocar explosões de mau humor no agressor, anulando assim progressivamente, a própria existência autônoma.
Por vezes sucede de modo comum com outras situações de elevado stress, violência e dependência, que a vítima acaba por se “identificar” com o agressor, desculpando-o, “compreendendo-o” e defendendo-o de terceiros, racionalizando assim “patologicamente” a situação de “vitimização” que, às vezes, o agressor assume no casal, invertendo paradoxalmente as posições de vítima e carrasco. Nesta fase, sem uma intervenção exterior, o ciclo do abuso emocional tenderá a perpetuar-se sem esperança nem apelo.
As armas utilizadas na destruição da identidade da vítima são, como já foi referido, a violência, em múltiplas formas, claras ou dissimuladas; o sarcasmo, o ridículo, a mentira ou distorção grosseira da verdade; o isolamento familiar, social e afetivo; a discriminação, a depreciação, a humilhação e a indiferença pelos sentimentos e o desprezo pela pessoa; o abuso sexual, o controlo absoluto de todos os passos e a vitimização, com inversão dos papéis. Por vezes, o contexto em que se desenrolam todas estas agressões formata-se como uma relação de senhor(a)/criada(o) ou patrão(patroa)/empregada(o), explorando apenas as utilidades do casal mas sem lhe conceder laços afetivos.
Convém salientar que as conseqüências para o abusado não se extinguem nas seqüelas psicológicas do abuso: frequentemente as conseqüências estendem-se às perturbações psicossomáticas, às cefaléias, à depressão e às doenças infecciosas “oportunistas”, típicas de sistemas imunitários enfraquecidos, no caso, por sujeição a stress constante e, eventualmente, má nutrição e sono de má qualidade.
A questão premente que se coloca, entretanto, é a de saber porque é que o abuso emocional acontece.
Independentemente de causas psicológicas subjacentes, que têm, sempre, um peso importante, parece um dado adquirido que os fundamentos culturais, sociais, ideológicos e religiosos terão um papel preponderante nos comportamentos de abuso emocional. Seja por “respeitar” uma tradição, como a da subalternização moderada da mulher na herança judaico-cristã, ou radical, no islamismo; seja por uma visão conservadora e reacionária do homem sobre a mulher, também herdada da prática ancestral (estatisticamente é mais relevante o abuso por parte do homem); ou ainda porque o exercício do poder econômico, sem suportes éticos e morais facilmente extravasa para o exercício do poder pessoal arbitrário, estes fatores facilitam ou agem diretamente como desencadeantes do abuso.
Na atualidade, a manutenção e o agravamento destes comportamentos, em oposição a uma maior abertura sentida em relação à igualdade dos direitos do gênero e à defesa da individualidade radicam-se na impunidade social de que gozam (a abrangência das leis sobre a violência doméstica ainda não contempla o abuso emocional), e no espírito que governa a administração formal, ou informal, da justiça, tendenciosamente contrário às leis do condicionamento operante, que, como se sabe, influenciam de forma capital os nossos comportamentos, ao mantê-los e ao aumentar a sua freqüência se existirem reforços nas suas conseqüências (no caso, pelo prazer de dominar), ou a extingui-los ou debilitá-los se os resultados forem negativos (punição ou ausência de reforço).
Evidentemente que um comportamento que contempla um maquiavelismo comportamental terá que ter, nas variáveis psicológicas, também um determinante essencial.
O combate da agressão emocional á mulher, tenha este a composição que tiver e independentemente do sentido do gênero em que ocorra tem diversas frentes. Uma delas é, claramente, a intervenção legal.
A legislação tem que ser adequada a este tipo de agressões e a forma do seu reconhecimento divulgada amplamente em campanhas de informação. Para que a intervenção legal ocorra é, evidentemente, decisivo o conhecimento dos fatos, o que sugere uma grande necessidade de que este tipo de agressão seja bem tipificado e considerado “crime público”, o que aumenta as probabilidades da sua denúncia e tratamento jurídico..
Mas, é na prevenção que, nesta área, tal como em quase todas as outras situações de abuso deve incidir o maior esforço social, através de campanhas, oficiais ou oficiosas que, com maior ou menor complexidade filosófica ou prática transmitam, de forma impressiva que, na verdade, a origem deste e de muitos outros problemas de relacionamento social e afetivo reside no fato de não entendermos que, entre nós, somos todos iguais e de que, por essa razão, todos pertencemos uns aos outros.
Terça-feira, 15.09.09
Conselho da Mulher em Rondonópolis
Estivemos conversando com a Presidente do conselho da Mulher de Rondonópolis, Sandra Raquel Mendes.
Sandra não foge a regra, todas as mulheres que conheço que “compraram a briga”, é porque de alguma forma sofreram violência.
Hoje Sandra realmente trabalha em prol de fazer com que nós mulheres, tenhamos uma vida digna, e honrada. Se preocupando não só com a violência, mas também com o abandono, ou até mesmo com o fato de não termos em Rondonópolis uma cadeia feminina.
Apesar das condições precárias de suas instalações, o Conselho da Mulher de Rondonópolis está fazendo valer nossos direitos perante a sociedade.
Não temos ainda uma casa de abrigo, a vitima em situação de ameaça, dependendo das entidades beneficentes, que nos ajude a acolher a mulher que teve a coragem de denunciar o agressor, isso está muito longe de ser o ideal.
Mas Sandra não para está sempre procurando à melhor forma de adequar as condições que tem as exigências do momento.
Hoje o conselho da mulher está criando um projeto de prevenção, será começado a fazer nos bairros de Rondonópolis, uma capacitação de alguns moradores, para que eles possam está atuando junto a suas comunidades, como conselheiros e mediadores.
Fazendo assim um trabalho de prevenção, e de educação.
Sim educação, volto a afirmar, essa é a única via para acabar com a violência doméstica.
Porque hoje não temos mais o problema de não termos uma lei que nos proteja. Nós temos uma lei que nos protege. Hoje nós temos o problema que a grande maioria das mulheres que sofrem violência em seus lares, prefere a lei do silêncio a Lei Maria da Penha. O medo sela nossos lábios, o medo nos paralisa, o medo nos faz ver fantasmas, onde eles não estão.
E medo é uma coisa que não falta a uma mulher em estado de violência: Ela tem medo que seus filhos e ela fiquem desamparada, ela tem medo de ser assassinada, ela tem medo e vergonha da opinião publica medo e vergonha da sua família, de seus amigos, da sociedade em que está inserida. Ela se sente isolada em sua dor. E seu agressor lhe parece ser uma pessoa muito, mais muito poderosa mesmo. É assim que as grandes maiorias das mulheres em estado de violência se encontram.
Hoje eu estava dizendo a Sandra, que quando um agressor diz diante de uma delegada ou mesmo de um juiz, que sua mulher está com problemas mentais, talvez está seja a única verdade que ele esteja dizendo. Como ela não vai ter problemas mentais? Ela está vivendo com um monstro. E parte dela sabe disso, e outra parte que quer se livrar do problema, mas tem também aquela voz que diz que ela não é capaz de se manter, de manter seus filhos, que vai perder a família, os amigos, que a sociedade vai lhe virar as costas.
Agora o mais triste, seus amigos, sua família, e a sociedade, com raras exceções vão realmente te virar as costas, vão muito provavelmente ficar com o lado mais forte da situação, e não tenha a menor duvida que não será o seu lado.
Mas você terá apoio de pessoas que você jamais imaginou que teria.
Hoje em Rondonópolis, apesar de todas as dificuldades que enfrenta o Conselho da Mulher, está preparado, para te ouvir, para entender o seu problema, para te orientar.
Temos vinte e oito conselheiras, preparadas, para entender o que está ocorrendo com você, sem fazer nenhum julgamento.
Ninguém vai parar uma investigação porque seu agressor é o fulano ou o sicrano.
O Conselho da Mulher quando acionado, acolher qualquer denuncia. Citamos o caso de um político de nossa cidade, conhecido há muitos anos pelos atos de violência que cometia contra sua ex-mulher. E o Conselho assim que recebeu a denuncia formal, tomou todas as atitudes cabíveis ao caso.
E isso que a Maria da Penha sempre sonhou, que nós mulheres, tivéssemos alguém que nos ouvisse, que nos desse as mãos, sem nos julgar.
Antes, quando você entrava em uma delegacia da mulher para fazer uma denuncia, está se ariscando a ser presa no lugar do agressor. Eu estou falando porque foi assim que aconteceu comigo há uns quinze anos atrás, quase que eu fiquei presa.
A mudança é radical, nesse quesito. Temos hoje todo apoio, temos a garantia de nossas vidas, de nossa integridade física, psicológica, e principalmente, temos a orientação psicológica, que no nosso caso é de suma importância.
Denuncie Ana Maria Bruni costuma dizer: “O silêncio é o trovão dos omissos”.
Omitir significa condenar há você e aos seus filhos a uma vida de medo, e violência.
Amanhã falamos mais.
Fique na paz e na luz.
Araretama uma mulher
Domingo, 13.09.09
A violência não começa na hora da agressão, ela é algo que se inicia muito antes, mas muito antes mesmo.
É isso é algo que deveria ser matéria no colégio, para que nossas filhas, não cometessem os mesmos erros.
Temos que começar a educar nossos filhos para que eles tenham uma visão mais critica sobre o ser humano. Isso não significa preconceito, é algo completamente diferente. Significa ensina-los a ver que se alguém te trata bem e trata uma pessoa mal, na sua frente, você pode ser a próxima a ser mal tratada.
São nas pequenas coisas que vamos aprender a reconhecer o futuro agressor, o futuro pedófilo, e assim poder nos defender deles. Alias futuro para nós, porque já está provado por psicólogos e psiquiatras, que um agressor, um pedófilo, já nasce com essa predisposição.
São tipos psicológicos, que precisam ser evitados, para nossa saúde física, mental e espiritual. Isso não é de forma alguma preconceito. Isso é preservação do Ser.
Estava lendo a entrevista da Maria da Penha, e fiquei pensando, é assim que foi comigo, é assim que é com a grande maioria das mulheres que são violentadas, espancadas, mal tratadas, humilhadas. A conversa é sempre a mesma: “Ele era tão bom, tão querido pela minha família, tão querido pelos meus amigos, me tratava tão bem,... que eu não poderia imaginar que isso ia acontecer...”.
Vamos ser sinceras, não imaginamos, porque estávamos carentes precisando de uma tabua de salvação... Não imaginamos porque o nosso inconsciente (nosso ego) nos dizia bem lá no fundo que não éramos capazes de arranjar coisa melhor.
Tudo o que passamos foi o que escolhemos passar. Estejamos ou não conscientes disso.
Não há como fugir da realidade. Nós fomos de encontro com o agressor, porque alguma coisa em nós precisava daquela experiência.
Ninguém se torna violento do dia para noite, uma pessoa é violenta, e esconde isso quando lhe convém, e deixa de esconder quando deixa de lhe convir. Essa é a realidade.
Meu ex-marido era um homem maravilhoso, até eu engravidar da minha filha, na minha gravidez, fui espancada mais três vezes. Por quê? Porque ele viu que estava seguro, que já tinha-me “pegado”.
Mas tenho que admitir se quiser ser honesta, que ele só era maravilhoso comigo, que ele era violento com seus familiares, com os empregados, no transito, que sua ex-mulher, dizia ter sido espancada por eles varias vezes, que suas filhas também diziam que ele espancava a mãe delas, que eu ouvia dizer que ele havia batido na mãe dele, e que por isso ela faleceu uma semana depois da surra. Então vamos ser realistas: O que me fez pensar que eu era tão especialíssima assim, que ia viver com um monstro desses e ia sair impunemente? “O medo, o meu ego que me dizia que se não fosse ele, eu não teria ninguém para me amar.”
Aceitar essa realidade é muito difícil, porque isso nos faz passar de vitimas, a donas da situação. Mas infelizmente não existe outro caminho para cura.
Falo isso, porque creio ser uma das pessoas que mais procurou que tentou achar uma solução, sem ter que enfrentar a realidade. Mas felizmente eu descobri que teria que enfrentar a verdade.
A verdade, não nos condena, ela nos faz ser responsáveis por nossas vidas, pelo nosso corpo, por nossa cabeça, e por nossa alma. A verdade de que somos responsáveis não nos faz culpadas, e não diminui em nada a culpa do agressor. Ela nos liberta da mentira de que não podemos ser responsáveis por nossas vidas, e nos faz donas de nossa alma.
Sei que chegar nesse ponto não é fácil. Mesmo porque todos que estão nessa situação, encontram-se tão avariadas, tão machucadas, com tanto medo, que beira ao terror... Que não é de forma alguma fácil.
E o que piora muito a situação é que em um estado desse você fica sem ação, e não consegue acreditar em ninguém.
O medo é um sentimento paralisante. Ele não te deixa agir, ele não te deixa raciocinar, nem enxergar a realidade. Aprendemos a ver o mundo sob a ótica do nosso medo, o nosso problema passa a ser o maior problema do mundo. Nada mais tem importância, vivemos em torno do agressor, e pensamos o dia todo em como vamos fazer. Na verdade essa passa a ser a nossa vida, o agressor. Deixamos de ter vida própria, e passamos a viver em função do agressor, é ai que somos “fisgadas”.
E assim é com a maioria dos casos de agressão, o agressor só age quando sente que está em segurança.
Aprendemos muito cedo, a sermos frágeis, vitimam coitadinhas, a nos sacrificarmos. E é ai que mora o perigo... Porque quanto mais vitimas, quanto mais coitadinhas, melhor para o agressor. Alias ele conta exatamente com isso, com o nosso medo, com a nossa bondade, com a nossa capacidade de perdoar.
Um dia ouvi em um seminário na Unipaz, facilitado pela Lydia Rebouças, que: “Paz não é ausência de guerra, paz é inteireza” Que grande verdade, e como eu ia precisar dessa verdade logo em seguida...
Ser bom não é ser capacho, perdoar, não é deixar de denunciar que você está sendo vitima de um psicopata.
Isso é totalmente o contrario de bondade, de amor, de paz... Isso é falta de auto-estima, e se você não se ama não se respeita, e não se aceita você vai mesmo aceitar ser agredida, humilhada, roubada, explorada, e tudo mais que uma mente doentia pode fazer com outro ser humano.