Domingo, 17.01.10
O reconhecimento social das mulheres como “seres pensantes” foi e continua sendo um desafio para o equilíbrio nas relações de gênero. Nos currículos escolares e universitários podemos perceber que pouco consta sobre as mulheres que se destacaram enquanto filósofas. Na maioria das vezes, falta uma referência acerca do conhecimento da vida e obras de pensadoras. Neste sentido, podemos constatar uma reduzida valorização das mulheres na vida acadêmica e sua participação na história da construção do conhecimento. Neste contexto, pretendemos realizar uma retomada da presença das mulheres na história da filosofia, com ênfase ao desprezo do corpo e à marginalidade da mulher.
1. A presença da mulher na história da filosofia
Ao realizar um resgate sobre a presença das mulheres na história da filosofia, percebe-se que a figura do feminino “é discutida por meio de um sujeito que não é o que a representa, mas sim outro sujeito: o sujeito masculino. Mesmo assim, este discurso é sempre evitado no campo filosófico” (TIBURI et al., 2002: 69).
A mitologia grega destaca fortemente a presença de mulheres através da figura das deusas Artemis, Atena, Afrodite, Deméter, Hera, Perséfone, Pandora e Gaia. Embora a inteligência e o pensamento sejam representados pela deusa Minerva (versão latina da deusa Atena), é interessante destacar, que esta nasce não do corpo de sua mãe, mas da cabeça de seu pai, Zeus. Isto demonstra, desde o princípio, a desvalorização da mulher.
Sendo assim, na história da filosofia, que mulheres alcançaram ao longo da história o reconhecimento oficial de filósofas? Kant, em uma de suas passagens afirma que: “uma mulher que tem a cabeça cheia de grego, como Mme. Dacier, ou que, tal como a marquesa de Châteler, disputa sabiamente sobre temas de mecânica, só lhes falta a barba para expressar melhor a profundidade do espírito que ambicionam” (Idem: 148). Isto significa que o fato das mulheres se destacarem na história por sua capacidade intelectual, não era um fator suficiente para serem reconhecidas. Para isto teriam que ser “homens”.
A forma como os filósofos, em geral, tematizam a mulher ao longo dos séculos, demonstra um claro desprezo ao ser feminino. Aproveitando-nos de uma passagem de Pitágoras, o mesmo afirma que “existe um princípio bom que gerou a ordem, a luz e o homem; há um princípio mau que gerou o caos, as trevas e a mulher” (Idem: 148).
Entretanto, apesar da discriminação das mulheres no campo filosófico, é possível perceber que, ao longo da história da filosofia, várias mulheres se destacaram como seres humanos que buscaram saber e conhecimento. No século XX há um destaque especial a algumas filósofas importantes. Dentre elas, encontram-se Hannah Arendt, Simone Weil, Edith Stein, Mari Zambrano e Rosa Luxemburgo. Estas mulheres, contrariando a ordem patriarcal de seu tempo, foram filósofas importantes e, sem dúvida, contribuíram decisivamente para a construção do conhecimento.
2. O desprezo do corpo e marginalidade da mulher na história da filosofia
Embora a mulher tenha sido desprezada na história da filosofia, o tema “mulher” foi abordado por muitos pensadores. Textos de importantes filósofos como Platão, Aristóteles e Kant, retratam a diferenciação entre os sexos. No entanto, estudos sobre as mulheres aparecem em obras menos conhecidas, as quais tratam de temas relacionados a moral, o que, certamente contribuiu para que a questão da discriminação da mulher passasse despercebida. Além disso, quando o tema referente às mulheres aparece em textos filosóficos, este é cercado de muitos preconceitos, tentando demonstrar uma suposta inferioridade natural da mulher. No entanto, é preciso ter presente que as abordagens sobre a mulher encontram-se numa história da filosofia que foi escrita por homens.
A relação entre mulher e homem está, geralmente, fundamentada na relação corpo e alma. Neste contexto, surge a discussão sobre a corporeidade. A alma não apenas se distingue do corpo, como também está ligada tradicionalmente à racionalidade, ao universal, ao masculino. O corpo físico encontra-se associado à sensibilidade, ao particular, ou seja, ao feminino. De um lado encontram-se os homens, com a linguagem filosófica e o conhecimento. De outro lado estão as mulheres com a linguagem da poesia e da música. No que diz respeito à mulher instruída, Kant ironiza: “ela se serve de seus livros da mesma forma como se serve de seu relógio: ela o usa para que se veja que tem um, pouco se importando que, em geral, ele esteja parado ou que não marque a hora certa” (Idem: 53).
Ao longo da história, o pensar foi considerado um privilégio dos homens. Houve, contudo, uma participação lenta das mulheres na vida acadêmica. Um dos poucos registros históricos acerca do tema foi a existência de um centro de formação intelectual para mulheres, escola esta fundada por Safo, poetisa de Lesbos nascida em 625 a C. (Idem: 16). No Renascimento “percebe-se um aumento significativo das instituições escolares. Mas às mulheres mais uma vez só é concedido um saber incompleto e sob uma forte vigilância” (Idem: 17), realizado, especialmente através de instituições religiosas. Em Rousseau, o quinto capítulo do Emílio é marcado pela construção de um conhecimento que esvazia a possibilidade da mulher pensar. Segundo ele, “elas devem aprender muitas coisas, mas apenas aquelas que lhes convém saber” (ROUSSEAU citado em STRÖHER et al., 2004: 228).
O pensamento vigente é de que à mulher é permitido uma mente e um corpo, mas não os dois simultaneamente. Assim, a mulher jamais poderia produzir a razão, pois já possui a beleza. Essa dicotomia entre alma e corpo também aparece no pensamento de Platão. No diálogo O Banquete, o mesmo mostra que o amor sensível deve estar subordinado ao amor intelectual, ou seja, “na juventude, predomina a admiração pela beleza física; mas o verdadeiro discípulo de Eros amadurece com o tempo e descobre que a beleza da alma deve ser considerada mais preciosa do que a do corpo” (ARANHA/ MARTINS, 1986: 342).
Além disto, Descartes, no Cogito, defende a idéia de uma essência primeira que antecede o corpo, ou seja, o pensamento. O ato de pensar segundo Descartes é a própria existência corporal, de modo que o corpo vem a ser uma extensão do pensamento. De um lado, a essência pensante (res cogitans – espírito) e, do outro, a substância extensa (res extensa – corpo).
Na discussão sobre corporeidade, há uma associação do fraco com o feminino e do forte com o masculino. Aristóteles já afirmava que o corpo feminino está dotado de um cérebro menor. Pode-se dizer, portanto, que existe uma redução da mulher ao seu corpo, sendo-lhe impedido desenvolver sua capacidade racional e intelectual. O corpo é visto como algo historicamente negado. “A concepção do corpo como cadáver ou sepultura da alma ou psyché, que advém do orfismo-pitagorismo, migra para a filosofia de Platão, constitui a filosofia aristotélica e assume seu tom mais enfático no pensamento medieval” (TIBURI et al., 2002: 35).
Diante disto, pode-se afirmar que a visão negativa do “ser feminino” baseia-se no entendimento, segundo o qual, as “deficiências”, “limitações” e a própria inferioridade da mulher decorrem de sua própria natureza, ou seja, a condição inferior da mulher é vista como algo natural e, portanto, imutável. Esta visão do “feminino” esteve presente na história da filosofia e continua sendo um desafio para as mulheres filósofas. Enquanto ser humano, a mulher é dotada de razão, mas o uso pleno e adequado ainda está reservado, majoritariamente, ao ser masculino.

Fonte: http://www.espacoacademico.com.br/058/58andrioli_liria.htm


publicado por araretamaumamulher às 12:41 | link do post | comentar | favorito

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