Quinta-feira, 04.03.10
Somos todos curadores feridos. Todos relutamos muito em nos tornar vulneráveis, em levantar o véu que nos recobre e mostrar o que temos dentro de nós, sejam coisas positivas ou negativas. Hesitamos em revelar a dor ou o ferimento que cada um de nós, á sua maneira, traz em si. Sentimos vergonha e nos escondemos. Achamos que somos os únicos ou que a nossa dor é mais desprezível que a de qualquer outra pessoa. Isso é muito difícil para nós, a não ser que nos sintamos seguros. Essa é a nossa condição humana. Cada um de nós precisará de algum tempo e de muito amor para se mostrar. Devemos dar uns aos outros bastante tempo, espaço e apoio com amor. É ´por meio desse ferimento que todos estamos aprendendo a amar. Esse ferimento interno que todos temos é o nosso maior mestre. Devemos reconhecer quem realmente somos por dentro.Somos a bela essência do nosso Eu Superior, apesar das camadas de dor e de raiva que nos encobrem. Cada um de nós é único na sua individualidade, e é muito bom que seja assim. Devemos nos tornar curadores feridos, ajudando-nos mutuamente a compartilhar a verdade de nosso ser interior.
Podemos descobrir que estamos num universo benigno, rico, propicio á vida e sagrado. Somos carregados nos braços do universo. Sonos rodeados por um campo de saúde universal que garante e mantém a vida, e ao qual podemos nos ligar. Podemos ser e, de fato, sempre somos, nutridos por ele. Fazemos parte dele e ele faz parte de nós. O mistério divino da vida está dentro de nós e em toda a nossa volta.
As vezes, quando não estamos alertas, nós nos soltamos, e surge a força criativa!
Um súbito gesto de bondade, ou uma expressão de amor ou de amizade que se manifestam antes que possamos pensar nisso é uma expressão do eu Superior. Cria-se um momento d estreita ligação, e o amor é liberado.
Então, não podemos tolerar a luz e o amor, nós nos tornamos tímidos e nos afastamos. Basta alguns segundos para ficarmos constrangidos e nos "fecharmos" um pouco. Um medo súbito surge aparentemente do nada, e diz: "Oh, talvez eu tenha agido mal". Essa é a voz dos nossos pais falando, substituindo o Eu Superior. Sob ela, está a defesa. Ela na verdade quer dizer: "Se não detiver esse fluxo d energia, provavelmente vai sentir tudo, incluindo a dor que estou escondendo de você ". Assim interrompemos e refreamos o fluxo de nossa força vital. Nós nos conduzimos de volta ao nível "normal" de "segurança", em que não colocaremos em risco a boa ordem da nossa vida.
Essa é a condição humana.Vivemos a dualidade da escolha, não importando quais sejam as circunstância de nossa vida. A cada momento, escolhemos entre dizer sim a uma vulnerabilidade natural, rica e sem riscos, que dá origem á nossa plena experiência de vida, ou dizer não a tudo isso. quando optamos pelo não, nós nos defendemos da experiência de uma vida verdadeiramente equilibrada e bloqueamos a nossa vitalidade.
A maioria de nós prefere matar um pouco da nossa vitalidade durante a maior parte do tempo. Por quê? Porque, inconscientemente, sabemos que deixar a força vital fluir irá liberar a antiga dor, e temos medo dela. Não sabemos como lidar com isso. Por esse motivo, adotamos uma atitude defensiva e voltamos para as velhas e aparentemente apropriadas definições falsas a respeito de quem realmente somos. As vozes de nossos pais ficam mais forte e continuamos a nos afastar. "Quem você pensa que é? Deus?" "Você realmente acha que pode mudar as coisas?"Hora seja realista! As pessoas não mudam. Aceite aquilo que você tem." "Você é ganancioso." "Você não dá valor ao que tem." Ou então: "Se você tivesse nascido mais bonita." "Se os seus pais tivessem tratado melhor você..." "Se o seu marido não tivesse feito isso...". E assim por diante! Existem milhões de maneira por meio das quais a máscara pode falar para conserva-lo no seu lugar. Em certa medida ela impede que você sinta a sua dor. A longo prazo porém ela gera mais, dor e, posteriormente, doença.
Cabe a cada um de nós retornar o contato com o nosso Eu Superior e curar a nós mesmo.
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sinto-me
Quarta-feira, 03.03.10
Talvez a forma como fomos educados, como vemos Deus, e a vida, nos leve diretamente para a aceitação da violência em nosso lar.
Eu sei que não sou a unica pessoa que passou grande parte da vida com raiva de Deus. Quando eu não estava com raiva de Deus, estava completamente confusa, com medo.
Na religião onde fui criada, Deus me foi apresentado como uma entidade externa a mim, grande e feroz, só esperando que eu fizesse alguma besteira para me pegar. Me pegar tinha a ver com me fazer sofrer e me tirar as coisas que eu amava, e não me deixar ter as que eu desejava, tinha a ver com jamais me aprovar ou me aceitar, por causa de todas as coisas ruins e erradas ou puramente humanas que eu poderia fazer.
Em algum ponto entre minha infância e adolecência, eu compreendi que Deus não me aceitava, e não estava satisfeito comigo. Descobri que eu era um erro. Um erro muito provavelmente cometido pelo proprio Deus, que me havia criado a sua imagem e semelhança, me disseram. Mas isso não tinha mais nenhuma importancia, porque eu também não tinha uma opinião melhor a respeito D'Ele, não estava também satisfeita com o seu desempenho como Deus.
O que significa Deus? Haviam me ensinado e eu tinha como certo que Ele estava em todos os lugares, e que podia ver tudo, e isso não me agradava, Deus me via roubar dinheiro na gaveta do meu pai para lanchar na escola, balas na casa da minha avó, Ele me viu beijar atrás do murro da escola, e me disseram que Deus não gostava que a gente namorrasse ou sentisse qualquer prazer, tinhamos que sentir prazer Nele, é o que Ele fazia para me dar prazer?? Ele sabia que eu falava palavrões e que tinha vergonha dos meus pais, e não gostava de ter aquele monte de irmãos. Ele sabia que eu fumava, que eu mentia e que tinha sido promiscua, Deus sabia que eu não gostava da minha familia, e que não sentia a vontade no meio deles. Ele sabia que eu não gostava de rezar o terço todos os dias que odiava ir a missa aos domingos, porque era na igreja, na hora da missa que eu tomava verdadeira consciencia do quanto eu estava longe de ir "para o ceu", e o quanto estava perto do inferno...
Por esses e outros mnotivos eu tinha medo de Deus e a certeza de que Ele vivia uma "fera" comigo, aliás vamos ser justos não só Deus vivia uma "fera" comigo, mas meu pai, minha mãe, minhas tias, e minha avó também, com a vantagem de que esses ultimos não estarem em todos os lugares e não verem tudo, o que me causava um certo alivio.
Mas Deus eu tinha certeza, que foi sua irá que me fez engravidar aos 16 anos. Depois Ele me deixou casar com um homem violento, que me batia, humilhava, me traia, e fazia toda a especie de pressão psicologica que eu conheço...
Deus permitiu que eu ficasse sem teto com três crianças na minha responsabilidade, Deus nunca me deixou ter dinheiro suficiente para honrar meus compromissos em dia. E Ele permitiu tudo isso porque eu não era uma das pessoas escolhidas por Ele, para ser amada, ter sucesso, ser aceita, eu era um erro de Deus, e tudo o que me acontecia só confirmava isso...
Por isso Deus e eu não nos davamos e quase não nos falavamos. Já que minha opinião a respeito D'Ele também não era das melhores. Eu o achava um incompetente já que tinha deixado seu unico filho morrer na cruz. Um despota que me fez nascer em pecado e ainda mais o motivo porque nasci em pecado jamais me conveceu.. era por causa de um tal de Adão e Eva, que nem da minha familia eram, será que Ele achava pouco os meus proprios pecados? Tinha que me impor o de pessoas desconhecidas em cima de mim? O que eu tinha a ver com o pecado original, eu nem conheci o Paraiso, eu conheço bem é o inferno..que Ele me legou..
Depois comecei a desconfiar dessa historia de que Ele estava em todos os lugares e que via tudo. então porque Ele não via e não sabia que eu vivia confusa e assustada?Porque não me impedia de fazer certas coisas que Ele sabia que eram erradas? Porque não me guiava pelo caminho certo? Quantas vezes eu de joelhos pedi isso: Deus me guia, ilumina o meu caminho, eu estou desesperada... Eu perdi as contas de quantas vezes eu fiz essa oração..
Não sei direito qual foi o pensamento profundo que me levou a fazer algo que mudou a minha vida para sempre. Não sei quando, como e onde aconteceu, mais de repente eu soube sem a menor sombra de duvidas que eu e Deus estavamos bemum com o outro.
Aprendi a reconhecer Deus, a aceita-Lo, dentro de mim. Hoje mesmo com todos os tormentos, todas as escolhas tolas, e decisões eradas que já tomei na vida sei que Deus está dentro de mim, que Ele acredita em mim, e que cabe a mim também acreditar....
POSTADO POR UMA MULHER
Terça-feira, 02.03.10
Quando vi o cartaz ao lado, fiquei chocada. Trata-se de uma campanha da OAB-SP para o Dia Internacional da Mulher. Em letras garrafais, fazem à pergunta “Quantas vezes ainda vamos apanhar para aprender?” e, em letras miúdas (não dá pra ler nem na imagem ao lado nem na do site), afirmam: “A violência contra a mulher atinge toda a família”. Isso acontece todos os dias. Se você chora em silêncio, apenas piora a situação. Proteja-se. Violência contra a mulher é crise. Ligue 181 e denuncie. Nossa sociedade tem por hábito insistir na obediência através da agressão, e as mulheres são as principais vítimas disso. Os homens são ensinados desde criancinhas a serem agressivos, não levarem desaforo pra casa nem aceitarem mulheres lhes dando ordens (tanto é que são pouquíssimos os homens que sofrem violência doméstica). Já as mulheres são ensinadas a serem dóceis conciliadoras e perdoarem agressões, pois o/a agressor/a estava fora de mim, coitado! (notem que aqui quem agrediu se torna uma vítima), ou então ele/a fez isso para corrigi-la, afinal, só quer o bem dela (o velho argumento da surra como prova de amor). Em parte, essa postura se deve a uma prática que perdurou por muitos séculos, denominada ius corrigendi: o pai ou marido responsável pela mulher poderia agredi-la fisicamente para corrigir seus hábitos. Não só havia previsão legal para essa prática, como também os juízes a consideravam válida e adequada.
Embora sempre pensemos na agressão feita pelo cônjuge, são tão comuns os casos de violência contra mulheres praticados por pai, mãe, avós, sogros e irmãos que a Lei Maria da Penha (art. 5º, II) prevê punição para qualquer pessoa que agrida uma mulher de seu círculo familiar. Colocar a culpa da agressão no álcool, desemprego ou qualquer outro fator é esconder que a violência doméstica como forma de correção ou intimidação das mulheres é prática corriqueira em nossa sociedade. Não se trata de um acontecimento isolado (como os fatores desencadeantes da violência podem fazer crer), mas de uma prática familiar que, ou é aprovada pela sociedade, ou é encoberta para não criar mais “problemas”. Por problemas, entenda-se a necessidade de mudar o paradigma de conduta social para não aceitar mais a violência como forma de educação, nem de obrigar outra pessoa a ter determinado comportamento, e muito menos descontar frustrações através da agressão. Isso envolve muita reflexão, auto-controle e a capacidade de considerar as mulheres como seres humanos e sujeitos de direito, coisas que raramente agressores conseguem compreender. Explicado isso, voltemos à campanha da OAB-SP. Talvez o objetivo da pergunta no cartaz fosse mostrar que as mulheres também são participantes da violência cometida contra elas ao não denunciarem as agressões. Mas a fatídica pergunta se vale do velho ius corrigendi ao insinuar que as mulheres estão apanhando para aprenderem que precisam denunciar o agressor. Por essa ótica, as mulheres merecem sofrer a violência até terem forças para denunciarem o agressor e darem um basta na relação. Como já disse antes, precisamos abolir essa mentalidade de ius corrigendi, e parar de considerar a surra como uma forma de educação eficaz. É lamentável que uma campanha que pretenda defender os direitos das mulheres apele para uma prática que sempre as vitimou.
A mentalidade da campanha, ao invés de oferecer apoio, e melhorar a estrutura para acolhimento das queixas de violência, está jogando a responsabilidade da denúncia para as mulheres agredidas, que não têm a menor condição de reagir sozinhas. Elas são a parte mais fraca da relação, pois raramente têm apoio da família, dos amigos, da sociedade ou do aparato estatal. Não adianta dizer que há apoio estatal quando não há programas de atendimento psicológico suficientes, nem policiais capacitados para atender aos chamados ou registrar a ocorrência adequadamente, nem juízes preparados para aplicar medidas protetivas. Querer que a mulher, fragilizada e presa no conflito “devo ser dócil e aceitar a violência x devo denunciar e perder tudo o que eu tenho” assuma sozinha todos os riscos, inclusive os prejuízos sociais, que envolvem a denúncia da violência, sem proporcionar o apoio estatal necessário para ampará-la em suas reivindicações, é praticamente condená-la a continuar sofrendo violência, com a agravante de deixá-la mais frágil, isolada e desiludida, pois a solução que lhe faria justiça não se realizou.
Pra piorar, a nota em letras miúdas insinua que a família é mais importante que a mulher ao afirmar que “a violência contra a mulher atinge toda a família.” Enquanto não entenderem que a violência atinge primeiro e principalmente a mulher, não conseguiremos reduzir o número de casos de violência doméstica. À primeira vista, pode parecer uma implicância boba, mas quando juízes optam por absolver um agressor para não prejudicar sua imagem de pai de família, ou policiais deixam de registrar a agressão porque querem o bem e a estabilidade da família, estão fechando os olhos para a violência cometida contra as mulheres e dizendo que manter uma família é mais importante do que preservar a integridade física e psicológica das mulheres.
Fiquei muito decepcionada com esse cartaz. Jamais imaginei que uma entidade com o porte da OAB-SP faria uma campanha que, no fim das contas, legitima o ius corrigendi, joga a culpa pelo silêncio nas mulheres agredidas e ainda minimiza sua dor em prol da família. É triste constatar que ainda falta muito para que os advogados, árduos defensores da cidadania, se lembrarem de que as mulheres também são cidadãs e merecem ser tratadas de forma digna, não através doius corrigendi.
Quinta-feira, 04.02.10
Amigo (a):
Peço um favor, que você leia está carta até o final e deixe o seu coração tomar a decisão.
Nessa carta exponho uma parte da minha vida: Meu nome é Maria de Fátima Jacinto, tenho 49 anos, sou mãe de três filhos, dos quais um faleceu em janeiro de 2009. Somos meus filhos e eu, vitimas de violência doméstica.
Após a morte do Vinicius, nossa situação piorou bastante, nos sentimos encurralados, sem um lugar para nos movimentar.
Vivemos numa casa, que não é nossa, e não existe a menor chance de um dia ser. Somos ameaçados e humilhados, pelo meu ex-marido, o pai dos meus filhos. Somos tratados como se fossemos porcos em um chiqueiro, ele tem um padrão de vida altíssimo, mas nos deixa viver em uma casa de três peças sem portas internas, nem o banheiro tem porta, com uma fossa a céu aberto, e com entulhos que ele vai juntando e trazendo para cá de tudo quanto é espécie. Se jogarmos fora somos espancados e humilhados, não estamos mais suportando tamanha humilhação.
Tenho um blog onde falo mais profundamente da vida que levamos, deixo aqui o endereço caso você queira conferir. Procure os post mais antigos do blog, que é onde está sendo contada a minha vida. Aqui está o endereço do blog:
http://araretamaumamulher.blogspot.com/Pensei muito no que fazer, não quero parecer ser o que não sou por isso quero deixar claro que tenho um bom nível de escolaridade, só que vinte e cinco anos de humilhação e espancamentos acabou com toda a minha auto-estima, estou em tratamento psicológico, caso contrario não conseguiria fazer nem o blog nem está carta, tenha essa certeza.
Precisamos sair daqui o mais rápido possível, e não temos condições financeiras para isso. Então, resolvi pedir doações na internet. Não estou pedindo a ninguém um valor alto, gostaria que você postasse uma carta no correio com R$2,00 (dois reais), não se esquecendo de colocar um pedaço de papel dobrado com o dinheiro dentro caso contrario os correios não entregam. Mas se o dinheiro estiver dentro do papel passa com certeza pelos correios. Deixo aqui meu endereço e telefone, e me coloco a disposição de qualquer pessoa que queira conferir a veracidade dos fatos.
Maria de Fátima Jacinto
Rua Fidalma Manduca, 302.
Jardim Primavera
CEP 78725 110 Rondonópolis MT.
Minha idéia é a seguinte, se cada pessoa me enviar R$2,00 reais terei condições de procurar um lugar para que eu e meus filhos possamos morar, e começar novamente novas vidas. E não estarei deixando ninguém em situação difícil para me ajudar. Deixo aqui também o numero da minha conta poupança caso alguém queira fazer uma doação maior: Caixa Economica Federal (pode ser efetuado em qualquer casa loterica e na maioria dos supermercados.)
Agencia 3119
Operação 013
Conta poupança 8614-0
Maria de Fátima Jacinto
Quanto à justiça, ela é muito lenta e muitas vezes um psicopata consegue enganar um juiz, isso já aconteceu comigo outras vezes.
Por favor consulte o seu coração e se faça o que você achar que deve.
Conto com a usa ajuda
Se sentir vontade divulgue essa carta, me ajude.
Desde de já agradeço
Fique na Luz e na Paz
Maria de Fátima Jacinto
Uma Mulher
http://araretamaumamulher.blogspot.com/
Domingo, 24.01.10
A reação mais comum perante as crueldades da vida é bani-las para fora da consciência. Um engenhoso sistema de defesa psicológica de negação e silêncio são estratégias de sobrevivência para tentar esquecer e não colocar em palavras o que é considerado demasiado cruel para existir na vida humana. O conflito entre manter o silêncio e a vontade de gritar a sua dor é inerente ao trauma psicológico. É um processo que tem lugar tanto a nível individual como em nível da sociedade. A crueldade necessita de ser falada antes de ressurgir na vida da pessoa ou na comunidade. As sociedades têm necessidade de repor a ordem e a justiça, a nível individual cada pessoa procura sempre o sentido e a solução para a vida. O reconhecimento do que aconteceu é essencial num processo de reconciliação e para a recuperação pessoal.
O ato de denunciar e de levar a publico o abuso de direitos humanos numa sociedade está fortemente relacionado com movimentos políticos. A história mostra-nos que os movimentos políticos desempenharam um papel-chave no despertar de uma consciência pública sobre as realidades dolorosas e vergonhosas que a vida humana encobre. Mais de 100 anos de estudos sobre psico-traumas nas sociedades ocidentais mostram a relação entre os movimentos políticos e a denúncia do sofrimento humano provocado pelo abuso dos direitos humanos.
No final do século XIX um movimento contra o clericalismo na França iniciou uma investigação sobre a Histeria. Até então a Histeria era considerada como uma doença feminina imprevisível. Os resultados da pesquisa provaram a relação entre os sintomas da doença e a ocorrência de abuso sexual na infância. No início do século XX, movimentos pela paz e movimentos anti-militaristas desenvolveram pesquisas sobre os psico-traumas relacionados com a guerra. No final do século a pesquisa nesta área teve como objetivo central libertar as mulheres das relações desiguais de poder e da violência.
O movimento feminista foi essencial para estimular este desenvolvimento. No início da década de 70 a pesquisa foi feita por duas feministas nos Estados Unidos (Burgess & Holmstrom, 1972). Elas concluíram que os efeitos da violação, da violência doméstica e do abuso sexual são de fato os mesmos que os encontrados em sobreviventes de guerra. Mulheres que foram vítimas de violência ou de violação descreveram os seus medos durante estas experiências violentas como sendo de receio de perder a vida e como um medo intenso de morrer ou de ficar mutiladas para sempre. Depois do evento elas sofreram de problemas de insônia, náuseas, pesadelos, sobressaltos, sustos, mostrando sintomas de dissociação e de “anestesia” corporal e emocional. Nos últimos trinta anos uma série de estudos foi realizada e hoje existe uma nova literatura cujos resultados estão publicados e o tema já é discutido publicamente nos órgãos de comunicação social.
Está claro que ver e reconhecer os efeitos da violência doméstica e do abuso sexual não é somente uma questão de provar as agressões mostrando as lesões físicas e o imenso sofrimento psicológico. É também uma questão que deve ser vista em relação com o ambiente político. Instrumento importante para conter a violência contra as mulheres é um sistema legal que criminaliza os agressores, um sistema de saúde que cria espaço para as mulheres se recomporem das suas lesões e um sistema sócio-cultural que permita às mulheres reintegrarem-se e reconstruírem as suas vidas em paz.
Em 1980 foi introduzido o conceito de DSPT (Distúrbio de Stress Pós-Traumático), pela Associação de Psiquiatria Americana, como uma nova desordem psiquiátrica. O conceito foi desenvolvido na base de experiências com os veteranos da guerra do Vietname. Depois do seu regresso da guerra eles apresentavam uma série de problemas e de dificuldades em se reintegrarem na família e na vida social. Eles tinham vários sintomas de stress psicológico causado pelas memórias das experiências durante a guerra.
Desde que este conceito foi introduzido no Manual de Estatísticas de Diagnóstico das Doenças Mentais (DSM IV), tornou-se claro que as síndromes psicológicas dos sobreviventes de abuso sexual e violência doméstica eram de fato os mesmos encontrados entre os sobreviventes de guerra: “Mulheres e crianças que foram agredidas e violadas são vítimas de guerra. A Histeria é uma neurose da guerra entre os sexos” (Herman, 1992).
O DSPT é um diagnóstico aplicável a doenças de saúde mental desenvolvido no Ocidente e a utilidade deste conceito em países não Ocidentais está ainda em discussão, porque, por exemplo, o uso do termo trauma tende a medicar problemas que são profundamente políticos e sociais. Contudo, não há dúvida de que o DSPT contribui para o reconhecimento dos efeitos de eventos traumáticos tal como a violência doméstica, na saúde pública e mental. Mulheres sofrendo de conseqüências da violência doméstica não são malucas ou anormais – a verdade é que elas simplesmente estão afetadas por eventos cruéis que alteram as suas vidas e destroem o seu bem-estar. E embora os contextos culturais, socioeconômicos e políticos se devam ter em conta, o sofrimento pessoal depois de tais eventos traumáticos necessita de uma atenção pessoal. O conhecimento psicológico no atendimento às vítimas e a educação psicológica como um meio de apoiar famílias e comunidades têm uma grande importância. A comissão da verdade e reconciliação na África do Sul após o apartheid foi um exemplo de um programa de intervenção, usando os conhecimentos da investigação em psico-traumas.
A definição de trauma envolve todos os eventos ou ações que podem resultar em morte, assim como também em lesões sérias, ou ameaças à integridade física ou psicológica do próprio ou de outros. A resposta das pessoas a esses eventos envolve medo intenso, sensação de desamparo e horror (DSM IV).
Deve fazer-se uma distinção entre os eventos que ocorrem uma vez e estão limitados no tempo (por exemplo, um acidente de carro ou umas cheias) e os eventos que não estão isolados e que ocorrem numa situação de média ou longa duração (por exemplo, a guerra ou a violência doméstica). Os traumas de Tipo I são os produzidos de eventos singulares e os traumas de Tipo II resultam da exposição prolongada a repetidas situação stressantes.
As reações normais que se podem esperar depois de se ter sobrevivido a experiências traumáticas são: ter memórias vividas dos eventos, pesadelos, vigilância constante, ansiedade e medo, abuso na ingestão de medicamentos ou outras substâncias, falar de mais, ter problemas sexuais, dores de corpo, tristeza, raiva, agressividade, desespero, culpa, falta de confiança nos outros, auto-isolamento, etc. A razão para estas respostas tão fortes é porque os sobreviventes se sentem como se essa experiência estivesse aprisionada no seu corpo e na sua mente. Foi tão horrível e dolorosa que as pessoas tentam esquecer ou evitam pensar no que aconteceu. Sobreviventes de traumas oscilam entre a tentativa de esquecer o que aconteceu e entre serem assolados com recordações intensas do evento. Esta reação é completamente normal e dura alguns dias ou semanas. Quando uma mulher recebe apoio da família ou de outros, isso ajuda-a a compreender as suas reações de modo a que ela não sinta que está a ficar doida.
Quando se trata de traumas de Tipo I, a maioria das pessoas pode recuperar-se completamente, especialmente quando tem o suporte da família ou dos amigos sempre que necessário. Nos casos em que as reações se manifestam por mais de três meses, necessita-se de dar atenção especial.
A violência doméstica causa um trauma de Tipo II, o chamado DSPT, e as reações podem durar por muito tempo, até anos. Judith Herman refere-se a mudanças complexas de personalidade que podem ser causadas por experiências traumatizantes, duradouras ou contínuas, tal como o abuso sexual, o incesto e a violência doméstica. Ela descreve várias categorias de sintomas tais como a somatização, as mudanças na regulação do afeto e dos impulsos, a dissociação, mudanças na identidade, mudanças na percepção do agressor, mudanças nas relações com os outros e mudanças na percepção do sentido da vida. Finalmente, Herman (1992) afirma que a depressão é a constatação mais comum em todos os estudos clínicos de pessoas cronicamente traumatizadas.
Van der Kolk (2000) menciona que, nas crianças vítimas de abuso sexual e nos casos de violação das mulheres por parceiros do sexo masculino, é freqüente surgirem reações que se mantêm de forma duradoura. Uma mulher que é vítima de violência cometida pelo seu marido ou parceiro íntimo está em alto risco de desenvolver problemas de saúde mental que atingirão também as suas crianças. Esses eventos perturbarão o seu comportamento, a maneira como ela se relaciona com os outros, a percepção de si mesma e a sua auto-estima, o seu espírito e o seu ser existencial.
Mulheres com reações de Stress Pós-Traumático exibem uma grande variedade de sintomas físicos. Algumas mulheres podem queixar-se de sintomas relacionados com a parte do corpo exposta ao trauma, especialmente em casos de exposição à violência física. Outras podem ter problemas que se expressam em disfunções sexuais, doenças de transmissão sexual, problemas musculares ou ósseos, dores crônicas e distúrbios funcionais. Vítimas de violação, em particular, apresentam sintomas na forma de dores pélvicas crônicas, dores de cabeça, desordens gastrintestinais e problemas menstruais. Gravidezes não desejadas, aborto natural ou induzido, bem como o risco de contrair o HIV, podem ser resultados de violência.
Por isso, os funcionários dos serviços de saúde reprodutiva, mais do que os outros nos serviços de saúde, lidarão com mulheres agredidas e violadas. Este aspecto dá-lhes responsabilidade e devem ter como tarefa reconhecer os sintomas e sinais nestas mulheres, respondendo às suas necessidades físicas, facilitando as necessidades psicológicas e apoiar no que for necessário para parar com o ciclo de violência através da ação legal.
• Eventos traumáticos relacionados com o conflito armado
• Tortura
• Ser mulher
• Pobreza e dificuldades socioeconômicas
• Desemprego e falta de qualificações profissionais
• Problemas de marginalização e discriminação
• Problemas de saúde derivados da precariedade dos serviços de saúde e de sanidade
• Má nutrição
• Condições físicas deterioradas, incluindo traumas e outras lesões físicas.
• Colapso das redes sociais resultando em fraco suporte social
• Eventos traumáticos tais como morte, perda ou medo.
• Situações diárias de stress
• Incapacidade em recuperar de eventos traumáticos após o primeiro mês
• Sensação de falta de controle sobre os eventos traumáticos.
É interessante comparar estes fatores com a situação de mulheres em situação de violência doméstica em países de baixos rendimentos. Muitos destes fatores podem ser aplicados nestes casos. Portanto, é mais ou menos implícito que estas mulheres também estão em alto risco de desenvolver problemas de saúde mental. Os fatores de risco, contudo, podem ser balanceados por fatores de proteção. Estes fatores são a chave para conceber programas de apoio e de prevenção.
Vejamos alguns exemplos de fatores de proteção:
• A presença de uma rede social, incluindo uma família nuclear ou extensa.
• A presença de grupos de auto-ajuda e de empoderamento e troca de experiências
• Ter emprego ou a possibilidade de gerar rendimentos
• Ter acesso a organizações de direitos humanos
• Ter acesso a serviços públicos que forneçam cuidados de saúde, proteção policial e justiça.
• A possibilidade de realizar rituais culturais e cerimônias
• Ter na inspiração política ou religiosa uma fonte de conforto, de sentido e de perspectiva para o futuro.
O bem-estar e a saúde de uma mulher vítima de violência doméstica e/ou abuso sexual é severamente afetado e perturbado por essas experiências. A sua saúde pessoal, o seu papel como mãe, como esposa, como geradora de rendimentos ou como empregada, será afetada. As suas crianças estarão em alto risco de desenvolver um problema sério de saúde mental ou de se tornarem vítimas ou perpetradoras na vida adulta. Isto cria um ciclo vicioso de violência.
Estudos feitos na área que estamos a abordar revelaram que crianças que vivem num ambiente doméstico em que há abuso do cônjuge, correm um risco 1.500 vezes superior à média nacional de serem igualmente vítimas de abuso (Van der Kolk, 2000). Segundo a OMS (2001) as crianças que são vítimas de violência ou de abuso sexual têm um risco elevado de elas próprias se tornarem mais tarde perpetradoras de formas semelhantes de abuso em relação a crianças mais novas. Testemunhar violência freqüente na casa também pode contribuir para desenvolver um comportamento agressivo: “Crianças jovens e agressivas, que chegaram ao ponto de cometer um homicídio. Comprovou-se que o fator mais importante que contribuía para esses atos de violência era ter um pai que se comportava de forma violenta e se revelava capaz de se tornar um homicida” (Lewis et al, 1983).
A violência contra as mulheres é uma violação básica dos direitos humanos e tem um poder extremamente destrutivo para a comunidade e para a sociedade. Não existe nada de natural na violência. A violência não tem nada a ver com as normas culturais aceites. O aumento de violência nas famílias e nas comunidades pode ser sintoma de perda de controle, de lutas contra as mudanças dos papéis de gênero, de lacunas nos sistemas jurídico, econômico e de saúde que falham em estabelecer limites, de processos de aculturação, etc. Enquanto os países e as sociedades mantiverem os olhos fechados para a violência contra as mulheres e as crianças, eles estão, em termos psicológicos, em processos de autodestruição.
Prejudicar e limitar as forças construtivas das mulheres na sociedade representa um custo extremamente alto. Prejudicar a confiança e a crença das crianças na justiça, na segurança e na paz, é criar mais riscos de que elas cresçam agressivas, se tornem adultos criminosos ou vítimas de violência de outros. Eles serão um sério risco para a paz e para o desenvolvimento da sociedade.
Violência e comportamento destrutivo sempre existiram e continuarão a existir na terra, pois “tu não podes evitar que as aves da desgraça sobrevoem a tua cabeça”. “Contudo, a comunidade nacional e internacional tem uma enorme responsabilidade em estabelecer limites aos agressores criminosos e em ajudar as suas vítimas a que eles construam ninhos nos seus cabelos”. As recomendações da OMS mostram que é muito urgente libertar as mulheres desta injustiça infame e destas situações insuportáveis.
Terça-feira, 19.01.10
Violência Doméstica - consiste em humilhações, ameaças, bofetadas, murros e pontapés, abuso sexual, ameaças de morte e assassinatos, bem como toda a intenção de causar danos físicos ou emocionais, criando um ambiente permanente de pânico e terror. O homem controla a mulher pela força e intimidação. Ocorre principalmente dentro da intimidade do espaço privado e é por isso que se denomina violência doméstica.
Os maus tratos domésticos são uma realidade que afeta uma alta percentagem de mulheres em nossa sociedade. Geralmente, permanecem ocultos, escondidos no âmbito das relações familiares por medo ou vergonha e por ter sido trabalhada a idéia de "roupa suja se lava em casa", e por considerar que os maus tratos são assuntos privados do casal.
A imagem da família como o espaço onde se manifestam os afetos, os cuidados com os demais, o amor, etc, oculta freqüentemente as relações de autoritarismo, de subordinação das filhas, dos filhos e da mulher ao homem. A autoridade paterna às vezes impõe o regime de quase escravidão.
Não podemos esquecer que a violência sexual no âmbito doméstico inclui o homem obrigando a mulher a ter relações sexuais por ser seu marido. E, muitas vezes, as mulheres se violentam permitindo o ato sem vontade porque aprenderam que esta é a sua obrigação.
Violência Sexual (estupro) - é um atentado á integridade física e emocional da mulher. O estupro das mulheres é um ato brutal de exercício da dominação dos fortes, que buscam humilhar, amedrontar, degradar a dignidade de uma pessoa.
A base central da existência do estupro é a opressão de gênero, o poder patriarcal dos homens sobre o corpo e sobre a vida das mulheres, a negação do seu direito de decidir sobre seu corpo e sua sexualidade.
Historicamente, o corpo da mulher, de cada uma em particular, e de todas, é tratado como propriedade dos homens, que se fundamentam na manutenção da supremacia masculina e na visão de uma sexualidade constituída a partir dessa supremacia.
Os estudos realizados para definir o papel do estuprador têm concluído que são casados ou solteiros conhecidos das vítimas. Daí, deduzirmos que é um mito falar que os estupradores têm problemas emocionais. Eles existem em todas as raças e classes sociais: há ricos e poderosos, homens da lei, negros e brancos, intelectuais e trabalhadores, e muitos têm comportamentos exemplares em outras esferas da vida. O estupro tem sido minimizado pelo Estado, que não leva em conta a magnitude do problema. As estatísticas existentes, em função do baixo número de denúncias, não se constituem em fator de relevância. Quando uma mulher se "atreve'" a denunciar tem que passar por tortuosos e humilhantes caminhos: delegacias de polícia, médicos legistas... Para a grande maioria, a investigação se converte em outra violência. Levando-se em conta que perpassa uma total negação ou aceitação da fala da mulher, não há credebilidade à sua história.3
O sistema legal brasileiro que rege normas punitivas em relação à violência contra a mulher sustenta-se em leis discriminatórias, de modo que impede a participação plena das mulheres no desenvolvimento da sociedade e dificulta a luta por seus direitos quando estes lhes forem negados e/ou violados. Mostra claramente que as leis existentes, além de não serem eficazes e aplicadas, não são veículos perfeitos para a promoção, proteção e defesa dos direitos da mulher.
O silêncio e a impunidade são mecanismos centrais de manutenção da violência. O silêncio atua como elemento de consentimento e impunidade. As mulheres, ora da classe menos favorecida, ora da classe média e/ou alta, hesitam em denunciar atos de violência por vários motivos: medo, vergonha, dependência econômica, influência da igreja, falsa ilusão de que vale o sacrifício de sofrer para manter a família unida, além do embaraço e humilhação nas delegacias. Na polícia, a mulher (vítima) é questionada de modo a sentir-se culpada ou até a acreditar que mereceu sofrer tal violência.
A não aplicação da lei gera a impunidade, deixando criminosos e agressores de mulheres esquecidos, absolvidos, com processos arquivados ou, quando condenados, recebem penas leves. Os atos violentos dos homens contra as mulheres são aceitos como naturais, como se fosse "normal" a violência doméstica.
A relação entre os sexos é tratada simplesmente como algo privado, permitindo a impunidade dos agressores.
Denunciar a violência é um dos caminhos para romper o silêncio da opressão, mas é preciso buscar mudanças no comportamento social do homem e da mulher, quebrando os falsos padrões tradicionais da sociedade, para que homens e mulheres possam conviver com as diferenças, respeitando-se mutuamente.
À guisa de Conclusão
Em sendo a violência contra a mulher a forma mais dramática de discriminação, mulheres do mundo inteiro começaram a se organizar em busca de uma cidadania plena, não perdendo de vista que mulheres e homens são seres humanos iguais, em dignidade e em direitos. O que as mulheres propõem é apenas e simplesmente que a sociedade se estruture e se organize em função da igualdade social.
Segunda-feira, 11.01.10
Se violência gera violência, submeter um jovem infrator ao cárcere só fortalece seu lado agressivo. Esta é uma das várias declarações humanistas do filósofo francês Edgar Morin, que está no Brasil para uma série de palestras e seminários. Enquanto o mundo se preocupa com os conflitos entre iranianos, é o pobre e esquecido povo do Sri Lanka que ele lembra em primeiro lugar quando perguntado sobre formas de violência que mais o preocupam.
Na entrevista ele explica sua Teoria da Complexidade. Autor de 30 livros, entre eles a obra em seis volumes O Método e Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro, Morin avalia que o mundo ainda não compreendeu a importância do erro - um desses sete saberes - e revela que a educação mudou pouco nos últimos anos, pois permanece ainda muito negativa.
Prestes a completar 88 anos, Morin se empenha em popularizar os conceitos de Política da Civilização e Política de Humanidade. Admirador do Brasil, o professor concedeu a entrevista em português. Recém-chegado da França, ainda não tinha “tomado um banho de português” necessário para deixar suas frases mais “belas”. A mistura, porém, não tirou o caráter inovador de suas ideias.
Eis a entrevista.
O assunto que o traz a Brasília são os direitos humanos e, em especial, as formas de violência. Nesse tema, que tipo de violência mais o preocupa?
A mais preocupante é a violência que vem com as guerras, as perseguições, como é a violência que chegou ao Sri Lanka há poucas semanas. A população, aos milhões, está em situação de horror, de matança. Isso é o mais grave. Mas também são as violências urbanas, cotidianas, matrimoniais, muitos homens que golpeiam as mulheres, os pequenos, uma situação muito impressionante. Mas a coisa mais importante é quando se diz, vamos fazer violência para acabar com violência. Em condições gerais, violência, gera outra violência. É um ciclo que não se interrompe. A questão fundamental é como parar a violência. Fazer com que em um momento não exista mais violência. E há vários caminhos: são os caminhos da compreensão. Por exemplo: a violência juvenil. Ser jovem é um momento de transição. Se essa violência é respondida com a violência do cárcere, vai se produzir delinquentes mais fortes. Outra política de compreensão para a pessoa fazer sua transformação é um momento de magnanimidade, de perdoar a pessoa e interromper o ciclo de violência. Existem exemplos, limitados, como de Gandhi, que sem violência teve sucesso contra o império inglês. Há vários tipos de meios. Hoje podemos pensar em lutar contra todas as formas de violência, com os modos apropriados para cada forma de violência.
O senhor é conhecido no mundo inteiro, e muito estudado, também no Brasil, pela Teoria da Complexidade. Como se poderia resumi-la?
Falamos primeiro de violência. Na complexidade, não podemos reduzir uma pessoa a seu ato mais negativo. O filósofo Hegel disse: se uma pessoa é um criminoso, reduzir todas as demais características de sua personalidade ao crime é fácil. Entender, não reduzir a uma característica má uma pessoa que tem outras característica, isso é a complexidade. Uma pessoa humana tem várias características, é boa, má e muito mais. Devemos entender que a palavra latina complexus significa tecido. Em geral, o nosso modo de conhecer que vem da escola nos ensina a separar as coisas, e não religá-las. A complexidade significa religar. Por exemplo: um evento, um acontecimento, uma informação. Quando chega uma informação sobre o que ocorre no Irã, por exemplo, devemos entender o contexto político, histórico, social. A complexidade busca favorecer uma compreensão maior que a compreensão que vem de se isolar a coisas, colocar o contexto, todos os contextos em uma situação.
Em “Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro”, o senhor fala da importância do erro. A humanidade já compreende e já aceita melhor o erro?
É uma coisa que disse Descartes, o problema de errar é não saber que se erra. Eu penso que é muito inteligente quando se sabe que se comete um erro e se esquece do erro. Penso que é muito importante conhecer as fontes do erro. De onde vem o erro.
Mas a humanidade vê melhor o erro do que há dez, vinte ano atrás?
Penso que não há progresso, o sistema de educação não mudou, é cada vez mais negativo. Os problemas globais fundamentais são cada vez mais fortes. Por isso penso que há a necessidade de reformar a educação. Com uma idéia melhor de como se faz o conhecimento e também compreensão humana dos outros. Penso que minha proposta será muito útil para o desenvolvimento nosso futuro.
Para aceitarmos a complexidade, é preciso uma reforma do pensamento e enxergar o mundo de outra maneira. O senhor acha que os meios de comunicação tradicionais essa reforma do pensamento ou é uma tarefa para a internet?
A internet hoje dá uma possibilidade de multiplicação de informação e comentários, que é muito útil, por que a vida de uma democracia é a pluralidade das opiniões, visões, sem a homogeneidade da imprensa. Não há muitas diferenças na grande imprensa. É muito útil a internet, o que não significa que não há coisas falsas que venham dessas redes. Mas é a educação que dá à pessoa condição de ver e confrontar o que vê na internet e na televisão. Penso que hoje a internet dá uma possibilidade de mudança muito grande, por exemplo, pela complexidade. No México, há um curso de complexidade da educação virtual, com 25 países.
O senhor tem se dedicado muito a pensar a política e tem feito a separação da política da civilização e da política da humanidade. Qual a diferença?
A política de civilização luta contra todos os efeitos negativos da civilização ocidental. É para restabelecer a solidariedade, humanizar a cidades, revitalizar os campos. Cada civilização tem suas virtudes, qualidades, suas diferenças, isso é verdade também para a civilização ocidental. Também para as civilizações de pequenos povoados, como índios da Amazônia, conhecimentos de plantas, animais, arte de viver, novos curativos, como os xamãs. A política de humanidade é combinar o melhor de cada civilização, fazer um simbiose no nível do planeta onde o melhor do mundo ocidental, que são os direitos humanos, direitos da mulher, a possibilidade do individualismo - mas não do egocentrismo - que combine outras civilizações, onde há mais solidariedade. A questão é lutar contra os defeitos das civilizações e pegar o que há de melhor. Porque nas civilizações tradicionais não há só coisas boas como solidariedade. Há também dogmatismo, autoridade demasiada dos mais velhos, do homem sobre a mulher. A ideia é tirar o melhor de cada, não idealizar a civilização tradicional ou a ocidental.
Sexta-feira, 08.01.10
É dispensável relacionar aqui as situações familiares bizarras e extremas, capazes de prejudicar o bom desenvolvimento emocional de seus membros, incluindo os filhos, cônjuge, netos, sobrinhos e até o cachorro da casa. Normalmente essas situações dizem respeito ao alcoolismo, drogadicção, histerias de várias formas, violência doméstica, chantagens emocionais, enfim, toda sorte de excessos capazes de perturbar o bom andamento das coisas familiares.
Pode parecer estranho mas, de fato, o que interessa considerar aqui é o exercício da maldade, tortura e crueldade. Mas não se trata da maldade, tortura e crueldade clássicas e francas. Aí ficaria muito fácil diagnosticar a dinâmica familiar deturpada. Mas não, o que nos interessa é o exercício da maldade, tortura e crueldade exercidas velada e dissimuladamente. Esse tipo disfarçado de crueldade e maldade inclui toda espécie de chantagens emocionais, cerceamentos de liberdade, desrespeito, omissões e opressões que familiares dirigem uns contra os outros de forma surda, calada e, muitas vezes, socialmente irreprimível.
Esse tipo de família onde existem pessoas capazes de gerar ansiedade e mal estar emocional em outros familiares, constitui aquilo que chamamos de Família de Alta Emoção Expressa. O termo Alta Emoção Expressa foi adotada, inicialmente, para indicar características de famílias que favoreciam a recaída dos sintomas de pacientes psiquiátricos. Hoje em dia, podemos empregar o termo para designar famílias que favorecem o desenvolvimento de estados emocionais desconfortáveis.
Na maior parte das vezes, o discurso de tais famílias nos dá a impressão de que todos são ótimos e desejam ardentemente o bem estar dos demais. Mas, avaliando com mais cuidado, surdamente, nas entrelinhas e dissimuladamente, veremos que, as coisas são feitas de forma a piorar o estado emocional dos demais ou de alguém, especificamente:
1. O número de comentários críticos, mordazes, amargos ou depreciativos,
2. A presença de hostilidade, direta ou dissimulada e
3. O nível de envolvimento emocional estressante
As Agressões Emocionais
Agressões Emocionais são aquelas que, independentemente do contacto físico, ferem moralmente. A Agressão Emocional, como nas agressões em geral, depende do agente agressor e do agente agredido. Quando não há intencionalidade agressiva e o agente agredido se sente agredido, independentemente da vontade do agressor, a situação reflete uma sensibilidade exagerada de quem se sente agredido.
Havendo intencionalidade do agressor, o mal estar emocional produzido por sua atitude independe da eventual sensibilidade aumentada do agente agredido e outras pessoas submetidas ao mesmo estímulos, se sentiriam agredidas também.
A Agressão Emocional é especialidade do meio familiar, chegando-se ao requinte de agredir intencionalmente com um falso aspecto de estar fazendo o bem ou de não saber que está agredindo.
O simples silêncio pode ser uma agressão violentíssima. Isso ocorre quando algum comentário, uma posição ou opinião é avidamente esperado e a pessoa, por as vezes, se fecha num silêncio sepulcral, dando a impressão politicamente correta de que “não fiz nada, estava caladinho em meu canto...”. Dependendo das circunstâncias e do tom como as coisas são ditas, até um simples “acho que você precisa voltar ao seu psiquiatra” é ofensivo ao extremo, assim como um conselho falsamente fraterno, do tipo “não fique nervoso e não se descontrole”.
Não é o freqüente, na família, a agressão sem intencionalidade de agredir, ou seja, a agressão que é sentida pelo agente agredido, independentemente da vontade do agressor. Normalmente, pelo fato da família ser um grupo onde seus membros têm pleno conhecimento da sensibilidade dos demais, mesmo que a situação de agressão refletisse uma sensibilidade exagerada de quem se sente agredido, o agressor não-intencional deveria ter plena noção das conseqüências de seus atos. Portanto, argumentar que “não sabia que você era tão sensível” é uma justificativa hipócrita.
As atitudes agressivas refletem a necessidade de uma pessoa produzir alguma reação negativa em outra, despertar alguma emoção desagradável. As razões dessa necessidade são variadíssimas e dependem muito da dinâmica própria de cada família. Podem refletir sentimentos de mágoa e frustrações antigas ou atuais, podem refletir a necessidade de solidariedade emocional não correspondida (estou mal logo, todos devem ficar mal), podem representar a necessidade de sentir-se importante na proporção em que é capaz de mobilizar emoções no outro.... enfim, cada caso é um caso.
Tipos de Agressão Emocional:
1 – Estimular sentimentos de preocupação, remorso e/ou culpa.
2 – Estimular sentimentos de inferioridade e dependência.
3 – Comportamento opositor e aversivo.
Um tipo comum de Agressão Emocional é a que se dá sob a autoria dos comportamentos histéricos, cujo objetivo é mobilizar emocionalmente o outro para satisfazer a necessidade de atenção e de importância da pessoa que agride. A intenção do agressor histérico é mobilizar outros membros da família, tendo como chamariz alguma doença, alguma dor, algum problema de saúde, enfim, algum estado que exija atenção, cuidado, compreensão e tolerância (veja Transtornos Histéricos).
No histérico, o traço prevalente é o “histrionismo”, palavra que significa teatralidade. O histrionismo é um comportamento caracterizado por colorido dramático e com notável tendência em buscar contínua atenção.
Normalmente a pessoa histérica conquista seus objetivos através de um comportamento afetado, exagerado, exuberante e por uma representação que varia de acordo com as expectativas da platéia. Mas a natureza do histérico não é só movimento e ação; quando ele percebe que ficar calado, recluso, isolado no quarto ou com ares de “não querer incomodar ninguém” é a atitude de maior impacto para a situação, acaba conseguindo seu objetivo comportando-se dessa forma.
Os pacientes histriônicos exageram seus pensamentos e sentimentos, apresentam acessos de mau humor, lágrimas e acusações sempre que percebem não serem o centro das atenções ou quando não recebem elogios e aprovações. Há grande possibilidade das “doenças” do histérico piorarem quando sente que alguém da família não está reservando parte de sua vida para preocupar-se com ele, quando alguém está se preparando para passear, sair, divertir-se.
Representar papéis é a especialidade mais meritosa da pessoa histérica, assim sendo, com muita propriedade, ela representa a mãe zelosa e preocupada, podendo estar sofrendo do coração, piorando quando fica “nervosa”, “passando mal” quando contrariada ou preocupada, e assim por diante.
Essa tentativa (e sucesso) da pessoa histérica em conseguir quase tudo através da mobilização emocional dos demais membros da família causa, cronicamente, um expressivo Sofrimento Emocional. O sentimento de culpa aparece quando alguém percebe que o histérico da família “adoeceu” por sua causa.
Se forem os pais os histéricos, normalmente tendem a chamar atenção quando o(s) filho(s) saem, arranjam namorado(a), deixam de cumprir seus compromissos, se comportam de maneira não esperada, etc. A postura histérica, com suas características de somatizações, surge ainda quando não há reconhecimento festivo de seus esforços para manter a família, da maneira heróica com que lidam com a vida.
Os sintomas histéricos acabam resultando em sentimentos de culpa ou remorso quando, sabidamente, aparecem se a pessoa ficar contrariada. Os familiares acabam sabendo que aquele mal estar e sofrimento da pessoa doente poderiam ser evitados se a pessoa não se aborrecesse, se todos não a deixassem nervosa.
Sendo histéricos os filhos, a teatralidade aparece como justificativa, mais que plausível, pelos fracassos e falhas do cotidiano, pela impotência na solução dos problemas e eventuais insucessos. Para melhor clareza das atitudes histéricas e sua relação com a busca de solidariedade e apoio por parte dos outros membros da família, veja o seguinte exemplo:
A paciente X queixa-se, logo que entra no consultório:
- Doutor, essa noite não dormi e não deixei ninguém dormir.
- Porque? Perguntei, já imaginando a resposta.
- Sentia dores pelo corpo e um mal estar esquisito...
Tentando um misto de ironia e correção, arrisquei...
- Então, depois de ter acordado a todos, suas dores melhoraram.
- Não. Continuei sentindo mal até de manhã, como vem acontecendo há muito tempo.
- Mas então, porque acordou a todos se as dores e o mal estar, como de costume, não melhoram quando você acorda todo mundo?
Sem pensar ou, pior, com a crítica ofuscada pelo egoísmo típico dos histéricos, respondeu:
- Mas o senhor queria, então, que eu sofresse sozinha?
Na prática clínica vemos, ainda, casos curiosos onde a esposa adoece cada vez que o marido agenda uma pescaria, ou na hora do jogo de futebol com os amigos... Também o homem passa mal quando tem contas a pagar, é demitido, não consegue resolver problemas do cotidiano, etc (veja mais: somatização, homens histéricos) Esse tipo chantagista e histérico de produzir Agressão Emocional pode ocorrer de vários modos. Tem aqueles casos de manipulação clássica e franca, onde o agressor é capaz de falar claramente coisas do tipo “você vai acabar me matando...”, “não dormi a noite toda esperando você chegar...”, etc.
Existem, por outro lado, os agressores que não falam mas sugerem continuadamente e com muita eficiência tudo aquilo que querem transmitir. Comportam-se “doentemente”, colocam a mão no peito para sugerir dor no coração mas, perguntados se sente alguma coisa, apressam-se a dizer que não. Na realidade estão torturando os outros duas vezes; primeiro por deixar todo mundo apreensivo sobre essa misteriosa dor no peito, e em segundo, por transmitir a impressão de que não se queixam, logo, nunca saberão se está com dor ou não.
Existem ainda aqueles que se comportam placidamente, resignadamente, “quietinhos em seu canto”, deixando claro seu mal estar e profundo aborrecimento com alguma coisa que está ocorrendo no lar. Esses são piores porque querem que todos saibam o que estão querendo sem que tenham de dizer.
Estimular sentimentos de preocupação, remorso e/ou culpa pode aparecer em pais nas seguintes diante (entre outras) das seguintes situações que envolvam:
• Noras ou genros não plenamente desejados;
• Filhos ou filhas que preferem (naturalmente) a convivência com o cônjuge;
• Filhos ou filhas que saem muito à noite;
• Filhos ou filhas que bebem ou usam drogas;
• Maridos que saem muito;
• Maridos que bebem;
• Maridos que vão pescar com amigos;
• Maridos que vão pescar;
• Esposas que gastam muito;
• Na falta de colaboração de todo mundo para afazeres domésticos...
Estimular sentimentos de preocupação, remorso e/ou culpa pode aparecer em filhos nas seguintes diante (entre outras) das seguintes situações que envolvam:
• Reprovação na escola;
• Acidente de carro;
• Falta de iniciativa para arranjar emprego;
• Ciúme dos irmãos;
• Separação do(a) namorado(a);
• Fracassos em geral...
Fazer o outro se sentir inferior e/ou dependente é um dos tipos de agressão dissimulada mais terríveis. A mais virulenta atitude com esse objetivo é fazer tudo corretamente, não com o propósito de ensinar, mas para mostrar ao outro o tamanho de sua incompetência.
Normalmente é o tipo de agressão dissimulada pelo pai em relação aos filhos homens, quando esses não estão saindo exatamente do jeito que o pai idealizou. Alguns comentários “inocentes” e falsamente destinados à orientação paterna podem ser do tipo:
• Na sua idade eu já era...
• Deixa que eu faço, meu bem (enfatizando o ‘meu bem’)
• Você não tem noção sobre isso, mas não é sua culpa...
• Sabia que iria acontecer isso...
• Gostaria que você fizesse só isso para mim, só isso...
A atitude do agressor que faz sentir inferior e/ou dependente, além da agressão verbal irônica e mordaz, também pode ser através de atitudes que sugerem ter resolvido tudo de forma “natural”, sem esforços.
Essa atitude é costumeiramente reforçada com postura autoritária e imperiosa, como se o outro tivesse que pagar, por sua inferioridade e dependência, através da obediência e solicitude. Dessa forma o agressor procura ser tratado “com tudo nas mãos”, exigindo que os outros o atendam serviçalmente.
Outro tipo de Agressão Emocional é o comportamento de oposição e aversão. As pessoas que pretendem agredir se comportam contrariamente àquilo que se espera delas. Demoram no banheiro quando percebem que se espera que saiam logo, deixam as coisas fora do lugar quando isso é reprovado, etc. Até as pequenas coisinhas do dia-a-dia podem servir aos propósitos agressivos, como deixar uma torneira pingando, apertar o creme dental no meio do tubo e coisas assim. Mas isso não serviria de agressão se não fossem atitudes reprováveis por alguém da casa.
Esses agressores estão sempre a justificar as atitudes de oposição como se fossem totalmente irrelevantes, como se estivessem corretas, fossem inevitáveis ou não fossem intencionais. Entretanto, sabendo que são perfeitamente conhecidos as preferências e estilos de vida dos demais, atitudes irrelevantes e aparentemente inofensivas podem estar sendo propositadamente agressivas.
Enfim, as agressões emocionais do tipo Comportamento Opositor e Aversivo são variadíssimas, de acordo com as características de cada família. E nem sempre é apenas a atitude ativa que agride. A não-atitude também pode ter propósitos agressivos; o silêncio e o emudecimento podem agredir, assim como a apatia, a omissão, desinteresse e o não-fazer-nada.
Algumas pessoas têm a incrível necessidade de provocar emoções negativas nos outros quando, elas próprias, estão emocionalmente complicadas. É como se “o condenado se consolasse na dor do semelhante”. Assim sendo, quando essas pessoas estão irritadas, magoadas, contrariadas, será muito pior sua irritabilidade, mágoa e contrariedade se não tiverem, ao seu redor, pessoas com iguais ou piores sentimentos.
A maior evidência de que os comportamentos opositores são agressivos na medida em que causam mal estar emocional no outro, é a ausência deles na ausência do espectador que se quer agredir. Um marido irritado, por exemplo, que chega em casa de péssimo humor e, descontente com a comida, atira o prato o chão, jamais teria esse comportamento se estivesse sozinho em casa ou se não houvesse perspectiva de vir alguém para assistir a cena ou os cacos do prato no chão.
Os agressores emocionais de oposição e aversão costumam ter frases costumeiras, como por exemplo as do tipo:
• Mas porque sou eu quem tem de mudar?
• Será tão difícil ter um pouco de paciência comigo?
• Acho que deveriam cuidar de suas vidas e deixar eu cuidar da minha.
• Nessa casa sempre fui tratado de maneira diferente.
• Porque meu irmão pode fazer isso e eu não?
• Os incomodados que se mudem...
No caso da agressão que estimula remorso e culpa os agressores são, predominantemente, mulheres (mães e irmãs, nessa ordem), mas na agressão de oposição e aversão os homens são mais capazes.
Para essas pessoas, normalmente, as agressões emocionais aparecem sob a forma de falsos conselhos bem intencionados. De fato tais conselhos têm objetivo de censurar, repreender, diminuir, envergonhar, humilhar, culpar, constranger, enfim, a intenção real de causar dor moral no outro. Um agravante e a sempre presente consciência do agressor sobre os efeitos reais de seus comentários, embora diga que “eu apenas disse que...” ou “não sabia que você era tão sensível, desculpe”.
Vejamos alguns poucos comentários pinçados no cotidiano que, muitas vezes, os familiares de pacientes psiquiátricos fazem, motivados pela intenção de agredir dissimulada através de comentários “inocentes”.
• Você deve reagir, ter pensamentos positivos, fortes...
• Sua irmã sim, tem a cabeça boa.
• Acho que se você se ocupasse de alguma coisa...
• Já passei por situações piores e nunca fiquei assim, como você.
• Acho que seu remédio não está fazendo efeito.
• Não te contei porque você não pode passar nervoso.
• Veja como seus irmãos se comportam e procure fazer o mesmo.
• Não posso me dar ao luxo de ficar doente como você.
• Se você tivesse metade de minhas preocupações...
• Se alguém nessa casa faz tratamento, não sou eu...
• Por causa de seu nervoso, daqui pra frente não conto mais nada pra você...
• O médico disse pra eu ter muita paciência com você.
• ... mas para sair de casa você está normal, não é?
• ... se um dia você ficar normal eu prometo que...
Finalizando, é bom ter em mente que o bem estar psicológico dos membros da família não depende apenas da sucessão de eventos proporcionada pelo destino, não apenas das adversidades materiais mas, sobretudo, da intencionalidade expressa ou dissimulada de agredir os demais.
Sexta-feira, 01.01.10
A violência doméstica é um tema bastante atualizado e instigante que atinge milhares de mulheres e crianças, adolescentes e idosos em todo o mundo, decorrente da desigualdade nas relações de poder entre homens e mulheres, assim como, a discriminação de gênero ainda presente tanto na sociedade como na família; Porém, sabe-se que esta questão não é recente, estando presente em todas as fases da história, mas apenas recentemente no século XIX, com a constitucionalização dos direitos humanos a violência passou a ser estudada com maior profundidade e apontada por diversos setores representativos da sociedade, tornando-se assim, um problema central para a humanidade, bem como, um grande desafio discutido e estudado por várias áreas do conhecimento enfrentado pela sociedade contemporânea. No Brasil, este tema ganhou maior relevância com a entrada em vigor da Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006, também conhecida como “Lei Maria da Penha”, uma merecida homenagem a mulher que se tornou símbolo de resistência a sucessivas agressões de seu ex- esposo.
Diante de toda repercussão alcançada, principalmente pela mídia, surgiram muitos comentários equívocos, criando-se, algumas vezes, falsas expectativas, como se, a partir da criação de uma lei exclusiva para tratar do tema, fosse inverter, de uma hora para a outra, uma rota histórica da violência. Basicamente por ser a violência resultante de uma arraigada cultura machista e discriminatória, que subjuga as mulheres, este problema não se resolve de imediato, num simples passe de mágica pelo poder da lei.
Com base no importante peso do instrumento legal, ainda assim, dentro do ponto de vista técnico, é preciso averiguar e analisar a lei à luz dos princípios constitucionais, penais e processuais penais, para se apurar até que ponto o Estado tem legitimidade para intervir coercitivamente na liberdade dos cidadãos.
Fato é que a violência doméstica e familiar é uma questão histórica e cultural anunciada, que ainda hoje infelizmente faz parte da realidade de muitas mulheres nos lares brasileiros. Com a entrada em vigor da Lei Maria da Penha, que cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra as mulheres almeja-se que essa realidade mude e a mulher passe a ter instrumentos legais inibitórios, para que não mais seja vítima de discriminação, violência e ofensas dos mais variados tipos.
Vale ressaltar que para chegar ao ponto principal (violência doméstica) é necessário abordar a chamada “violência de gênero”, examinando sua origem, características, formas de manifestação e os possíveis fatores causadores dessa violência. Segundo Edison Miguel:
A violência baseada no gênero é aquela decorrente das relações entre mulheres e homens, e geralmente é praticada pelo homem contra a mulher, mas pode ser também da mulher contra mulher ou do homem contra homem. Sua característica fundamental está nas relações de gênero onde o masculino e o feminino, são culturalmente construídos e determinam genericamente a violência .
A violência doméstica não é marcada apenas pela violência física, mas também pela violência psicológica, sexual, patrimonial, moral dentre outras, que em nosso país atinge grande número de mulheres, as quais vivem estes tipos de agressões no âmbito familiar, ou seja, a casa, espaço da família, onde deveria ser “o porto seguro” considerado como lugar de proteção, passa a ser um local de risco para mulheres e crianças.
O alto índice de conflitos domésticos já detonou o mito de “lar doce lar”. As expressões mais terríveis da violência contra mulher estão localizadas em suas próprias casas onde já foi um espaço seguro com proteção e abrigo.
A cada ano que passa, a violência reduz a vida de milhares de pessoas em todo o mundo e com isso, prejudica a vida de muitas outras. Ela não tem noção de fronteiras geográficas, raça, idade ou renda, atingindo assim, crianças, jovens, mulheres e idosos. A cada ano é responsável pela morte de milhares de pessoas em todo o mundo. Para cada pessoa que morre devido à violência, muitas outras são feridas ou sofrem devido a vários problemas físicos, sexuais, reprodutivos e mentais.
Neste primeiro item tem-se como ponto de partida a controvérsia, a complexidade da locução violência. Essa polêmica tem dado causa a muitas teorias sociológicas, antropológicas, psicológicas e jurídicas, por isso, a imensa dificuldade de um tratamento científico do tema.
O vocábulo violência é composto pelo prefixo vis, que significa força em latim. Lembra idéias de vigor, potência e impulso. A etimologia da palavra violência, porém, mais do que uma simples força, a violência pode ser compreendida como o próprio abuso da força. Violência vem do latim violentia, que significa caráter violento ou bravio. O verbo violare, significa tratar com violência, profanar, transgredir. Segundo Stela Valéria:
Estes termos devem ser referidos a vis, que mais profundamente, significa dizer a força em ação, o recurso de um corpo para exercer a sua força e, portanto, a potência, valor, a força vital .
É um ato de brutalidade, abuso, constrangimento, desrespeito, discriminação, impedimento, imposição, invasão, ofensa, proibição, sevícia, agressão física, psíquica, moral ou patrimonial contra alguém e caracteriza relações intersubjetivas e sociais definidas pela ofensa e intimidação pelo medo e terror. Segundo o dicionário Aurélio violência seria ato violento, qualidade de violento ou até mesmo ato de violentar. Do ponto de vista pragmático pode-se afirmar que a violência consiste em ações de indivíduos, grupos, classes, nações que ocasionam a morte de outros seres humanos ou que afetam sua integridade moral, física, mental ou espiritual. Em assim sendo, é mais interessante falar de violências, pois se trata de uma realidade plural, diferenciada, cujas especificidades necessitam ser conhecidas.
Vale ressaltar que a violência ocorre em vários contextos e áreas, como por exemplo, tanto no âmbito público quanto no âmbito privado. Segundo a OMS - Organização Mundial de Saúde -, a violência pode ser classificada em três modalidades:
-Violência inter-pessoal – este tipo de violência pode ser física ou psicológica, ocorrer tanto no espaço público como no privado. São vítimas crianças, jovens, adultos e idosos. Neste tipo de violência destaca-se a violência entre os jovens e a violência doméstica; violência contra si mesmo - é aquela em que a própria pessoa se violenta, causando a si mesmo lesões; violência coletiva - em suas diversas formas, recebe uma grande atenção pública, pois, há conflitos violentos entre nações e grupos, terrorismo de Estado ou de grupos, estupro como arma de guerra, guerras de gangues, em que ocorre em toda a parte do mundo; violência urbana - é aquela cometida nas cidades, seja em razão da prática de crimes eventuais, seja pelo crime organizado. É um problema que aflige vários países mundo afora.
Alguns cientistas sociais acreditam que a violência é própria da essência humana (do estado de natureza). Enquanto fenômeno estritamente humano, a violência não pode ser percebida fora de um determinado quadro histórico - cultural. Assim como as normas de conduta variam do ponto de vista cultural e histórico a depender do grupo que está sendo analisado, atos considerados violentos por determinadas culturas não são assim percebidos por outras, como por exemplo, as ablações do clitóris das crianças ocorrem diariamente em alguns países de religião islâmica, e são consideradas práticas normais pela maioria da população mulçumana, além de não serem criminalizadas, diferentemente da população ocidental, em que tem - se atos de violência e graves violações aos direitos humanos. Durante muito tempo, os castigos físicos infligidos a crianças e negros foram considerados normais. Assim, também ocorria a violência contra a mulher, que era considerada, até recentemente, como corriqueira e natural nas relações familiares em virtude do poder que o homem detinha sobre a mulher em face do pátrio poder e do casamento.
Pode-se afirmar que a conseqüência imediata disto, é que a violência é percebida de forma heterogênea e multifacetada, a partir da própria estrutura simbólica vigente na sociedade. Pode-se verificar também que a percepção contemporânea da violência foi ampliada não apenas do ponto de vista de sua intensidade, mas igualmente na perspectiva de sua própria extensão conceitual.
Convém então, dizer que as noções de violento e violência estão relacionadas à maldade humana, ou ao uso da força contra o fraco, o pobre ou o destituído. Nesse âmbito, o pobre, o fraco e o destituído surgem quase como que inocentes (como por exemplo, a criança que é espancada ou a mulher que é violentada), sendo uma questão de categorização moral do que de pertinente classificação econômica ou política. Segundo alguns autores pode-se afirmar que a violência, assim como a dor, a doença, a inveja, tem uma distribuição desigual na sociedade. Tem uma distribuição apenas associativa com certas categorias sociais. Elas sorriem para os pobres, muito mais do que para os ricos. A violência seria resultante de um desequilíbrio entre fortes e fracos. Isso envia um traço essencial do discurso de senso comum sobre a violência. A violência em suas mais variadas formas de manifestação afeta a saúde por que representa um risco maior para a realização do processo vital humano: ameaça a vida, produz enfermidade, danos psicológicos e pode provocar a morte.
Assim como em qualquer País ou em qualquer outra sociedade colonial, foram praticadas diversas modalidades de violência no Brasil. Fato é que, as várias culturas e sociedades não definiram e não definem a violência da mesma maneira, mas ao contrário, dão-lhe conteúdos diferentes, segundos os tempos e os lugares. De acordo com o estudo de Renata Álvares:
Certos aspectos da violência são percebidos da mesma maneira, porém, nas várias culturas e sociedades, formando o fundo comum contra o qual os valores éticos são erguidos .
O estudo da violência e dos mecanismos desenvolvidos por uma dada sociedade para combatê-la, constitui um campo aberto e fecundo para a investigação histórica e sociológica do Brasil. Pode-se considerar como ponto de partida a observação de que a violência não é um fenômeno recente na sociedade brasileira, estando presente em seu processo histórico, desde a colonização, desde a antiguidade clássica (greco- romana) até nossos dias atuais. Podemos perceber que, em seu centro, encontra-se o problema da violência e dos meios para evitá-la, diminuí-la e controlá-la.
A questão da violência ganhou um lugar tão importante na sociedade, que chegou a constituir uma palavra – chave, presente nos diferentes discursos na formação social brasileira. Pode-se citar como exemplo, as populações indígenas, vítimas iniciais desse processo, que foram escravizadas ou exterminadas pelas guerras empreendidas pelo conquistador português. O segundo alvo da violência colonizadora foi a população negra. Sabe-se que, entre os séculos XV e meados do século XIX, aproximadamente 30 milhões de negros foram violentamente retirados de seu continente de origem, traficados, mortos e transformados em escravos. Vale lembrar também, que houve a transição do trabalho escravo para o trabalho livre, na virada do século XIX para o XX, com a conseqüente contribuição do mercado de trabalho capitalista que transformou a sociedade brasileira e fez com que aparecessem as idéias de trabalho e a disciplina, com acentuada força e poder. No século XX a história mundial foi marcada pela violência praticada por duas grandes guerras que vitimaram milhões de pessoas.
No início do século XXI, tinha-se a expectativa de que a sociedade estaria tão evoluída a ponto de conviver em paz e harmonia, porém, a mídia mostra totalmente o inverso, continuando a denunciar o aumento sem precedentes de várias formas de violência, seja pela prática de crimes, como assassinatos, seqüestros, roubos, estupros, ocorridos nos mais variados lugares brasileiros- é a chamada violência urbana, que vitimiza milhares de pessoas em todo o mundo .
Este tipo de violência é a mais visível modalidade que existe. A violência menos visível continua escondida e pouco reconhecida. Por exemplo, a diferença salarial entre homens e mulheres, entre pessoas brancas e negras, a prática da violência doméstica que está escondida no que se chama de senso comum. Em algum momento de nossas vidas, foi dito como são e o que valem as coisas e os seres humanos, como devem ser avaliados e tratados e nós aceitamos estas informações sem contestação. Quando o senso comum se cristaliza como modo de pensar e de sentir de uma sociedade, forma o chamado sistema de preconceitos. Esse sistema de preconceitos ou representações permeia todas as relações sociais, podendo afetar de forma profunda e negativa estabelecendo diferenças entre as pessoas, negando direitos fundamentais e gerando conflitos. Percebe-se com isto, que futuramente poderá acarretar efeitos devastadores como, por exemplo, perda do respeito pela pessoa humana, restrição à liberdade, introdução da desigualdade, etc. Diferentes preconceitos, na forma de representação, permeiam a sociedade. Estão ligados á classe social, gênero, etnia, faixa etária dentre outros. Com isto, pode-se chegar a seguinte conclusão: O preconceito de cor e gênero fazem com que as pessoas negras e as mulheres sejam consideradas inferiores, o que se reflete na deficiência de educação e, portanto, em menor acesso a empregos e salários bem remunerados.
O preconceito e a discriminação estão bem claros nas indicações sócio - econômicos que indicam que as mulheres, principalmente as negras são discriminadas no mercado de trabalho quando não conseguem empregos ou ocupam cargos secundários, apesar de serem bem qualificadas e instruídas ou ainda quando percebem salários inferiores quando ocupam os mesmos cargos que os homens e mulheres brancas.
Com isto, conclui-se que no Brasil há diversas formas de violência, como por exemplo, a violência urbana que é a violência praticada pela discriminação contra as minorias que são os negros, os índios, os idosos, as mulheres, crianças, etc; A violência social em decorrência dos altos índices de desigualdades sociais e pobreza, a violência doméstica, entre outras.
Não há um dado concreto ou uma única explicação sobre o crescimento da violência no Brasil. Pode-se dizer que, certamente se encontra associado à lógica da pobreza e da desigualdade socioeconômica. É fato que pobreza e desigualdade não justificam, isoladamente, o acréscimo da violência. Um exemplo disto, é a sociedade hindu, que é pobre e profundamente hierarquizada, mas não produz as mesmas manifestações de violência existentes no Brasil. Os níveis salariais no Sudoeste da Ásia também são extremamente baixos, mas a criminalidade nessa região tampouco é comparável aos índices brasileiros, no entanto, não há como negar a relevância da desigualdade sócio-econômica na explicação do crescimento da violência. Para chegar perto da compreensão do aumento da violência criminal no Brasil, exige-se a análise dos vários aspectos da denominada exclusão social, ou seja, os excluídos, estes que não são simplesmente rejeitados física, geográfica ou materialmente. Não somente do mercado e de suas trocas, mas de todas as riquezas morais e espirituais.
Com isso, chega-se à conclusão de que seus valores não são reconhecidos, ou seja, há também uma exclusão social cultural. Um forte exemplo é a pobreza que compreende um aspecto da exclusão; a exclusão social que inclui os idosos, deficientes físicos, os doentes crônicos dentre outras.
No tocante à violência contra a mulher e a violência doméstica, há uma explicação ampla para sua grande ocorrência no Brasil. A situação não se apresenta diferente dos demais países. Não está junta apenas a pobreza, desigualdade social ou cultural. Estas são modificações marcadas profundamente pelo preconceito, discriminação e abuso de poder do agressor para com a vítima, que geralmente são as mulheres, as crianças e os idosos, ou seja, pessoas que em razão das suas peculiaridades (uma pessoa idosa não consegue agir como uma pessoa jovem, assim como uma criança não conhece meios para se defender), estão em situação de vulnerabilidade na relação social e isto é independentemente do país em que estejam morando. Estes são alguns elementos nucleares desta forma de violência. Em virtude do quantum despótico existente na maior parte dos relacionamentos afetivos, desta situação de força e poder que, geralmente, detém o agressor em relação á vítima, esta é manipulada, subjugada, violada e agredida psicológica, moralmente ou fisicamente.
Quinta-feira, 31.12.09
“Quando a mulher denuncia, ela está rompendo não só com a relação de violência, e sim com toda a sociedade. A mulher precisa acreditar que é um sujeito de poder e que através das políticas públicas pode minimizar a violência”.
“Vivemos numa sociedade patriarcal que naturaliza a dominação masculina e a violência contra a mulher. Isso é um fenômeno social milenar, desde o surgimento das primeiras polis, com a divisão social do trabalho, e depois com a consolidação do capitalismo, sistema no quais as diferenças entre homens e mulheres se tornaram desigualdades”, explicou Maria Elisa.
A sociedade está acostumada com essa formação patriarcal e machista. “O grande problema é como são construídas as relações sociais a partir das relações de gênero. Quando nasce um menino, por exemplo, dizemos ‘meu garotão’, ‘pegador’. Já com as meninas, ‘minha princesa’. Quando um filho apanha dos colegas, o pai incentiva a violência, dizendo: ‘retruca, vai lá e acaba com ele’. Com as meninas: ‘papai vai tomar alguma providência’. Quando a mulher se separa do marido, é chamada de ex-mulher. E quando briga com ele e procura as amigas elas dizem ‘ruim com ele, pior sem’ ou ‘faz uma comidinha que ele gosta que fica tudo bem’.”
Muitas mulheres sentem vergonha de denunciar a violência, primeiro por medo, depois pelo atendimento que elas recebem em delegacias comuns, onde os funcionários não estão preparados para atender esse tipo de denúncia.
Criada em agosto de 2006, a lei Maria da Penha, combate os crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher, mas ainda encontra diversos entraves no Poder Judiciário e entre os agentes de segurança pública brasileiros para ser plenamente implementada.
“A Lei Maria da Penha foi fruto dos movimentos feministas para a contenção do sistema patriarcal e da cultura machista. O objetivo é a desconstrução da sociedade e mostrar para a mulher o poder de transformação”, disse a defensora pública Amanda Schaefer, que também participou do debate.
De acordo com o balanço de dois anos da Lei Maria da Penha, divulgado no começo deste ano, existem 150.532 processos referentes à lei em tramitação nos tribunais brasileiros. Cerca de 2% deles resultaram em condenação de prisão, 41,9 mil processos geraram ações penais e 19,8 mil resultaram em ações cíveis.
A maior parte das ações protocoladas na Justiça trata de pedidos de proteção. Quase 20 mil mulheres conseguiram esse direito. Em pelo menos 85% dos tribunais brasileiros já foi instalada Vara ou Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.
“Para que a lei seja cumprida, é preciso que as mulheres tenham conhecimento de onde podem ser atendidas e denunciem seus agressores. Muitas não denunciam por não saber como ou por não terem o conhecimento de fato da lei", destacou a defensora pública.
Dados recentes da Organização Mundial da Saúde mostram que 60% das vítimas de violência sexual no mundo são mulheres jovens. Nos EUA, a cada 6 minutos, uma mulher sofre algum tipo de violência. Na América Latina, de 30 a 60% das mulheres foram violentadas por parentes.
No Brasil, pesquisas indicam que 53 a 70% dos casos de violência, excetuando-se o assédio sexual, acontecem em casa, vindas de maridos ou parceiros.
Em 2004, a Anistia Internacional divulgou um relatório onde estimava que um bilhão de mulheres, uma em cada três do planeta, já foram estupradas, espancadas ou sofreram algum outro tipo de violência. E ainda que 20% das mulheres, ou uma em cada cinco, será vítima ou sofrerá pelo menos uma tentativa de estupro durante a sua vida.
A verdadeira tolerância e o total descaso com que são tratadas essas situações, apesar de serem cotidianas e de atingirem metade da população mundial, cerca de três bilhões de pessoas, são completos, não apenas no Brasil, mas no mundo.
O que mostra claramente que a violência contra a mulher ultrapassa os limites culturais, como muitos costumam alegar na tentativa de mascarar o problema. Ela é parte da opressão do Estado sobre as diferentes camadas de explorados.
A violência contra a mulher é parte fundamental para a manutenção desse regime de dominação e exploração. Um exemplo disso é que os EUA estão no topo da lista de violência. Não por acaso, estão também entre os países mais repressivos do mundo, em todos os sentidos: perseguição a minorias raciais, maior população carcerária do planeta, repressão aos imigrantes, à esquerda, às organizações religiosas etc., tudo isso sob a cobertura da maior democrática do planeta.
Para uma luta vitoriosa contra a violência às mulheres, é necessário entender que o fundamento da opressão da mulher é a sociedade capitalista e o Estado burguês, que oprime a todas as camadas sociais, a começar pela classe operária para garantir a exploração do homem pelo homem, alimentar a fé na propriedade privada, e em última escala, na mulher como propriedade do homem.
Nesse esquema, em escala decrescente se incluem todos os setores oprimidos, jovens, negros, mulheres, até chegar à principal vítima de todo esse sistema, que são as mulheres negras jovens. Ainda mais humilhadas e inferiorizadas, por sua condição, submetidas ao desemprego ou subemprego; a dependência econômica do marido, o controle do Estado, do casamento e da religião – que procura controlar até mesmo o seu corpo – que lucra com a prostituição e a exploração sexual.
É por tudo isso que a luta contra a opressão, contra a violência à mulher, apenas através da transformação dos hábitos culturais e da legislação parcial não será nunca capaz de reverter o problema.
É necessário entender essa luta, como uma reivindicação específica das mulheres, mas respaldada por uma realidade mais ampla, de classe. Portanto, deve estar aliada e fazer parte da luta de toda a classe trabalhadora, por um novo tipo de Estado, com um governo que expresse e seja o resultado da luta e da derrota do capitalismo e do regime burguês: o governo operário. Este é o único tipo de governo capaz de garantir a mudança real da situação da mulher na sociedade.