Quinta-feira, 31 de Dezembro de 2009
“Quando a mulher denuncia, ela está rompendo não só com a relação de violência, e sim com toda a sociedade. A mulher precisa acreditar que é um sujeito de poder e que através das políticas públicas pode minimizar a violência”.
“Vivemos numa sociedade patriarcal que naturaliza a dominação masculina e a violência contra a mulher. Isso é um fenômeno social milenar, desde o surgimento das primeiras polis, com a divisão social do trabalho, e depois com a consolidação do capitalismo, sistema no quais as diferenças entre homens e mulheres se tornaram desigualdades”, explicou Maria Elisa.
A sociedade está acostumada com essa formação patriarcal e machista. “O grande problema é como são construídas as relações sociais a partir das relações de gênero. Quando nasce um menino, por exemplo, dizemos ‘meu garotão’, ‘pegador’. Já com as meninas, ‘minha princesa’. Quando um filho apanha dos colegas, o pai incentiva a violência, dizendo: ‘retruca, vai lá e acaba com ele’. Com as meninas: ‘papai vai tomar alguma providência’. Quando a mulher se separa do marido, é chamada de ex-mulher. E quando briga com ele e procura as amigas elas dizem ‘ruim com ele, pior sem’ ou ‘faz uma comidinha que ele gosta que fica tudo bem’.”
Muitas mulheres sentem vergonha de denunciar a violência, primeiro por medo, depois pelo atendimento que elas recebem em delegacias comuns, onde os funcionários não estão preparados para atender esse tipo de denúncia.
Criada em agosto de 2006, a lei Maria da Penha, combate os crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher, mas ainda encontra diversos entraves no Poder Judiciário e entre os agentes de segurança pública brasileiros para ser plenamente implementada.
“A Lei Maria da Penha foi fruto dos movimentos feministas para a contenção do sistema patriarcal e da cultura machista. O objetivo é a desconstrução da sociedade e mostrar para a mulher o poder de transformação”, disse a defensora pública Amanda Schaefer, que também participou do debate.
De acordo com o balanço de dois anos da Lei Maria da Penha, divulgado no começo deste ano, existem 150.532 processos referentes à lei em tramitação nos tribunais brasileiros. Cerca de 2% deles resultaram em condenação de prisão, 41,9 mil processos geraram ações penais e 19,8 mil resultaram em ações cíveis.
A maior parte das ações protocoladas na Justiça trata de pedidos de proteção. Quase 20 mil mulheres conseguiram esse direito. Em pelo menos 85% dos tribunais brasileiros já foi instalada Vara ou Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.
“Para que a lei seja cumprida, é preciso que as mulheres tenham conhecimento de onde podem ser atendidas e denunciem seus agressores. Muitas não denunciam por não saber como ou por não terem o conhecimento de fato da lei", destacou a defensora pública.
Dados recentes da Organização Mundial da Saúde mostram que 60% das vítimas de violência sexual no mundo são mulheres jovens. Nos EUA, a cada 6 minutos, uma mulher sofre algum tipo de violência. Na América Latina, de 30 a 60% das mulheres foram violentadas por parentes.
No Brasil, pesquisas indicam que 53 a 70% dos casos de violência, excetuando-se o assédio sexual, acontecem em casa, vindas de maridos ou parceiros.
Em 2004, a Anistia Internacional divulgou um relatório onde estimava que um bilhão de mulheres, uma em cada três do planeta, já foram estupradas, espancadas ou sofreram algum outro tipo de violência. E ainda que 20% das mulheres, ou uma em cada cinco, será vítima ou sofrerá pelo menos uma tentativa de estupro durante a sua vida.
A verdadeira tolerância e o total descaso com que são tratadas essas situações, apesar de serem cotidianas e de atingirem metade da população mundial, cerca de três bilhões de pessoas, são completos, não apenas no Brasil, mas no mundo.
O que mostra claramente que a violência contra a mulher ultrapassa os limites culturais, como muitos costumam alegar na tentativa de mascarar o problema. Ela é parte da opressão do Estado sobre as diferentes camadas de explorados.
A violência contra a mulher é parte fundamental para a manutenção desse regime de dominação e exploração. Um exemplo disso é que os EUA estão no topo da lista de violência. Não por acaso, estão também entre os países mais repressivos do mundo, em todos os sentidos: perseguição a minorias raciais, maior população carcerária do planeta, repressão aos imigrantes, à esquerda, às organizações religiosas etc., tudo isso sob a cobertura da maior democrática do planeta.
Para uma luta vitoriosa contra a violência às mulheres, é necessário entender que o fundamento da opressão da mulher é a sociedade capitalista e o Estado burguês, que oprime a todas as camadas sociais, a começar pela classe operária para garantir a exploração do homem pelo homem, alimentar a fé na propriedade privada, e em última escala, na mulher como propriedade do homem.
Nesse esquema, em escala decrescente se incluem todos os setores oprimidos, jovens, negros, mulheres, até chegar à principal vítima de todo esse sistema, que são as mulheres negras jovens. Ainda mais humilhadas e inferiorizadas, por sua condição, submetidas ao desemprego ou subemprego; a dependência econômica do marido, o controle do Estado, do casamento e da religião – que procura controlar até mesmo o seu corpo – que lucra com a prostituição e a exploração sexual.
É por tudo isso que a luta contra a opressão, contra a violência à mulher, apenas através da transformação dos hábitos culturais e da legislação parcial não será nunca capaz de reverter o problema.
É necessário entender essa luta, como uma reivindicação específica das mulheres, mas respaldada por uma realidade mais ampla, de classe. Portanto, deve estar aliada e fazer parte da luta de toda a classe trabalhadora, por um novo tipo de Estado, com um governo que expresse e seja o resultado da luta e da derrota do capitalismo e do regime burguês: o governo operário. Este é o único tipo de governo capaz de garantir a mudança real da situação da mulher na sociedade.